- A Amnistia Internacional e outras dez organizações signatárias apelam às autoridades venezuelanas para que se abstenham de criminalizar os protestos
- Organizações exigem que as autoridades garantam o direito de protesto e o pleno respeito pelos direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade
- Autoridades devem evitar o uso de discursos que encorajem e incitem à violência contra pessoas que exercem o seu direito legítimo de se manifestarem
No contexto dos protestos pós-eleitorais na Venezuela e do documentado uso desproporcional da força pelas forças de segurança venezuelanas, nós, as organizações abaixo-assinadas, exigimos o respeito e a garantia do direito à liberdade de expressão, reunião e protesto pacífico. Apelamos às autoridades para que se abstenham de criminalizar os protestos e para que cumpram plenamente os padrões e normas internacionais sobre o uso de força.
Os protestos na Venezuela ocorrem num contexto após as eleições presidenciais realizadas no passado domingo, 28 de julho de 2024, cuja transparência foi fortemente questionada pela comunidade internacional. O Centro Carter, uma das duas missões internacionais de observação técnica convidadas e acreditadas pelo próprio Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, declarou que “as eleições presidenciais de 2024 na Venezuela não cumpriram as normas internacionais de integridade eleitoral e não podem ser consideradas democráticas”.
As autoridades estatais e as forças de segurança pública devem respeitar o direito de protesto, cuja proteção é um elemento essencial nas democracias e um instrumento histórico de reivindicação de direitos. É também uma forma de os cidadãos participarem em assuntos de interesse público. Da mesma forma, as autoridades devem evitar o uso de discursos que encorajem e incitem à violência contra as pessoas que exercem o seu direito legítimo de participar em manifestações pacíficas, bem como evitar a estigmatização das organizações da sociedade civil.
“As autoridades estatais e as forças de segurança pública devem respeitar o direito de protesto, cuja proteção é um elemento essencial nas democracias”
Após as eleições e até à publicação desta declaração, as organizações nacionais registaram pelo menos onze mortes e identificaram o uso de armas letais por parte de alegados civis armados ligados às forças de segurança e à eventual força pública. As organizações abaixo-assinadas condenam o uso deste armamento e recordam que, em caso algum, a força letal pode ser utilizada para controlar manifestações. De acordo com as normas internacionais, a privação do direito à vida no contexto do uso da força pelo Estado seria arbitrária e, em alguns casos, uma execução extrajudicial. Estes factos devem ser investigados de forma rápida, independente e imparcial e com a devida diligência.
Assim, o contexto pré-eleitoral e pós-eleitoral na Venezuela tem sido marcado pela repressão e por múltiplas violações dos direitos humanos, incluindo um grave padrão de detenções com motivações políticas, mortes potencialmente ilegais, restrições à liberdade de imprensa e o corte da Internet. Estamos particularmente preocupados com as centenas de detenções arbitrárias após o dia 28 de julho, documentadas por organizações nacionais, que continuam a receber informações de novos casos e a realizar este trabalho de documentação num contexto extremamente adverso.
Além disso, estamos particularmente alarmadas com a criminalização dos protestos e, em particular, com as declarações do Procurador-Geral Tarek William Saab, que informou a comunicação social de que mais de 749 pessoas foram presas em ligação com os protestos. Estas pessoas estão a ser acusadas de “atos violentos” e serão acusadas de crimes como instigação pública, obstrução de vias públicas, instigação ao ódio, resistência à autoridade e, nos casos mais graves, terrorismo. Além disso, serão condenadas a penas de prisão.
“O Estado da Venezuela está obrigado a respeitar e a proteger, sem discriminação, os direitos de todos os manifestantes”
Recordamos que o Estado da Venezuela está obrigado, nos termos do artigo 68.º da sua Constituição e do direito internacional, a respeitar e a proteger, sem discriminação, os direitos de todos os manifestantes, bem como dos observadores dos protestos, dos transeuntes e dos jornalistas. O uso da força constitui uma violação desta obrigação se não estiver em conformidade com as normas internacionais, nomeadamente os princípios da legalidade, da necessidade, da proporcionalidade, da precaução, da não discriminação e da responsabilidade. As autoridades venezuelanas têm a obrigação de reduzir a escalada dos conflitos, de recorrer a meios não violentos, de utilizar a força de forma progressiva e diferenciada e de respeitar o direito de participação política através do processo eleitoral.
Tendo em conta os cortes de acesso à Internet documentados no contexto eleitoral, recordamos que o acesso à Internet está intimamente relacionado com o direito de protesto, uma vez que permite denunciar abusos, comunicar em tempo real e organizar-se pacificamente. Os bloqueios da Internet afetam a liberdade de expressão e o acesso à informação, essenciais para a democracia e o pluralismo. As restrições ao acesso à Internet durante contextos de protesto são normalmente utilizadas como forma de repressão e controlo para limitar a capacidade da população para se mobilizar e exercer livremente os seus direitos dentro e fora do espaço digital.
É fundamental que todas as pessoas possam exercer livremente o seu direito à liberdade de expressão, reunião e associação sem temer pela sua integridade física e pela sua vida. Além disso, as autoridades venezuelanas devem garantir que ninguém seja processado ou privado de liberdade por exercer pacificamente os seus direitos.
“É fundamental que todas as pessoas possam exercer livremente o seu direito à liberdade de expressão, reunião e associação sem temer pela sua integridade física e pela sua vida”
Por último, apelamos à comunidade internacional para que exija o respeito pelos direitos civis e políticos das pessoas na Venezuela. Convidamos igualmente os mecanismos de justiça internacional a permanecerem atentos a possíveis violações graves dos direitos humanos no contexto dos protestos que têm vindo a ter lugar desde 28 de julho e a incluírem a documentação desses crimes internacionais nos mecanismos de justiça internacional em curso, como a Missão de Averiguação das Nações Unidas ou o Tribunal Penal Internacional.
Organizações signatárias
- Amnistia Internacional
- Center for Justice and International Law (CEJIL)
- CIVICUS
- International Commission of Jurists
- Freedom House
- Global Centre for the Responsibility to Protect
- International Institute on Race, Equality and Human Rights
- International Rehabilitation Council for Torture Victims (IRCT)
- Washington Office on Latin America (WOLA)
- World Organization Against Torture (OMCT)
- Robert F. Kennedy Human Rights