8 Outubro 2015

 

O Governo húngaro investiu mais de 100 milhões de euros em cercas de arame farpado e controlos de fronteira para manter refugiados e migrantes do lado de fora, o que é o triplo do valor gasto pelo país no acolhimento de requerentes de asilo, apura a Amnistia Internacional em novo relatório, com a recomendação de que a União Europeia avise formalmente aquele Estado-membro sobre as violações que tem vindo a cometer na atual crise de refugiados no espaço europeu.

O novo relatório da organização de direitos humanos – intitulado “Fenced Out: Hungary’s violations of the rights of refugees and migrants” (Barrados à entrada: As violações dos direitos de refugiados e migrantes pela Hungria) e publicado esta quinta-feira, 8 de outubro – detalha como as medidas draconianas adotadas pela Hungria para controlar as suas fronteiras têm violado repetidamente a lei internacional.

A Amnistia Internacional insta a União Europeia (UE), cujos ministros da Administração Interna se reúnem este dia 8 de outubro no Luxemburgo para discutir a crise de refugiados, a chamar a Hungria às suas responsabilidades pelos falhanços em direitos humanos cometidos e a proteger as pessoas em movimento através da criação de rotas seguras e legais antes da chegada do inverno.

“A Hungria está a apenas uns quantos rolos de arame farpado de selar totalmente as fronteiras com a Croácia e a Sérvia. Mesmo aqueles que conseguem enfiar-se pelas brechas são, é quase certo, mandados de volta para os países de trânsito nos Balcãs”, descreve o diretor da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, John Dalhuisen.

O perito critica o facto de “a Hungria se estar a transformar numa zona sem refugiados, em total desrespeito das suas obrigações de direitos humanos e da necessidade óbvia de trabalhar junto com os outros membros da UE e com os países dos Balcãs para encontrar soluções coletivas e humanas para a atual crise”.

A combinação das medidas de construção de cercas fronteiriças de arame farpado e de criminalizar aqueles que as tentam passar e entrar irregularmente no país, além das de apressadamente forçar estas pessoas a voltarem aos países de trânsito nos Balcãs, tem o propósito de isolar a Hungria da crise global e europeia de refugiados. E isto é feito a custo do respeito pelos direitos humanos.

UE pode ativar mecanismo de riscos de violação dos direitos humanos

Neste contexto, a Amnistia Internacional insta os Estados-membros e as instituições da UE a agirem para evitar uma maior escalada de violações de direitos humanos na Hungria, ativando o mecanismo preventivo que está previsto no artigo 7-1 do Tratado da União Europeia. Este mecanismo permite ao Conselho Europeu emitir um aviso aos Estados-membros em casos em que se verifique “um claro risco de uma violação” do respeito pelo Estado de direito e dos direitos humanos.

“A UE tem o poder de lançar discussões formais com a Hungria sobre o tratamento chocante que o país está a dar a refugiados e migrantes, e a passar uma mensagem clara de que ‘já chega’ aos Estados que desprezem as leis internacionais e da União Europeia. A UE tem de fazer isto antes que seja tarde demais”, sublinha por seu lado a diretora interina do Gabinete de Instituições Europeias da Amnistia Internacional, Iverna McGowan.

Esta perita lembra que “o exame da situação de direitos humanos na Hungria tem sido repetidamente negligenciado, com os Estados-membros e as instituições [europeias] a passarem a bola de uns para os outros sobre quem é em última análise responsável por fazer valer os direitos humanos na UE”. “E esta falha tem de ser urgentemente resolvida com uma resposta forte às violações de direitos humanos cometidas dada tanto pelos Estados-membros como pelas instituições”, insta.

A Amnistia Internacional recolheu testemunhos e fez observações no terreno ao longo de extensas investigações na Hungria em setembro. Os investigadores da organização de direitos humanos examinaram o tratamento dado pela polícia a refugiados e migrantes, assim como as condições existentes nos centros de receção e ainda a aplicação das novas restrições no acesso a asilo no país.

O Parlamento húngaro tem vindo a apressar a aprovação de novas leis que resultam numa resposta agressiva, em que se inclui “fortificar” as fronteiras com soldados e polícias autorizados a usarem balas de borracha, granadas de gás lacrimogéneo e engenhos pirotécnicos. Veículos armados dotados de metralhadoras e soldados armados com equipamento das Forças Especiais foram posicionados ao longo da fronteira da Hungria com a Croácia.

Vários testemunhos colhidos no terreno revelam o recurso repetido ao uso de força excessiva por parte das autoridades húngaras.

Hiba, requerente de asilo oriunda do Iraque, de 32 anos, sofreu ferimentos graves numa coxa ao ser empurrada por um agente da polícia húngara contra uma parede numa estação de comboios em Budapeste. “Tenho estado a viver há meses na incerteza e em tensão”, contou esta mulher, que se encontra atualmente na Alemanha. “Agora aguardamos uma decisão aos nossos requerimentos de asilo, mas as pessoas [outros em situação similar] dizem-nos que o nosso pedido pode ser rejeitado e sermos enviados de regresso à Hungria e daí para o Iraque. Mas não podemos voltar a Tikrit, não é seguro lá”, lamenta.

Uma série de outras novas leis permitem que a Hungria coloque a Sérvia numa lista de países de trânsito e de origem considerados seguros, aos quais os requerentes de asilo são agora devolvidos, sem respeito pelos graves obstáculos que enfrentam no acesso à proteção nesses territórios. Refugiados e requerentes de asilo que entrem irregularmente na Hungria também são visados com acusações criminais, numa flagrante violação da legislação internacional de direitos humanos.

“Tratam-nos pior do que a animais”

Neste relatório é detalhada a deplorável resposta humanitária dada pelas autoridades húngaras, com uma falta total de estruturas e instalações adequadas de receção. Face a ausência de bens essenciais como alimentos e tendas, refugiados e requerentes de asilo encheram as principais estações de comboios de Budapeste – Keleti, Nyugatu e Deli – e têm de confiar no apoio que lhes é dado largamente por voluntários e através de donativos.

“Quero começar uma nova vida em paz… Tratam-nos como a animais, pior do que a animais”, contou Dina, uma mulher síria de 46 anos que foi detida pela polícia húngara e mantida 16 horas sem lhe ser dada água nem refeições. “Isto faz com que não queiramos estar aqui. Sentimos que não somos bem-vindos”, desabafou.

O relatório “Fenced Out” destaca ainda a disparidade enorme que existe entre o volume de gastos governamentais em medidas anti-imigração e o que é alocado ao processamento de requerimentos de asilo. Uns 98 milhões de euros foram canalizados para construir a cerca de separação entre a Hungria e a Sérvia, o que são pelo menos três vezes mais dinheiro do que os 27,5 milhões do orçamento do Gabinete de Imigração e Nacionalidade para 2015.

Já este ano, no âmbito de uma consulta nacional sobre imigração e terrorismo, que custou 3,2 milhões de euros, o Governo húngaro perguntou aos mais de oito milhões de cidadãos do país se acham que, por exemplo, pessoas que atravessam a fronteira de forma irregular devem ser detidas por períodos superiores a 24 horas. O Governo da Hungria investiu ainda mais 1,3 milhões de euros numa campanha de cartazes com mensagens xenófobas como “Se vier para a Hungria, não venha para tirar o trabalho aos húngaros”.

“O custo destas repugnantes operações anti refugiados é assombroso e feito em detrimento dos direitos, saúde e bem-estar de milhares de pessoas. Esse dinheiro seria muito mais bem investido a salvar vidas e a melhorar o futuro das pessoas. É mais do que chegada a hora para todos os Estados-membros da UE investirem urgentemente numa solução coordenada e com compaixão”, remata John Dalhuisen.

 

A Amnistia Internacional insta os países europeus a darem uma resposta coordenada e eficaz à crise de refugiados, assegurando que estas pessoas chegam ao território da Europa em segurança e que são recebidas com dignidade. De olhos postos nas próximas e importantes reuniões sobre refugiados no seio da União Europeia, com momento decisivo na cimeira de 15 de outubro, assine a petição em que se pede ao Governo português que tenha as necessidades e os interesses dos refugiados no topo das prioridades da agenda política e ajude a abrir a “Fortaleza Europa”.

 

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