23 Dezembro 2014

Os vereditos de culpa e duras sentenças emitidas aos 57 arguidos acusados de participarem num ataque armado na república russa de Kabardino-Balkaria, no Norte do Cáucaso, em 2005, constituem um enorme erro de justiça, sustenta a Amnistia Internacional. Todos os arguidos estiveram detidos durante nove anos em condições deploráveis, com os seus testemunhos arrancados sob tortura e admitidos como prova válida em tribunal.

Cinco destas pessoas foram condenadas a pena perpétua e as outras viram ser-lhes pronunciadas sentenças entre os quatro e os 23 anos de prisão. O caso reporta ao ataque cometido por um grupo de homens armados na capital de Kabardino-Balkaria, Naltchik, a 13 de outubro de 2005, em que morreram 12 civis e 35 polícias, além de 95 dos atacantes.

“Este é um daqueles casos clássicos de injustiça criminal, em que as autoridades se recusaram claramente a investigar as alegações de tortura feitas, apesar das provas esmagadoras apresentadas, e no qual os arguidos definharam ao longo de nove anos em detenção pré-julgamento – tudo numa violação flagrante da lei internacional”, frisa o diretor do gabinete da Amnistia Internacional em Moscovo, Serguei Nikitin. “O julgamento não deveria jamais ter continuado até que as denúncias de tortura tivessem sido devidamente investigadas”, defende.

Um destes 57 arguidos é Rasul Kudaev (na foto, ativistas da Amnistia Internacional seguram fotografias de Kudaev e da jornalista russa assassinada Anna Politkovskaia). Kudaev esteve detido na prisão norte-americana de Guantánamo, de onde foi libertado em 2004 sem quaisquer acusações formuladas contra ele. Após regressar à Rússia foi detido quando se encontrava em casa, a 23 de outubro de 2005, sob suspeita de ter participado no ataque em Naltchik. Segundo seus familiares, Rasul Kudaev foi espancado sob detenção. É um dos cinco que neste caso receberam pena perpétua.

Há provas consistentes do espancamento e maus-tratos a que foi submetido, incluindo fotos dos ferimentos e da forma como ficou desfigurado nos primeiros tempos da sua detenção na Rússia. A Amnistia Internacional tem feito uma campanha incansável para que se realize uma investigação ao caso de Kudaev, mas as autoridades russas escolheram ignorar todas as provas.

Durante o julgamento, vários testemunhos apresentados pelos advogados de defesa em tribunal confirmaram que Rasul Kudaev não podia ter estado presente no ataque. Testemunhas que fizeram declarações iniciais contra o arguido tentaram retratar-se em tribunal e denunciaram mesmo que tinham sido forçadas a prestar testemunhos falsos.

Os advogados de Kudaev foram intimidados ao longo de toda a investigação e de todo o julgamento e vários deles obrigados a abandonar o caso. Um dos juristas recebeu mensagens no telemóvel, de um anónimo, com ameaças de morte, e sofreu um acidente rodoviário que envolveu a polícia, em dezembro de 2011, no qual ficou gravemente ferido.

“O caso de Kudaev ilustra com clareza a injustiça do julgamento a que foram sujeitos os arguidos neste caso. E expõe o deplorável estado em que se encontra o sistema de justiça criminal na Rússia e a impunidade de que gozam os agentes da polícia e das forças de segurança suspeitos de cometerem graves violações de direitos humanos”, avança Serguei Nikitin.

Rasul Kudaev sofre de distúrbios cardíacos e hepáticos graves, de acordo com vários testemunhos. Tem também dificuldade em andar devido a uma bala alojada na coluna em resultado de um tiro sofrido quando foi detido no Afeganistão, além de sofrer de hipertensão, uma condição clínica que se declarou no período em que esteve preso em Guantánamo.

“As autoridades russas têm ignorado consistentemente a necessidade de prestar tratamento médico adequado a Kudaev, assim como a todos os outros detidos que precisam dessa assistência. A Amnistia Internacional tem chamado a atenção das autoridades repetidamente para estas questões, mas os nossos apelos são ignorados”, relata o diretor do gabinete de Moscovo.

Serguei Nikitin explica ainda que “as autoridades russas têm usado todos os truques possíveis e imagináveis para negar justiça aos arguidos neste caso histórico”. “Parece também que adiaram a pronúncia do veredito até estes dias mesmo antes do Natal, na tentativa de que passasse despercebida. Este caso põe a nu os horrores do sistema de justiça criminal russo, que goza com a lei russa e com a lei internacional”, remata este responsável da organização de direitos humanos.

 

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