8 Janeiro 2015

O há muito esperado pagamento de indemnização pela gigante petrolífera Shell à comunidade nigeriana devastada pelos derrames no Delta do Níger constitui uma importante vitória para as vítimas da negligência empresarial, consideram, em comunicado, a Amnistia Internacional e a organização local Centro para o Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento.

Seis anos depois dos dois derrames de petróleo terem destruído os meios de subsistência na região de Bodo, processos legais no Reino Unido levaram a Shell a pagar finalmente a compensação de 55 milhões de libras (cerca de 70.1 milhões de euros) que fora firmada em acordo extrajudicial para compensar a comunidade afetada. Esta indemnização contempla o total de 35 milhões de libras a serem divididas por 15.600 pessoas e ainda 20 milhões de libras atribuídas em conjunto a toda a comunidade.

“Apesar de este pagamento ser um triunfo esperado há muito tempo para os milhares de pessoas que perderam os seus meios de subsistência em Bodo, não deveria ter demorado seis anos a obter-se algo próximo de uma indeminização justa”, sublinha a diretora da Amnistia Internacional para os Assuntos Globais, Audrey Gaughran.

A perita nota ainda que “a Shell sabia que o acidente em Bodo estava para acontecer”. “Porém, [a empresa] nada fez para o evitar: E depois fez declarações falsas sobre a quantidade de petróleo derramado. Se a Shell não tivesse sido obrigada a revelar esta informação no âmbito da ação legal no Reino Unido, a população de Bodo teria sido totalmente enganada”, explica.

Tanta demora teve os seus custos para os habitantes da região, muitos dos quais ficaram com os meios de subsistência na pesca e na agricultura destruídos pelo derrame. Ao longo de todos estes anos tiveram de viver com a poluição e, sem nenhuma compensação, há muitos que enfrentam situações de pobreza opressiva.

“O pagamento de indemnização é um passo na direção da justiça para as pessoas de Bodo, mas a justiça só será alcançada por completo quando a Shell limpar devidamente os riachos e pantanais que ficaram profundamente poluídos, para que aqueles que dependem da pesca e do cultivo das terras para a sua subsistência possam começar a reconstruir a suas vidas”, avança, por seu lado, o diretor de Programas da organização nigeriana Centro para o Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento, Styvn Obodoekwe.

Christian Kpandei, pastor de uma congregação em Bodo e pescador, cuja aquacultura ficou destruída no derrame, conta estar “muito feliz por a Shell ter, finalmente, assumido a responsabilidade pelos seus atos”. “Quero agradecer aos advogados por terem obrigado a Shell a dar este passo sem precedentes”, avançou.

Petrolífera escondeu informações sobre a extensão dos derrames

Bodo, no Delta do Níger, foi afetado por dois derrames de petróleo em 2008: o primeiro em agosto e o segundo em dezembro. A Amnistia Internacional e o Centro para o Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento têm trabalhado este caso desde então, disponibilizando apoio à população local para obter indemnização e limpeza da poluição que se espalhou pela região.

Em 2011, os habitantes de Bodo, representados pela empresa de advogados britânica Leigh Day, deram início a uma demanda judicial no Reino Unido contra a Shell na Nigéria.

A gigante petrolífera reconheceu sempre que os dois derrames de 2008 em Bodo se deveram a falhas nos oleodutos da empresa naquela região, mas também manteve publicamente – e repetidamente – que a quantidade de petróleo derramado foi no total equivalente a cerca de quatro mil barris, apesar de o fluxo se ter mantido ao longo de várias semanas.

Em 2012, a Amnistia Internacional, com base numa avaliação independente de imagens de vídeo mostrando o primeiro dos derrames, calculou que o total de petróleo que se escoou foi de mais de cem mil barris. Durante o processo legal no Reino Unido, a Shell teve de admitir por fim que os números que divulgara estavam errados e que subestimara a quantidade de petróleo derramado em ambas as ocasiões. Mesmo assim e até à data a empresa não confirmou publicamente quanto petróleo foi realmente derramado dos oleodutos em Bodo.

Oleodutos envelhecidos e em deterioração

A Shell – que é responsável por derrames de petróleo dos seus oleodutos todos os anos – foi ainda obrigada a revelar que tinha conhecimento, pelo menos desde 2002, que a maioria dos oleodutos naquela região eram antigos e que algumas seções apresentavam “elevado risco de acidente”. Num documento de 2002, a empresa admitia que era necessária a substituição total de alguns oleodutos devido ao estado de extensa corrosão que os mesmos apresentavam.

De acordo com os dados apurados pela Amnistia Internacional e pelo Centro para o Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento, a Shell nada fez apesar de estar na posse daquela informação anos antes dos derrames de Bodo. Um email interno da empresa datado de 2009 revela que a gigante petrolífera sabia mesmo que a situação fora exposta devido aos derrames ocorridos em Ogoniland, a região onde se localiza Bodo – neste email era afirmado que “os oleodutos em Ogoniland não receberam a manutenção devida nem a sua integridade foi avaliada durante mais de 15 anos”.

Milhares de pessoas continuam em risco de futuros derrames de petróleo, em resultado direto da negligência da Shell em resolver os problemas de envelhecimento e deterioração dos oleodutos. A empresa continua publicamente a culpar “atividade ilegal” no Delta do Níger pela poluição petrolífera, mas estas reivindicações foram já totalmente desacreditadas pelas investigações conduzidas pela Amnistia Internacional e pelo Centro para o Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento.

“A poluição petrolífera no Delta do Níger é um dos maiores escândalos empresariais do nosso tempo. A Shell tem de pagar as compensações devidas, limpar tudo e garantir que os oleodutos são seguros, em vez de se empenhar em manobras manhosas de relações públicas para evitar assumir as suas responsabilidades”, remata Audrey Gaughran.

 

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