30 Julho 2024

 

  • Identificadas armas provenientes da China, Rússia, Sérvia, Turquia, Emirados Árabes Unidos e Iémen
  • O atual embargo de armas na região do Darfur é completamente inadequado e deve ser alargado a todo o país
  • “Esta é uma crise humanitária que não pode ser ignorada” – Deprose Muchena

 

Um novo relatório da Amnistia Internacional, Novas Armas que Alimentam o Conflito no Sudão, documenta a forma como armas estrangeiras recentemente fabricadas têm sido transferidas para o Sudão e zonas circundantes, muitas vezes numa clara violação do embargo de armas em vigor na região do Darfur.

A Amnistia Internacional constatou que as armas e munições recém-fabricadas ou recém-transferidas de países como a China, a Rússia, a Sérvia, a Turquia, os Emirados Árabes Unidos (EAU) e o Iémen estão a ser importadas em grandes quantidades para o Sudão e, em alguns casos, desviadas para o Darfur.

Até à data, mais de 16.650 pessoas foram mortas desde o início das hostilidades entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF) em abril de 2023. A Amnistia Internacional documentou baixas civis tanto em ataques indiscriminados como em ataques diretos a civis. Algumas das violações do direito internacional humanitário cometidas pelas partes envolvidas no conflito constituem crimes de guerra. Calcula-se que mais de 11 milhões de pessoas tenham sido forçadas a deslocar-se internamente e que milhões estejam em risco iminente de fome.

“O fluxo constante de armas para o Sudão continua a causar a morte e o sofrimento de civis a uma escala imensa”

Deprose Muchena

“O fluxo constante de armas para o Sudão continua a causar a morte e o sofrimento de civis a uma escala imensa. A nossa investigação mostra que as armas que entram no país foram colocadas nas mãos de combatentes que são acusados de violações do direito internacional humanitário e dos direitos humanos. Seguimos metodicamente uma série de armas letais – que incluem pistolas, caçadeiras e espingardas – que estão a ser utilizadas no Sudão pelas forças beligerantes”, salienta Deprose Muchena, diretor sénior da Amnistia Internacional para o Impacto Regional dos Direitos Humanos.

Deprose Muchena acrescenta: “É claro que o embargo de armas existente, que neste momento se aplica apenas ao Darfur, é totalmente inadequado e deve ser atualizado e alargado para abranger todo o Sudão. Esta é uma crise humanitária que não pode ser ignorada. À medida que a ameaça de fome se aproxima, o mundo não pode continuar a falhar com os civis no Sudão”.

A Amnistia Internacional analisou mais de 1.900 registos de carregamentos de dois fornecedores de dados comerciais diferentes, e reviu provas digitais e de fonte aberta – nomeadamente cerca de 2.000 fotografias e vídeos – que mostram armas recém-fabricadas ou recém-importadas no Sudão. A organização também entrevistou 17 especialistas regionais em armas e com conhecimento do Sudão, entre fevereiro e março de 2024, para corroborar a análise de dados e investigar as linhas de fornecimento de armas utilizadas por vários grupos.

“À medida que a ameaça de fome se aproxima, o mundo não pode continuar a falhar com os civis no Sudão”

Deprose Muchena

Comércio global prejudicial

“O Conselho de Segurança da ONU deve alargar urgentemente o embargo de armas ao resto do Sudão e reforçar os seus mecanismos de controlo e verificação. A expansão deve monitorizar e prevenir eficazmente as transferências internacionais e o desvio ilícito de armas para o país, e deve abranger o maior número possível de armas para combater o desvio generalizado de caçadeiras, espingardas de caça, armas brancas e respectivas munições para o Sudão”, afirma Deprose Muchena.

A Amnistia Internacional identificou armas ligeiras e munições recém-fabricadas ou transferidas de diversos países que estão a ser utilizadas no campo de batalha pelas várias partes do conflito. Os bloqueadores de drones avançados, os morteiros e as espingardas anti materiais fabricados na China têm sido empregues por ambos os lados do conflito. As RSF recorreram a uma série de veículos blindados de transporte de pessoal fabricados nos Emirados Árabes Unidos.

Os dados comerciais relativos às remessas indicam que centenas de milhares de armas vazias foram exportadas por empresas turcas para o Sudão nos últimos anos, juntamente com milhões de cartuchos vazios. A Amnistia Internacional acredita que estas armas podem estar a ser convertidas pelo Sudão em armas letais a grande escala, o que indica a necessidade de uma análise mais atenta deste comércio, em grande parte não regulamentado.

A Amnistia Internacional identificou também uma tendência emergente para que as armas ligeiras, por norma vendidas no mercado civil, sejam desviadas para as forças governamentais e os grupos armados da oposição. Empresas da Turquia e da Rússia exportaram variantes civis de armas ligeiras que são utilizadas por ambas as partes no conflito.

A Amnistia Internacional identificou também uma tendência emergente para que as armas ligeiras, por norma vendidas no mercado civil, sejam desviadas para forças governamentais e grupos armados da oposição

Armas como as espingardas de atirador designado Tigr ou as espingardas Saiga-MK – fabricadas pela empresa russa Kalashnikov Concern – são normalmente comercializadas a proprietários de armas civis, mas têm sido vendidas a negociantes de armas com fortes ligações às SAF.

O principal fabricante de armas ligeiras da Turquia, a Sarsilmaz, fornece as SAF. A análise dos dados comerciais também revelou como empresas turcas mais pequenas – como a Derya Arms, a BRG Defense e a Dağlıoğlu Silah – também têm exportado espingardas e carabinas de caça turcas para o Sudão nos últimos anos.

Por exemplo, um vídeo publicado pelas RSF na sua conta oficial X, alegadamente filmado em Nyala, no Darfur do Sul, a 15 de fevereiro de 2024, mostra um soldado das RSF equipado com uma espingarda BRG 55 fabricada pela empresa turca Burgu Metal. A Amnistia Internacional também descobriu provas de que morteiros chineses de fabrico recente foram utilizados em El-Daein, no Darfur Oriental, e que as armas ligeiras chinesas recentes também estão muito presentes noutras partes do Sudão.

“Ao fornecerem armas ao Sudão, os Estados signatários do Tratado sobre o Comércio de Armas – como a China e a Sérvia – estão a violar as suas obrigações legais à luz dos artigos 6º e 7º do Tratado e, por conseguinte, a minar o quadro juridicamente vinculativo que regula o comércio mundial de armas”, lembra Deprose Muchena.

“Ao fornecerem armas ao Sudão, os Estados signatários do Tratado sobre o Comércio de Armas – como a China e a Sérvia – estão a violar as suas obrigações”

Deprose Muchena

Metodologia

A Amnistia Internacional obteve detalhes sobre mais de 1900 carregamentos de armas de vários países para o Sudão através da análise de dados comerciais ao nível dos carregamentos recolhidos junto de dois fornecedores, abrangendo os períodos 2013-2023 e 2020-2023, respetivamente.

A Amnistia Internacional e o seu Corpo de Verificação Digital corroboraram depois a presença dos sistemas de armas identificados nos dados comerciais através da compilação e análise de um grande número de vídeos e imagens recolhidos em plataformas de redes sociais. As fotografias e os vídeos incluem imagens publicadas pelas RSF ou pelas SAF, bem como conteúdos de operacionais conhecidos das SAF ou de filiais das RSF. Sempre que possível, as provas digitais foram também analisadas e verificadas pelo Crisis Evidence Lab da Amnistia Internacional.

Devido à persistência do conflito, os investigadores da Amnistia Internacional não puderam realizar investigações no Sudão. As conclusões foram apresentadas a todas as empresas e atores citados antes da publicação, tendo-lhes sido dada a oportunidade de responder e fornecer informações adicionais. Sempre que pertinente, foram acrescentados ao relatório elementos dessas respostas.

 

Contexto

Os combates eclodiram no Sudão em abril de 2023 entre as SAF e os paramilitares das RSF. Desde então, outros grupos e agentes armados juntaram-se ao conflito, alinhando quer com as SAF quer com as RSF. Os combates ocorreram após meses de tensões entre os dois grupos sobre as reformas das forças de segurança, propostas no âmbito das negociações para um novo governo de transição, entre outras questões.

O conflito provocou deslocações em massa de civis, estimando-se que mais de 7.3 milhões de pessoas tenham sido forçadas a deslocar-se internamente desde abril de 2023, de acordo com a ONU. Além disso, estima-se que mais 2.1 milhões de pessoas tenham fugido para os países vizinhos República Centro-Africana, Chade, Egito, Etiópia e Sudão do Sul, onde vivem em condições terríveis.

A 15 de abril de 2024, o primeiro aniversário do conflito no Sudão, a Amnistia Internacional lançou uma petição global instando o Conselho de Segurança das Nações Unidas a alargar o embargo de armas existente para além de Darfur ao resto do Sudão. Esta petição faz parte de uma campanha mais vasta da Amnistia Internacional que defende a proteção dos civis no Sudão e apela à responsabilização daqueles que cometeram atrocidades contra civis.

 

Recursos

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