29 Março 2019

As forças governamentais da Síria, apoiadas pela Rússia, atacaram um hospital, um banco de sangue e outras instalações médicas, bem como uma padaria e uma escola, em zonas sob o controlo de grupos armados da oposição, em Idlib. Os ataques parecem indiscriminados, visando diretamente alvos civis, denuncia a Amnistia Internacional, após registar um total de seis casos.

No último mês, o governo sírio intensificou as manobras militares, com meios aéreos e artilharia, em áreas densamente povoadas, localizadas na autoestrada estratégica internacional M5, que liga Damasco a Aleppo, em Idlib.

“Em oito anos de crise, o governo sírio continua a mostrar total desrespeito pelas leis da guerra e pela vida dos civis. Os ganhos militares alcançados tiveram um preço muito alto, com dezenas de milhares de mortes e a destruição de cidades e vilas”

Lynn Maalouf

A Amnistia Internacional entrevistou 13 moradores que presenciaram os ataques em Saraqeb, Khan Sheikhoun, Talmans e Sheikh Idriss. A organização verificou os testemunhos através de análise de vídeos, informações de fonte aberta e imagens de satélite. Pelo menos quatro civis foram mortos e outros quatro ficaram feridos.

Os depoimentos recolhidos indicam que a recente escalada da violência obrigou ao deslocamento de milhares de pessoas para cidades próximas da fronteira com a Turquia.

“Em oito anos de crise, o governo sírio continua a mostrar total desrespeito pelas leis da guerra e pela vida dos civis. Os ganhos militares alcançados tiveram um preço muito alto, com dezenas de milhares de mortes e a destruição de cidades e vilas. A Rússia e a Turquia, como principais apoiantes das partes no conflito, devem prestar atenção ao alerta das Nações Unidas e garantir que a iminente ofensiva contra Idlib priorize a proteção de civis e não agrave a crise humanitária”, afirma a diretora de investigação da Amnistia Internacional no Médio Oriente, Lynn Maalouf.

“Os ataques em andamento em Idlib encaixam-se no mesmo padrão que vimos antes, em Aleppo e Daraa, na zona rural de Damasco, onde as forças do governo sírio atacaram hospitais, instalações médicas, equipas de emergência, padarias e escolas, deixando as pessoas sem outra hipótese, senão fugir. O governo sírio, com o apoio da Rússia, está claramente a recorrer às mesmas táticas militares ilegais que levaram a deslocamentos em massa, em alguns casos forçados”, indica Lynn Maalouf.

Testemunhas indicam que o Hay’at Tahrir al-Sham (HTS) e grupos armados que operam sob a sua influência estão presentes em várias cidades, quer em postos de controlo, bases militares, esquadras da polícia, quer em patrulhamentos regulares de zonas residenciais. Além disso, acredita-se que os conselhos locais, administrados por civis, sejam, em alguns casos sob ameaça, afiliados, apoiados ou guardados pelo Governo de Salvação, estabelecido pelo HTS, em 2017.

“Colocar o que parece ser um alvo militar junto a instalações médicas e dentro de uma área povoada é uma ameaça a civis e infraestruturas civis”

Lynn Maalouf

“O HTS tem a obrigação de tomar todas as precauções possíveis para proteger os civis sob o seu controlo, inclusive evitar a mobilização de combatentes e objetivos militares para as proximidades de concentrações de civis. Colocar o que parece ser um alvo militar junto a instalações médicas e dentro de uma área povoada é uma ameaça a civis e infraestruturas civis”, disse Lynn Maalouf.

Escola atacada em Sheikh Idriss

No passado dia 26 de março, forças do governo sírio bombardearam uma escola em Sheikh Idriss, a leste da cidade de Idlib. Eram 8h30, ou seja, já se encontravam crianças nas instalações. Dois funcionários de um hospital de campanha em Saraqeb avançaram à Amnistia Internacional que o ataque matou um menino de dez anos e feriu outros dois, de nove e dez anos, um dos quais em estado grave. De acordo com os moradores da zona, os foguetes lançados saíram da base militar de Abou Dohour, localizada a 20 km de Sheikh Idriss. Não há registo de qualquer alvo militar nas redondezas da escola.

Após o ataque, um morador que visitou o local afirmou: “Ouvi a explosão e fui imediatamente para a escola. Em três minutos, cheguei lá de motocicleta. Um dos foguetes caiu no parque da escola. Parece que estavam crianças a brincar naquela altura. Três ficaram feridas. Uma delas morreu. Vi sangue e uma cratera. Muitos ataques têm origem no aeroporto de Abu Dohour. É certo que a escola era o alvo porque um dos foguetes caiu no parque e os outros atingiram áreas circundantes, num raio de 200 metros. Não há alvos militares na zona. Nem do HTS, nem de outras fações. Esta área está localizada na zona desmilitarizada”.

Hospital de campanha visado

Outro ataque ocorreu no dia 9 de março, em Saraqeb. As forças do governo sírio dispararam quatro munições, através de um ataque aéreo, que atingiram o hospital al-Hayat, um banco de sangue, uma unidade de atendimento ambulatório e a Defesa Civil Síria, também conhecida como Capacetes Brancos. As diversas estruturas estavam localizadas muito próximas umas das outras, relatam quatro testemunhas.

De acordo com as informações recolhidas, as explosões causaram sérios danos e feriram um membro da equipa da unidade de resposta de ambulância. O hospital al-Hayat foi encerrado e os pacientes em estado grave foram transferidos para outras unidades de saúde próximas. Os restantes acabaram por ser enviados para casa, indicaram os moradores da zona.

Testemunhas disseram ainda à Amnistia Internacional que dois civis – um homem de 25 anos e uma criança – foram mortos no mesmo dia, em ofensivas aéreas em bairros residenciais, a cerca de 150 metros de outro hospital de campanha. Os relatos dão conta de que o aumento dos ataques a edifícios habitacionais ou com civis deslocou metade da população, nas últimas semanas, para os arredores de Saraqeb, em zonas agrícolas ou perto da fronteira com a Turquia.

O Corpo de Verificação Digital da Amnistia Internacional corroborou muitas das alegações através de análises de vídeo, incluindo depoimentos de moradores de Saraqeb sobre o ataque de 9 de março ao banco de sangue e ao hospital al-Hayat.

A organização também analisou imagens de satélite gravadas a 17 de março, identificando o hospital e o provável banco de sangue, usando informações de código aberto, fotos e vídeos nas redes sociais. Foi também possível observar o que parece ser uma grande cratera a aproximadamente 100 metros a oeste do hospital.

Saraqeb está sob o controlo de Liwa ‘Jabhat Thuwar Saraqeb wa Rifouha [Brigada da Frente Revolucionária de Saraqeb e do Interior], integrada no HTS.

“Ataques deliberados contra civis, incluindo hospitais e outras instalações médicas, e ataques indiscriminados que matam ou ferem civis são crimes de guerra”

Lynn Maalouf

Na aldeia de Talmans, no Sul de Idlib, dois moradores explicaram à Amnistia Internacional que as forças do governo sírio bombardearam uma área perto do hospital privado de al-Rahme. Tudo terá acontecido no dia 11 de março, por volta das 15h35.

As bombas caíram num campo de cereais próximo, matando dois trabalhadores agrícolas e ferindo um outro. Nenhum alvo militar está localizado nas redondezas. Um dos moradores disse à Amnistia Internacional que pessoas deslocadas de outras cidades e aldeias estão a viver perto do hospital.

“O hospital de Al-Rahme foi alvo de quatro projéteis. Todos caíram ao seu lado, não dentro. O hospital está encerrado porque a área é um alvo diário. Trata-se de um hospital privado. O proprietário fechou-o para evitar outros ataques”, afirmou a testemunha.

A Amnistia Internacional também entrevistou quatro moradores de Khan Sheikhoun, no Sul de Idlib, que adiantaram que a maioria dos habitantes foi forçada a sair depois de ataques aéreos e de artilharia, em fevereiro, que destruíram ou danificaram casas e outros edifícios, incluindo duas padarias e clínicas localizadas em prédios residenciais.

Um voluntário de defesa civil afirmou: “A padaria al-Rawda, a mais central em Khan, foi destruída, após um ataque aéreo, às 11h30. Removi os corpos de dois homens que morreram na explosão em frente à padaria”.

Os moradores indicaram que não existia qualquer hospital operacional, em Khan Sheikhoun, devido a um ataque aéreo que destruiu o único hospital de campanha da cidade, em fevereiro de 2018. O mais próximo fica a 20 km de distância, em Maarat al-Noman.

“A Turquia deve abrir as fronteiras para os civis que desejam fugir e para as organizações humanitárias que fornecem assistência imparcial”

Lynn Maalouf

“Ataques deliberados contra civis, incluindo hospitais e outras instalações médicas, e ataques indiscriminados que matam ou ferem civis são crimes de guerra”, denuncia Lynn Maalouf.

“A Amnistia Internacional apela aos grupos armados apoiados pela Turquia, na área do Escudo de Afrin e do Eufrates, para fornecer acesso sem restrições aos civis que fogem da violência, em Idlib. A Turquia deve abrir as fronteiras para os civis que desejam fugir e para as organizações humanitárias que fornecem assistência imparcial aos civis que precisam de assistência em partes da Síria sob o controlo da Turquia”, disse Lynn Maalouf.

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