30 Maio 2014

Os trágicos acontecimentos das manifestações de 1989 em Pequim trazem uma recordação especial a Ti-Anna Wang. Nascida naquele mesmo ano, foi-lhe dado o nome em honra dos protestos na Praça Tiananmen.

O pai, Wang Bingzhang, fervoroso ativista pró-democracia, vivia desde o início da década de 1980 no exílio em Montreal, no Canadá, e viajava pelo mundo inteiro fazendo campanha pelos direitos humanos na China. As conversas sobre política e direitos humanos eram assunto familiar para Ti-Anna. A família vivia em segurança, tranquilos com o facto de estarem em Montreal e sem se aperceberem de quão longe podiam chegar os tentáculos dos serviços secretos chineses.

Em 2002, quando Ti-Anna tinha 13 anos, a mãe sentou-se com ela e os dois irmãos mais velhos na sala de estar do apartamento em que moravam. O pai não iria voltar a casa, anunciou-lhes.

Wang Bingzhang (na foto com Ti-Anna e os dois irmãos mais velhos) tinha viajado ao Vietname e, depois de uma reunião com outros ativistas, foi raptado por dois homens que o levaram através da fronteira, até à China.

“Naquela altura não percebi a gravidade da situação. Pensei que se tratava de um enorme mal-entendido e que seria apenas uma questão de tempo até se fazer justiça”, conta Ti-Anna.

Ao fim de seis meses detido sem lhe ser permitido comunicar com ninguém, Wang Bingzhang foi formalmente acusado de espionagem e terrorismo. O julgamento durou um dia, no fim do qual o pai de Ti-Anna foi condenado a prisão perpétua.

Mais de uma década passada, Wang Bingzhang continua a definhar numa cela chinesa. “Pensei mesmo que tinha sido um erro, que eles tinham apanhado a pessoa errada e que não ia tardar até tudo aquilo se resolver e ficar bem. Nunca pensei que isto se arrastaria durante mais de dez anos”, lamenta a jovem.

Um padrão de abusos

Conforme os anos foram passando e a noção de que poderia não voltar a ver o pai livre se tornou clara, Ti-Anna decidiu agir. Começou por contactar outros que, como ela, tinham os pais injustamente presos na China, e o padrão de abusos emergiu perante os seus olhos: a perseguição a ativistas de direitos humanos, as acusações forjadas e os julgamentos injustos – depressa percebeu que os abusos que aconteceram em Tiananmen há muitos anos não eram um assunto do passado.

“Pensei sempre que se não conseguisse libertar o meu pai, a segunda melhor coisa seria garantir que ele saberia que o seu sacrifício não foi em vão. Sinto que é minha responsabilidade continuar a partilhar a história do meu pai porque, de certa forma, sou privilegiada em poder fazê-lo”, explica Ti-Anna.

Desde o rapto de Wang Bingzhang, em 2002, Ti-Anna só pode ver o pai três vezes, na prisão de Shaoguan, numa cidade nos arredores de Hong Kong. Separados por um vidro, puderam ver-se durante trinta minutos em cada uma dessas ocasiões, sempre em salas fortemente vigiadas pelos guardas prisionais.

“Estes últimos dez anos tiveram um impacto muito duro no bem-estar psicológico dele. O meu pai é mantido em solitária a maior parte do tempo e quase não tem nenhuma interação com os outros presos. Ele está profundamente frágil”.

Chegar e partir de Shaoguan

E não bastando estas visitas serem extremamente difíceis, chegar a Shaoguan é em si mesmo um enorme desafio. “Tudo aquilo é extenuante. As visitas são sempre preparadas à pressa porque quando a prisão informa quais são as datas específicas em que é possível visitá-lo já não há quase tempo nenhum para planear as coisas: é preciso pedir o visto, reservar os voos, e tudo isso tem de ser feito contra o tempo. Então chegamos lá e é-nos permitido ficar uns dias e depois voltamos. O mais duro é partir, porque sei que vou voltar para casa em Montreal e deixar o meu pai para trás”, conta a jovem.

Ao fazer 19 anos, Ti-Anna mudara-se para Washington, onde viveu durante um ano tentando pressionar os membros do Congresso norte-americano a exercerem a sua influência sobre as autoridades chinesas de maneira a que o caso do pai fosse revisto. A situação deu aí uma reviravolta, mas para muito pior: as visitas ao pai, já limitadas na altura, foram totalmente suspensas. Ti-Anna está convicta que isto foi uma represália pelo ativismo que exercera nos Estados Unidos.

“Tem sido muito difícil. Às vezes questiono-me se aquilo que estou a fazer não estará a tornar tudo pior, a sensação é de que o caso está a regredir em vez de progredir”, explica.

Apesar de todas estas dificuldades ao longo dos anos, Ti-Anna continua a inspirar-se no exemplo dado pelo pai e pelos ativistas que, há 25 anos, se mostraram corajosos em Tiananmen. Ela recusa-se a perder a esperança: “A última coisa que quero é que o meu pai seja esquecido como os outros milhares de presos políticos na China. Com a captação da atenção internacional, tenho esperança que, pelo menos, ele esteja seguro. Sinto que fazer alguma coisa, mesmo a mais pequena coisa, é melhor do que não fazer nada”.

 

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