23 Março 2022

A cidade de Izium, na região de Kharkiv (leste da Ucrânia), tem sido bombardeada sem cessar pelas forças russas, colocando os civis que nela resistem cada vez mais perto de um desastre humanitário, de acordo com novos testemunhos recolhidos pela Amnistia Internacional.

Os seus residentes têm estado numa situação de cerco constante desde 28 de fevereiro, e alertaram que a escassez crescente de comida e água os tem conduzido a um ponto de rotura, enquanto permanecem escondidos nas suas caves.

Entre 9 e 12 de março, a Amnistia Internacional entrevistou 26 residentes de Izium, imediatamente após a sua evacuação para Svyatohirsk, uma cidade na região de Donetsk que continua a ser maioritariamente controlada pelas forças ucranianas, apesar de estar sob incessantes ataques russos.

“Dezenas de pequenas cidades e aldeias na Ucrânia enfrentam ataques contínuos, com os seus desesperados habitantes a serem apanhados em fogo cruzado ou cercados por forças russas”, observou Marie Struthers, diretora para a Europa Oriental e Ásia Central na Amnistia Internacional.

“Os testemunhos que recolhemos de Izium revelam o terror vivido pela população civil da cidade, aprisionada nas suas caves sem ter quase alimentos e água, debaixo de ataques persistentes. Izium e outras cidades na linha de frente necessitam, com urgência, de corredores humanitários que assegurem a saída segura dos civis que desejem partir, e a entrega de abastecimentos humanitários aos que ficam na cidade.”

“Os testemunhos que recolhemos de Izium revelam o terror vivido pela população civil da cidade, aprisionada nas suas caves sem ter quase alimentos e água, debaixo de ataques persistentes”

Marie Struthers

Os primeiros relatos de ataques militares russos em Izium surgiram a 28 de fevereiro. No entanto, desde 3 de março, a cidade tem sido repetidamente alvo de ataques de mísseis.

Em consequência dos ataques, a maioria das áreas residenciais da cidade está sem eletricidade, gás, aquecimento e comunicações móveis. De acordo com o gabinete do Procurador-geral ucraniano, oito civis, entre os quais duas crianças, foram mortos nos ataques de 3 de março, que provocaram ainda estragos significativos no hospital central da cidade. Desde então, já foram registadas mais vítimas.

 

‘Estava tudo a arder’

As pessoas entrevistadas partilharam à Amnistia Internacional que as forças russas perpetraram ataques que mataram e feriram civis, destruindo e/ou danificando infraestruturas civis, como edifícios residenciais, escolas, jardins de infância, áreas hospitalares e lojas de conveniência. Alguns dos ataques parecem ter sido indiscriminados e ilícitos.

Imagens de satélite de 12 de março, analisadas pela Amnistia Internacional, revelaram crateras e estragos perto de locais assinalados em mapas urbanos de acesso livre como escolas e hospitais.

Svitlana, deslocada interna com 72 anos, tem vivido em Izium desde que se mudou de Donetsk, sob controlo de grupos armados com apoio russo desde 2014, e referiu à Amnistia Internacional: “Quando começaram a bombardear-nos, a 3 ou 4 de março, já não podíamos sair à rua. Durante o dia e a noite, disparavam mísseis. Se isto continuar por mais alguns dias, será o fim destas pessoas e da sua cidade”.

Desde o início dos ataques que vários mercados foram encerrados ou destruídos em Izium, por isso a população tem estado completamente dependente de ajuda humanitária e dos abastecimentos alimentares pessoais. O acesso a eletricidade, gás, aquecimento e a qualquer forma de comunicação foi cortado, faltando ainda saneamento e mesmo água.

Tetyana, que esteve num refúgio na cidade com o seu bebé de cinco meses, relatou: “Quando estávamos a fugir, sobravam três garrafões de cinco litros para 55 pessoas. Não sei como é que elas vão sobreviver.”

“Quando estávamos a fugir, sobravam três garrafões de cinco litros para 55 pessoas. Não sei como é que elas vão sobreviver”

Tetyana, habitante de Izium

Ocasionalmente, chegou ajuda humanitária e pão à cidade. No entanto, devido à elevada escassez e à ausência prolongada de comunicações, a ajuda só alcançou alguns civis, principalmente os que se escondiam em abrigos maiores, frequentemente localizados em escolas.

Várias pessoas entrevistas relataram à Amnistia Internacional que, quem prosseguia nas casas familiares individuais, em bairros residenciais, estava com dificuldade em aceder a comida, já que os seus bairros se encontravam entre os mais danificados, e a maior parte das casas não tinha cave, ou tinha apenas uma cave muito pequena para procurar segurança.

“Passámos seis dias na adega. É muito pequena, temos de ficar em pé, é impossível deitarmo-nos”

Natalia, habitante de Izium

Natalia, residente de uma casa particular, confirmou: “Passámos seis dias na adega. É muito pequena, temos de ficar em pé, é impossível deitarmo-nos. Assim que existia uma pausa nos bombardeamentos, saíamos rapidamente e procurávamos alguns ovos das galinhas. O meu filho tinha muita fome, porque quase não comíamos. Tudo o que tínhamos eram sobras de pão seco, maçãs da adega, picles enlatados e compota. Não conseguíamos comprar qualquer outra comida em nenhum lado, não podíamos deixar a nossa casa. Estava tudo a arder.”

“Não conseguíamos comprar qualquer outra comida em nenhum lado, não podíamos deixar a nossa casa. Estava tudo a arder”

Natalia, habitante de Izium

Dois entrevistados revelaram terem sido apanhados em fogo cruzado, enquanto uma batalha tinha lugar numa área urbana bastante povoada na cidade. Um deles declarou que vários combatentes ucranianos – que seriam considerados alvos legítimos de ataque à luz das leis da guerra – estavam escondidos num dos apartamentos do seu edifício, que foi atacado. Outros residentes de Izium partilharam também à Amnistia Internacional que não existiam bases militares ou outros alvos militares na proximidade dos seus bairros bombardeados.

 

Corredores humanitários urgentemente necessários

A 9 de março, de acordo com fontes locais, ataques constantes e fogo cruzado fizeram com que as autoridades locais apenas conseguissem retirar 250 pessoas da cidade, em vez das 5.000 inicialmente planeadas. No dia seguinte, mais 2.000 pessoas conseguiram sair. Autoridades locais, voluntários e ativistas locais recorreram a carros particulares para transportar civis. Muitos deles, principalmente pessoas idosas e pessoas com deficiências, optaram por ficar na cidade ou não conseguiram sair.

Muitos civis, principalmente pessoas idosas e pessoas com deficiências, optaram por ficar na cidade ou não conseguiram sair.

O Direito Internacional Humanitário proíbe ataques deliberados contra pessoas e edifícios civis, bem como ataques indiscriminados e desproporcionados. As forças russas devem tomar todas as precauções para poupar a população e os edifícios civis.

As forças ucranianas também devem adotar todas as medidas para proteger a população e os edifícios civis sob o seu controlo. Em particular, devem evitar operar a partir de bairros civis, já que isso pode atrair ataques que coloquem os habitantes em risco e destruam edifícios civis.

A Amnistia Internacional apelou anteriormente para que civis cujas casas foram destruídas, e outros que temem pelas suas vidas possam ter assegurado o acesso a corredores humanitários seguros. A Amnistia Internacional considera a invasão russa da Ucrânia como sendo um ato de agressão.

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