11 Junho 2019

  • Novas provas documentam ataques violentos
  • ONU e União Africana votam futuro da missão de paz no dia 27 de junho
  • Retirada colocará civis à mercê das forças de segurança sudanesas

A Amnistia Internacional apresenta novas provas, incluindo imagens de satélite, que mostram que unidades militares do governo sudanês, incluindo as Forças de Apoio Rápido e milícias aliadas, continuaram a cometer crimes de guerra e outras violações graves dos direitos humanos, no Darfur. Os nossos registos dão conta da destruição total ou parcial de, pelo menos, 45 aldeias, homicídios e violência sexual.

Dezenas de milhares de civis, que estão sob proteção das forças de paz das Nações Unidas e da União Africana em Jebel Marra, não podem ficar à mercê das Forças de Apoio Rápido – uma unidade de segurança sudanesa, herdeira da antiga milícia “Janjaweed”, envolvida em crimes contra humanidade e crimes de guerra, bem como na sangrenta repressão de manifestantes do início deste mês, em Cartum.

“O Conselho Militar de Transição do Sudão deve retirar, imediatamente, as Forças de Apoio Rápido de qualquer operação de policiamento e aplicação da lei”

Kumi Naidoo, secretário-geral da Amnistia Internacional

“No Darfur, como em Cartum, testemunhámos a brutalidade desprezível das Forças de Apoio Rápido contra os civis sudaneses. A única diferença é que, no Darfur, cometeram atrocidades impunes durante anos. O Conselho Militar de Transição do Sudão deve retirar, imediatamente, as Forças de Apoio Rápido de qualquer operação de policiamento e aplicação da lei, especialmente em Cartum e no Darfur, e confiná-las ao quartel em nome da segurança pública”, afirma o secretário-geral da Amnistia Internacional, Kumi Naidoo.

O futuro da missão internacional das Nações Unidas e da União Africana será votado no próximo dia 27 de junho. Para Kumi Naidoo, as duas organizações “não devem voltar as costas” a quem vive no Darfur. “A decisão de acabar com a UNAMID pode colocar em risco dezenas de milhares de vidas, de forma imprudente e desnecessária”, nota.

Entre 2017 e 2018, os contingentes militares das Nações Unidas e da União Africana foram reduzidos, a maioria das bases que ocupavam acabaram encerradas e o que sobrou da missão foi mobilizado para a proteção de civis na região de Jebel Marra, no Darfur, onde existiam maiores preocupações com os direitos humanos. Agora, o futuro da força de manutenção de paz até junho de 2020 ficará decidido, estando em consideração a retirada. Uma primeira e alargada fase deverá acontecer até dezembro deste ano.

O que aconteceu e não pode voltar a acontecer

As instalações militares fechadas pela missão internacional deveriam estar a ser usadas sem fins militares. Contudo, ficaram nas mãos das Forças de Apoio Rápido com a conivência do Conselho Militar de Transição, criado depois de o governo de Omar al-Bashir ter caído.

Outro problema é o acesso de equipas independentes a Jebel Marra. Há fortes restrições governamentais para jornalistas e monitores de direitos humanos, mas a Amnistia Internacional conseguiu confirmar os recentes ataques contra civis. Muitos destes não foram registados e acompanhados pela missão internacional das Nações Unidas e da União Africana.

Provas e imagens de satélite indicam que as forças do governo e milícias associadas danificaram ou destruíram, pelo menos, 45 aldeias em Jebel Marra, entre julho de 2018 e fevereiro de 2019. A Amnistia Internacional documentou outros abusos, incluindo homicídios, violência sexual, saques e deslocamentos forçados.

“Embora a missão das Nações Unidas e da União Africana no Darfur tenha fracassado, consistentemente, na prevenção de ataques a aldeias, tem sido capaz de fornecer proteção aos civis deslocados”

Jonathan Loeb, assessor sénior da Amnistia Internacional

Acabar com a missão internacional poderá ter um impacto devastador sobre a população que se concentra à volta de Jebel Marra. A base de Sortoni, a norte da região, atesta a importância que os militares têm na defesa dos civis. Em 2016, milhares de pessoas refugiaram-se nessa área depois de as forças do governo sudanês terem destruído as suas aldeias. Hoje, permanecem ali porque é o único local onde se sentem seguras.

Quase todos os entrevistados ouvidos pela Amnistia Internacional, que vivem em torno de Sortoni e outras bases da missão internacional em Jebel Marra, disseram temer o regresso da violência em larga escala caso se confirme que as forças de manutenção de paz serão desmobilizadas. “Embora a missão das Nações Unidas e da União Africana no Darfur tenha fracassado, consistentemente, na prevenção de ataques a aldeias, tem sido capaz de fornecer proteção aos civis deslocados pela violência que conseguem ter segurança perto das bases”, afirma Jonathan Loeb, assessor sénior da Amnistia Internacional.

Relembrar Cartum

A violenta repressão de manifestantes em Cartum, no passado dia 3 de junho, é a mais recente memória que deve ser avivada para quem tem dúvidas de que as Forças de Apoio Rápido são um motivo de preocupação. Mais de 100 pessoas foram mortas depois desta unidade militar ter disparado contra quem protestava contra o Conselho Militar de Transição.

“É difícil imaginar um momento pior para decidir fechar a missão das Nações Unidas e da União Africana no Darfur. O Sudão está no meio de uma crise política. Uma vez que os homens que mantiveram o poder político e militar são os arquitetos de muitas das campanhas mais violentas durante o conflito do Darfur, seria perigosamente ingénuo o Conselho de Segurança da ONU e para o Conselho de Paz e Segurança da União Africana não admitirem a possibilidade de uma escalada da violência contra os civis. A decisão de retirar os últimos militares da força de manutenção de paz do Darfur, neste momento, revelaria uma falta de compreensão chocante sobre a atual realidade do Sudão”, alerta Jonathan Loeb.

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