22 Junho 2021

A exploração descarada, pela Turquia, das conclusões de um organismo fiscalizador do financiamento do terrorismo e branqueamento de capitais internacionais para apressar uma nova lei, afeta diretamente organizações da sociedade civil. A Amnistia Internacional refere, numa nova nota informativa, que este é um aviso global que tem de ser desafiado. A publicação precede a reunião de revisão anual da Financial Action Task Force (Grupo de Missão de Ação Financeira, FATF), entre 21 e 25 de junho.

“Usando o contraterrorismo como arma: A exploração pela Turquia da avaliação do financiamento do terrorismo para visar a sociedade civil” – em inglêsWeaponizing counter-terrorism: Turkey’s exploitation of terrorism financing assessment to target civil society” – revela como uma nova lei, adotada a pretexto de combater o terrorismo, ameaça minar o trabalho legítimo de organizações da sociedade civil. A Lei nº 7262 sobre a Prevenção do Financiamento da Proliferação de Armas de Destruição Maciça introduz novas medidas, que violam os direitos à liberdade de associação e expressão, bem como as garantias, internacionalmente reconhecidas, de um julgamento justo.

“Esta estranha lei, apressada sob o pretexto de combater o terrorismo, é uma tentativa mal disfarçada de aumentar a pressão sobre um setor já em sofrimento, com mais de cinco anos de uma repressão incessante”, mencionou o diretor para a Europa da Amnistia Internacional, Nils Muižnieks.

“A nova lei junta-se ao arsenal de leis contra terrorismo da Turquia, muitas das quais são regularmente usadas para visar defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil, incluindo a Amnistia Internacional. Ameaçam agravar a pressão sobre os ativistas da sociedade civil, que já enfrentam processos e condenações com base em acusações falsas de terrorismo.”

“Esta estranha lei, apressada sob o pretexto de combater o terrorismo, é uma tentativa mal disfarçada de aumentar a pressão sobre um setor já em sofrimento, com mais de cinco anos de uma repressão incessante”

Nils Muižnieks, diretor para a Europa da Amnistia Internacional

Durante a sua próxima Reunião Plenária, a FATF irá rever o cumprimento, pela Turquia, da avaliação de 2019 do grupo de trabalho, que considerou que a Turquia apenas “cumpria parcialmente” a recomendação da FATF sobre o financiamento do terrorismo e potenciais riscos associados ao setor sem fins lucrativos.

A FATF recomendou à Turquia que “implemente uma abordagem centrada no risco e que proporcione medidas de mitigação a organizações sem fins lucrativos identificadas como estando em risco de abuso do financiamento do terrorismo”.

Em resposta, as autoridades turcas apressaram, no parlamento, a nova lei, que entrou em vigor a 31 de dezembro de 2020, sem qualquer consulta junto da sociedade civil.

A lei vai muito além do que é requerido pela FATF, e as suas provisões, excessivamente amplas e vagas, minam o princípio da legalidade, de uma forma que ameaça aprofundar a erosão do exercício dos direitos a liberdade de associação e expressão, e uma série de outros direitos humanos.

As muitas ambiguidades na nova lei deixam, em aberto, a sua utilização indevida contra organizações da sociedade civil, incluindo aquelas que se dedicam à defesa e promoção de direitos humanos. A FATF estabelece uma avaliação de riscos para os Estados aplicarem no setor sem fins lucrativos, de modo a identificar riscos associados ao financiamento do terrorismo, e implementar medidas de mitigação quando necessárias. No entanto, a nova lei na Turquia sujeita todas as organizações sem fins lucrativos às mesmas medidas de mitigação de riscos desproporcionadas, nomeadamente organizações sem risco de vulnerabilidade ao envolvimento no financiamento do terrorismo. Impõe pesadas auditorias a todas as organizações sem fins lucrativos e insere provisões que impediriam todas as atividades de angariação de fundos online, sem uma justificação fundamentada num risco efetivo.

A lei surge no contexto da ofensiva em curso das autoridades turcas contra atores independentes da sociedade civil. A contínua perseguição de Osman Kavala, destacada figura da sociedade civil que se encontra detido, e a condenação de Taner Kılıç, presidente honorário da secção da Amnistia Internacional na Turquia, e de três outros defensores dos direitos humanos, no processo Büyükada, são casos emblemáticos da determinação das autoridades turcas em reprimir a sociedade civil. Os casos expõem como as medidas de contra terrorismo na Turquia foram usadas como arma contra opositores políticos, jornalistas, defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil.

“O uso de requerimentos da FATF como uma cortina de fumo para atingir críticos e silenciar a dissidência estabelece um perigoso precedente, que será analisado e visto com interesse por muitos outros governos que, em todo o mundo, procuram silenciar a sua própria população crítica”

Nils Muižnieks

O receio de ser classificado como “terrorista” ou de ver o seu trabalho legítimo caraterizado como uma “ameaça de segurança” teve um efeito dissuasor, diminuindo o espaço para a livre expressão e associação. Ao longo do estado de emergência, em vigor entre 2016 e 2018, mais de 1300 associações e fundações, e mais de 180 órgãos de comunicação, foram continuamente encerrados pelos decretos executivos por ligações não especificadas a organizações “terroristas”.

“O uso de requerimentos da FATF como uma cortina de fumo para atingir críticos e silenciar a dissidência estabelece um perigoso precedente, que será analisado e visto com interesse por muitos outros governos que, em todo o mundo, procuram silenciar a sua própria população crítica”, afirma Nils Muižnieks.

“A reunião da FATF, na próxima semana, deve fazer mais do que reconhecer estas consequências involuntárias, e tomar ações concretas para as reverter. Não o fazer seria uma abdicação de responsabilidade que poderia significar um desastre para a sociedade civil na Turquia e, posteriormente, noutros locais”.

 

CONTEXTO

A FATF é uma organização intergovernamental mandatada para combater o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e a luta contra o financiamento da proliferação de armas de destruição maciça.

Em fevereiro de 2021, a FATF lançou um novo projeto para estudar e mitigar as consequências não intencionais, resultantes da implementação incorreta das recomendações e padrões da FATF por parte dos Estados. As áreas em foco incluem a supressão de organizações sem fins lucrativos através do fracasso dos Estados em implementar a abordagem fundamentada em riscos da FATF, e ameaças aos direitos humanos, decorrentes da utilização indevida dos seus padrões.

Segundo a Global NPO Coalition on FATF (Coligação Global de organizações sem fins lucrativos sobre a FATF) – que monitoriza países que impuseram restrições indevidas à liberdade de associação, sustentadas em preocupações com o financiamento de terrorismo – a Albânia, o Bangladesh, o Camboja, o Paquistão, o Sri Lanka e a Venezuela também usaram os padrões da FATF para atingir a sociedade civil.

 

Recursos

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