11 Agosto 2011

A Amnistia Internacional denunciou os crimes ao abrigo da legislação internacional que estão a ser cometidos pelo Exército da República Democrática do Congo e por vários grupos armados no leste daquele país. Estes crimes incluem violações e homicídios, à semelhança do que tem acontecido no resto do país nas últimas décadas.

O novo relatório da Amnistia Internacional “The time for justice is now; new strategy needed in the Democratic Republic of Congo” apela à reforma e ao fortalecimento do sistema judicial do país para combater a impunidade que tem fomentado, durante décadas, um ciclo de violência e abusos dos direitos humanos.

“O povo da República Democrática do Congo sofreu crimes de guerra e crimes contra a humanidade – incluindo tortura, violência sexual e uso de crianças-soldado – numa escala muito elevada e, contudo, apenas alguns perpetradores foram julgados”, afirmou Veronique Aubert, Subdirectora da Amnistia Internacional para África. 

“Todos os perpetradores suspeitos de crimes como estes devem ser julgados ao abrigo do direito internacional, de acordo com as normas internacionais para julgamentos justos e sem recurso à pena de morte.”

“Neste período antes das eleições presidenciais e legislativas do país, que terão lugar em Novembro deste ano, levar à justiça os perpetradores de crimes ao abrigo do direito internacional e assegurar a compensação das vítimas não deve ser apenas uma prioridade eleitoral, deve ser traduzida em medidas concretas.”

Em 2010 as Nações Unidas publicaram um relatório documentando as violações e os mais graves abusos aos direitos humanos cometidos na República Democrática do Congo entre os anos de 1993 e 2003. Na maioria destes casos nunca foi feita justiça. O relatório concluía que o sistema de justiça congolês é demasiado fraco e não tem os recursos necessários para providenciar justiça para crimes cometidos ao abrigo do direito internacional.

Em resposta ao relatório das Nações Unidas, o governo da República Democrática do Congo propôs o estabelecimento de um Tribunal Especializado que teria jurisdição sobre estes crimes. O Tribunal Especializado envolveria pessoas ligadas à justiça congolesas e internacionais. A lei está para ser debatida e pode ser adoptada pelo Parlamento dentro de poucas semanas.

“Esta iniciativa é um passo muito positivo no caminho para combater a impunidade, mas muito mais precisa de ser feito para permitir que os tribunais comuns complementem este novo mecanismo”, afirmou Veronique Aubert. “O Tribunal Especializado tratará alguns casos de maior importância, mas a maior parte do trabalho deve ser encaminhado para outros tribunais do país.”

A Amnistia Internacional identificou outros passos fundamentais que devem ser tomados para que o sistema de justiça do país possa fornecer compensações aos homens, mulheres e crianças que foram afectados pela violência e abusos endémicos.

“As vítimas negligenciadas destes crimes terríveis merecem justiça – devem ser capazes de contribuir para o processo de reforma de uma forma significativa e serem ouvidas pelo governo”, acrescentou Veronique Aubert.

Deve ser garantido um processo e  julgamento justo, apesar de, segundo o relatório, os juízes e outros indivíduos do sistema judicial enfrentarem regularmente ameaças e interferências por parte das autoridades políticas e militares.

A Amnistia Internacional também apela a que seja implementado um programa para proteger as vítimas e as testemunhas, que estão relutantes em denunciar os crimes de que foram vítimas por medo de represálias por parte dos perpetradores, que ainda estão em liberdade.

Paul, um homem de 30 anos de Masisi, disse à Amnistia Internacional que o Exército congolês comete sistematicamente abusos naquela povoação:

“Quando não há nada de valor nas nossas casas, os militares levam as mulheres. Em Setembro de 2010, a minha casa foi incendiada. Por volta das 22h00 vários soldados vieram a minha casa e derrubaram a porta. Encontraram-me e agrediram-me, partindo-me uma costela.” 

“Depois começaram a bater na minha mulher e nas minhas crianças. Para impedir que os agredissem, fui lá fora para lhes dar as minhas nove cabras e implorei que as levasse e deixassem a minha família. Quando o exército partiu, fugi para a floresta com a minha mulher e crianças. Quando regressámos na manhã seguinte, a nossa casa tinha sido incendiada. O que vos contei aconteceu a quase toda a gente na minha aldeia.”

Paul afirmou sentir-se incapaz de apresentar uma queixa porque o Exército ainda continua em Masisi e, por isso, teme represálias.

Mesmo quando os processos judiciais ocorrem e são bem sucedidos, as decisões judiciais raramente são aplicadas. A Amnistia Internacional não conseguiu identificar um único caso em que o governo tivesse pago a compensação sentenciada pelo tribunal, por ter sido responsabilizado por crimes ao abrigo do direito internacional. O povo congolês deve ser informado dos seus direitos legais e receber indemnizações.

Em Março de 2011, a Amnistia Internacional visitou prisões em Bukavu e Goma. A prisão em Bukavu, construída para ter até 350 presos, tinha 1.207 presos, incluindo 37 crianças. Sete crianças também estavam na prisão com as suas mães. A prisão central de Goma foi construída para 150 presos, mas tinha 943. As condições prisionais devem melhorar e devem ser prevenidas as fugas rotineiras da prisão.

Estão a ser realizados vários projectos de reforma da justiça na República Democrática do Congo, mas nenhum deles é suficientemente abrangente ou bem coordenado para resolver as falhas do sistema judicial. Deve ser acordado um mecanismo de coordenação eficiente entre os doadores e o governo.

Dadas as fraquezas actuais dos programas internacionais e nacionais bem como o escasso financiamento do sistema judicial do país, a Amnistia Internacional apela ao governo, às Nações Unidas, à União Europeia e a outros doadores relevantes para que forneçam o apoio financeiro e técnico necessário para assegurar que seja desenvolvida uma estratégia de justiça abrangente e de longo prazo.

Relatório: The Time for Justice is now_New Strategy in the Democratic Republic of the Congo

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