30 Abril 2015

 

#UnfollowMe

Ao ser lançada a campanha global da Amnistia Internacional #UnfollowMe, com o objetivo de pressionar os governos a porem fim aos programas de vigilância em larga escala, bem depressa as páginas da organização de direitos humanos no Facebook e no Twitter foram inundadas de comentários. Muitas pessoas argumentaram que “quem não tem nada a esconder, não tem nada a temer”.

O raciocínio assim feito é o de que se não se fez nada de errado, não há problema em que os governos recolham os dados pessoais dos cidadãos, vigiem os seus emails, as suas chamadas telefónicas, as imagens das web câmaras ou as pesquisas que fazem na Internet, porque, enfim, não encontrarão nada que lhes interesse. É um argumento com algum atrativo, mas está redondamente errado.

Muito tem sido escrito pelos peritos sobre este assunto, mas para encontrar respostas a este dilema, a Amnistia Internacional foi também ler e analisar os comentários que apoiantes da organização fizeram no Facebook. A organização de direitos humanos lança mão aqui desses argumentos expostos para explicar porque é que “não ter nada a esconder” é a forma errada de responder e reagir ao uso da vigilância em larga escala pelos governos.

1.    “A privacidade deve ser um direito a não ser que seja feito algo que levante suspeitas legítimas.”– Karine Davison

Normalmente, os governos fazem operações de vigilância quando identificam e monitorizam um indivíduo ou um grupo por razões específicas e legítimas. Para o fazer precisam de uma ordem emitida por um juiz, por exemplo para vigiar o uso da Internet feito por alguém considerado suspeito de atividades criminosas. Mas se a vigilância é conduzida de forma indiscriminada, as comunicações dos cidadãos estão a ser monitorizadas sem nenhuma suspeita razoável de que se possa estar a ser feito algo questionável. Os governos, com a vigilância em larga escala, estão a tratar todos os cidadãos como suspeitos criminosos, e todos os detalhes das vidas das pessoas como suspeitos. E há muito poucas leis para controlar o que os governos estão a fazer.

2.    “Então também não há problema em que esteja uma web câmara a espreitar o que se passa no quarto ou na casa de banho?” -Ulf Carsson

Há quem possa pensar que não tem razões para se preocupar com a sua própria privacidade, mas o mais certo é que se preocupe mesmo. Todos os dias, as pessoas fazem coisas dentro das suas casas que não fazem em público. Não porque tenham algo a esconder, mas apenas porque há partes da vida individual que se prefere manter privadas. O anfitrião do popular programa de televisão norte-americano “Last Week Tonight”, John Oliver, perguntou aos habitantes de Nova Iorque o que pensavam sobre os governos andarem a espiar as suas fotografias pessoais e sexuais (Oliver fez isto em termos um pouco mais explícitos): sem surpresas, as pessoas mostraram-se bastante mais desconfortáveis com a ideia de agentes governamentais andarem a ver as suas imagens mais íntimas.

3.    “A propósito, querer a minha privacidade NÃO é o mesmo que ter algo a esconder.”– James Earl Walsh

A vigilância em larga escala constitui uma intrusão sem precedentes na privacidade dos cidadãos. Em nenhum outro momento da história foi jamais aceite que os governos pudessem monitorizar tudo o que os cidadãos fazem com o argumento de os manter seguros. Imagine-se que os governos vêm dizer que querem instalar câmaras nas salas de estar das pessoas, ou microfones debaixo das mesas dos cafés, para garantir que apanham os criminosos – isto é o equivalente no mundo físico da vigilância online em larga escala. É um enorme abuso de poder dos governos, e os cidadãos estão a consentir essa conduta todas as vezes que dizem “não ter nada a esconder”. Em vez disso, o que os cidadãos devem dizer aos governos é: “Não tenho nada a esconder e vocês não têm nada a ver com o que faço na minha vida privada”.

4.    “Nada a esconder – na condição de concordar em 100% com as políticas e a linha de pensamento do Governo.”– Emily Kate Goulding

Muito à semelhança do direito ao protesto, a privacidade individual é algo de que as pessoas só se dão conta quando lhes é retirada. Através da história, informação aparentemente inocente sobre as pessoas foi usada para as perseguir em momentos de crise. Percebe-se que se tenha confiança na conduta de um determinado Governo em procurar criminosos e em não fazer nada de desonesto com os dados dos cidadãos. Mas e se esse Governo muda de forma dramática, para um lado ou para outro? Nesse cenário, as autoridades poderiam recolher e coligir dados para detetar e perseguir grupos dos quais discordam. Podem também usar a informação recolhida para intimidar jornalistas, perseguir ativistas e discriminar minorias.

5.    “A premissa é de que quem está atrás das câmaras terá em conta os melhores interesses dos cidadãos.”– Roland van der Sluijs

As pessoas podem até pensar que não fizeram nada errado, mas isso coloca uma confiança cega em que quem está a vigiar e monitorizar os dados dos cidadãos também pensa da mesma forma. E como o ex-administrador de sistemas da Central Intelligence Agency e consultor da Agência Nacional de Segurança norte-americana Edward Snowden nos mostrou – ao revelar ao mundo o alcance chocante dos programas de espionagem eletrónica –, quem está do lado de lá dos aparelhos de vigilância “está à procura de criminosos”. “Uma pessoa pode até ser a mais inocente do mundo, mas se alguém que está treinado para ver padrões de criminalidade olhar para os seus dados não irá encontrar esse cidadão inocente – irá encontrar um criminoso”, explicou Snowden numa conversa recente com a Amnistia Internacional.

6.    “Querem mesmo viver uma vida de repetições mecânicas e obedecer a tudo?”– Jia Hengjian

Estudos feitos sugerem que quando alguém sabe que está a ser vigiado o seu comportamento muda. E, conforme os cidadãos ficam cada vez mais bem informados e conhecedores dos algoritmos informáticos e das bases de dados usadas para prever a atividade criminosa, tornam-se também mais cautelosos naquilo que dizem e fazem online. O que acontece é que as pessoas começam a evitar dizer ou fazer algo que seja controverso, para evitar que as suas palavras ou ações sejam retiradas de contexto ou mal interpretadas. Em consequência, as sociedades tornar-se-ão muito conformistas, nas quais ninguém ousa desafiar o status quo.

7.    “Se não temos nada a esconder, porque razão estamos a ser vigiados?”– Jake Lawler

Em suma, a melhor resposta ao argumento “não tenho nada a esconder” será sempre “se não fiz nada de errado porque está a minha privacidade a ser violada?”

 

Integrada na campanha #UnfollowMe, lançada em março passado, a Amnistia Internacional promove uma petição dirigida aos líderes dos países da Aliança dos Cinco Olhos (Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia), instando-os a respeitarem o direito à privacidade, e a banirem a vigilância indiscriminada em larga escala e a partilha ilegal de dados privados dos cidadãos pelas agências de serviços secretos. Assine!

 

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