22 Fevereiro 2016

 

As autoridades turcas negaram entrada no país a civis sírios feridos e em necessidade urgente de cuidados médicos que fugiam dos intensos bombardeamentos sobre os arredores a norte da cidade de Alepo nas duas últimas semanas, alerta a Amnistia Internacional com uma missão em curso na passagem fronteiriça entre Öncüp?nar e Bab al-Salam.

Forças de segurança turcas dispararam e feriram civis, incluindo crianças, que, desesperados, tentaram atravessar a fronteira não oficialmente com a ajuda de traficantes, foi igualmente documentado pela organização de direitos humanos.

“As pessoas com quem falámos descreveram uma imagem trágica da situação desesperada dos civis que continuam encurralados entre os raides aéreos diários e as condições terríveis de sobrevivência humana em que se encontram. As práticas profundamente seletivas da Turquia são chocantes: apenas sete pessoas feridas puderam entrar no país para obter tratamento médico, enquanto todos os outros em fuga da violência são deixados sem proteção”, explica a diretora do gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional, Tirana Hassan.

Esta perita frisa que “o facto de a Turquia estar a restringir o acesso a sírios doentes e feridos demonstra que as atuais políticas de controlo de fronteiras do país estão muito longe de cumprir as obrigações internacionais de oferecerem proteção”. “A fronteira tem de permanecer aberta para todos quantos fogem do conflito na Síria, em particular os civis feridos e doentes que estão a ser alvo de raides aéreos diários contra as suas casas, hospitais e escolas”, sustenta.

Tirana Hassan insta a “comunidade internacional a aumentar os esforços de apoio à Turquia e a outros países vizinhos da Síria que estão a braços com o fluxo maciço de refugiados”.

Testemunhos de médicos e famílias sírias com feridos

Testemunhos de médicos e outros prestadores de cuidados, aos quais foi permitido atravessarem a fronteira de Bab al-Salam para a vila turca de Öncüp?nar com familiares feridos, assim como outras testemunhas e profissionais clínicos, contaram aos investigadores da Amnistia Internacional que milhares de pessoas estão encurraladas do lado sírio da fronteira em condições terríveis.

Um médico em Azaz (no Noroeste da Síria) descreveu a pressão para tentar dar resposta ao aumento drástico de feridos nas últimas duas semanas. Sem capacidade para tratar os ferimentos mais graves mas não letais, os médicos transferiram os doentes para a fronteira síria-turca na esperança de que sejam tratados na Turquia.

“Como muitos hospitais já não estão a funcionar, estamos a lutar para conseguirmos tratar as pessoas. Não temos cirurgiões nem equipamento suficiente. Estamos a deslocar os feridos em ambulâncias para o hospital que fica junto à passagem fronteiriça de Bab al-Salam, pedindo que estas pessoas sejam transferidas para a Turquia, mas a maior parte está a ser enviada de volta por não terem ferimentos gravíssimos”, explicou um médico, avançando ainda que muitos outros civis feridos permanecem em Azaz.

Vários médicos sírios relataram à Amnistia Internacional que assim que as pessoas chegam ao hospital em Bab al-Salam, equipas de médicos turcos selecionam os casos que entendem devem ser transferidos para hospitais turcos. Outros são mandados para trás, quando é avaliado que os ferimentos que têm não são fatais e não carecem de tratamento imediato.

A Turquia terá permitido que algumas dezenas de pessoas com necessidade de assistência médica de emergência passassem a fronteira nestas últimas duas semanas, mas negou a entrada a outras que sofrem de doenças crónicas, como cancro, ou que precisam de diálise, apesar de as instalações médicas na Síria não terem nem medicamentos nem equipamento para tratar estes casos adequadamente. A Amnistia Internacional não encontrou quaisquer provas para fundamentar as declarações das autoridades turcas de que foi autorizada a passagem a cerca de dez mil refugiados sírios na passagem fronteiriça entre Bab al-Salam e Öncüp?nar.

Testemunhas e médicos sírios contaram ainda que as autoridades turcas não permitem que os familiares de pessoas com ferimentos de risco de vida as acompanhem na entrada em território da Turquia; em alguns casos foi autorizada a passagem do ferido junto com um só prestador de cuidados, deixando todo o resto da família, incluindo crianças, para trás. Em pelo menos dois casos, pais ou crianças que se encontravam feridos foram separados uns dos outros na fronteira, não sendo autorizada a passagem de toda a família junta.

Uma mulher que acompanhava o filho de 11 anos ferido na passagem para a Turquia descreveu à Amnistia Internacional ter sido separada dele na fronteira. Apesar de a criança estar ferida numa perna e o marido ter sido também gravemente ferido num bombardeamento aéreo, não foi permitido ao rapaz atravessar a fronteira com o resto da família. “Eles [forças russas e sírias] estiveram a bombardear-nos o dia todo… O meu marido e o nosso filho de 11 anos foram atingidos por estilhaços nas pernas quando uma bomba caiu a uns metros do local onde estávamos a dormir, por volta da 1h de 8 de fevereiro. [As autoridades turcas] só permitiram que passasse eu e os meus três filhos com menos de cinco anos junto com o meu marido na ambulância, obrigando-nos a deixar o meu filho de 11 anos para trás porque acharam que os ferimentos dele não comportavam risco de vida”.

Um homem testemunhou à equipa da Amnistia Internacional que não foi permitida a passagem à filha que tinha sido ferida nas costas por estilhaços num ataque aéreo sobre Kal Jabrine a 15 de fevereiro; a mulher acompanhava na altura o marido e a filha de um ano que estavam gravemente feridos e aos quais foi permitida a entrada da Turquia. Esta testemunha precisou ainda que o genro se encontra em cuidados intensivos e que a neta morreu devido aos ferimentos sofridos no bombardeamento, mas mesmo assim as autoridades turcas recusaram a entrada à sua filha.

Disparos na passagem fronteiriça

O médico oriundo de Azaz e um paramédico contaram ainda aos investigadores da Amnistia Internacional que os sírios que tentam passar irregularmente a fronteira em direção à cidade turca de Kilis com traficantes têm sido alvejados por forças de segurança turcas. Ao longo dos últimos dois meses, os hospitais sírios em Azaz têm recebido uma média de dois casos todos os dias de civis alvos de disparos quando tentavam atravessar a fronteira daquela forma. Num desses casos, uma criança de cerca de dez anos foi alvejada na cabeça.

Não há nenhumas provas que sugiram que haja grupos armados na zona de fronteira, a qual de resto se localiza a uma distância considerável das linhas de combate. A Amnistia Internacional documentou muitos casos similares durante os últimos dois anos ou mesmo desde antes.

“A União Europeia [UE] tem dado prioridade a garantir que a Turquia mantém os refugiados fora da Europa à custa da proteção imediata que é necessária para milhares de sírios em fuga dos intensos e diários bombardeamentos sobre Alepo e outras áreas”, critica Tirana Hassan.

Dezenas de milhares de pessoas encurraladas

O mais recente fluxo de refugiados sírios em direção da fronteira com a Turquia mostra uma vez mais a necessidade de a UE e outros em estabelecerem um programa credível de reinstalação com a Turquia, que acolhe já mais de 2,6 milhões de refugiados sírios, mais do que qualquer outro país.

Cerca de 58 000 pessoas chegaram à zona de Bab al-Salam nas últimas duas semanas, de acordo com as estimativas das Nações Unidas, em fuga de uma ofensiva aérea e terrestre intensa por parte das forças governamentais sírias e aliadas da Síria, incluindo as Forças Armadas russas e as chamadas Forças Democráticas Sírias que incluem grupos armados não-estatais árabes e curdos, contra zonas no norte de Alepo que estão sob o controlo dos grupos da oposição.

Alguns dos ataques parecem ter tomado como alvo zonas residenciais civis assim como estruturas médicas, em que se incluiu Azaz, a norte de Alepo e perto da fronteira com a Turquia. A Amnistia Internacional analisou ainda vários vídeos e outras imagens que indicam terem ocorrido ataques com munições de fragmentação, inerentemente indiscriminados, sobre áreas civis a norte de Alepo.

As consequências para as pessoas que são impedidas de entrar na Turquia são ainda mais agravadas pela falta de cuidados médicos adequados dentro do território da Síria que resulta diretamente dos continuados bombardeamentos sobre hospitais e outras instalações clínicas nos raides das forças governamentais sírias e russas. Pelo menos cinco estruturas médicas foram atingidas em Alepo em janeiro e outras quatro em fevereiro.

“É claro que os países vizinhos da Síria, e em especial a Turquia, o Líbano e a Jordânia, estão sob uma pressão incrível devido ao fluxo de refugiados. Mas a Turquia não pode desrespeitar as suas obrigações ao abrigo da lei internacional forçando refugiados feridos a voltarem para trás. A Turquia, com o apoio da comunidade internacional, incluindo a UE, tem de prestar-lhes proteção imediata dos bombardeamentos diários que estão a acontecer a apenas alguns quilómetros de distância da fronteira”, exorta a diretora do gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional.

Práticas de seleção agravam a crise junto à fronteira

As práticas de seleção de entrada no país feitas pela Turquia estão a agravar ainda mais a crise de desespero humano que ocorre junto à fronteira, onde se tem registado um aumento muito significativo na chegada de pessoas àquela zona nas últimas duas semanas. Ativistas em Bab al-Salam reportaram à Amnistia Internacional que algumas famílias que fugiram da Síria depois das suas casas serem destruídas têm vindo a dormir nos carros ou nas ruas apesar das temperaturas geladas.

A maior parte das passagens fronteiriças oficiais da Turquia com a Síria permanecem fechadas. As autoridades turcas apenas deixam entrar no país pessoas que estejam gravemente feridas ou quem se encontre em necessidade de assistência humanitária urgente – normalmente quando os combates se aproximam muito da fronteira.

Na prática isto significa que praticamente todos os refugiados sírios na Turquia foram forçados a usar passagens irregulares extremamente difíceis e perigosas, com a ajuda de traficantes.

Uma organização humanitária turca registava já mais de 110 000 pessoas deslocadas que se encontravam abrigadas em oito campos ao longo do lado sírio da fronteira de Bab al-Salam com Öncüp?nar, e isto já antes do recente fluxo das últimas duas semanas. Um nono campo está atualmente em construção, mas não será suficiente para acomodar todos os recém-chegados.

O fluxo de pessoas à passagem fronteiriça de Kilis chegou a um pico de crise. A Turquia tem de abrir as suas fronteiras aos refugiados.

A Amnistia Internacional tem repetidamente instado a comunidade internacional a aliviar o fardo dos países vizinhos da Síria, através de um reforço significativo da assistência humanitária e de vagas de reinstalação. A organização de direitos humanos reitera a necessidade de pelo menos 450 000 dos mais vulneráveis refugiados sírios serem reinstalados na Europa, na América do Norte e em outras regiões do mundo até ao final de 2016.

Toda e qualquer pessoa oriunda da Síria que procure asilo devem ser consideradas como encontrando-se em necessidade de proteção internacional devido aos generalizados abusos de direitos humanos que estão a ser cometidos no conflito na Síria, incluindo crimes de guerra e crimes contra a humanidade.

A Turquia acolhe já mais de 2,6 milhões de refugiados sírios, sendo assim um dos maiores países anfitriões de refugiados em todo o mundo. Entre meados e finais de 2015, na esteira dos vastos fluxos de refugiados para o espaço europeu através de rotas irregulares a partir da Turquia, a União Europeia firmou um acordo com aquele país com vista a combater a migração irregular pelas suas fronteiras terrestres e marítimas.

A crise dos refugiados sírios em números

A Amnistia Internacional exorta, em petição, os líderes políticos a mudarem as políticas de asilo nos seus países e, em particular, os governos europeus a garantirem que os refugiados encontram um destino seguro na Europa, através dos mecanismos de reinstalação e outros que permitam a admissão legal e segura nos seus territórios de quem foge de conflitos e perseguição. Assine!

 

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