20 Janeiro 2021

As autoridades vietnamitas devem acabar com o ataque implacável aos defensores dos direitos humanos e a pessoas que exercem os seus direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, apela a Amnistia Internacional, em vésperas do 13.º congresso do Partido Comunista do Vietname (PCV), que começa a 25 de janeiro e se prolonga até 2 de fevereiro.

“O Vietname fez alguns avanços que ajudaram a cumprir direitos económicos e sociais de muitos dos seus cidadãos, mas esse progresso foi seriamente prejudicado pela contínua repressão”

Yamini Mishra, diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico

“A intolerância das autoridades vietnamitas à dissidência pacífica atingiu um pico sob a liderança cessante. A nomeação de novos líderes nacionais oferece uma oportunidade inestimável para o Vietname mudar o rumo em matéria de direitos humanos”, defende a diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico, Yamini Mishra.

De acordo com o artigo 4 da constituição do Vietname, o PCV lidera “o Estado e a sociedade”. Esta disposição foi invocada para proibir outros partidos políticos.

O congresso do PCV, que decorre de cinco em cinco anos, é o principal mecanismo pelo qual os líderes governamentais são selecionados e as prioridades políticas são definidas. Envolve a nomeação de novos responsáveis partidários que, mais tarde, são formalmente indicados para cargos de liderança no governo pela Assembleia Nacional. O PCV ocupa o poder desde a vitória na guerra do Vietname, em abril de 1975.

“O Vietname fez alguns avanços que ajudaram a cumprir direitos económicos e sociais de muitos dos seus cidadãos, mas esse progresso foi seriamente prejudicado pela contínua repressão à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica”, nota Yamini Mishra.

“À medida que o Vietname se abre cada vez mais ao comércio global, os portões das suas prisões fecham-se também cada vez mais para um maior número de indivíduos pacíficos”, conclui.

Mais prisioneiros de consciência

Atualmente, a Amnistia Internacional reconhece 170 prisioneiros de consciência no Vietname. Este é o maior número registado pela organização desde que começou a divulgar dados comparativos ​​em 1996.

Nos últimos anos, o número de prisioneiros de consciência aumentou acentuadamente e, face ao último congresso do PCV, em 2016, dobrou: de 84 passaram para os atuais 170.

Os prisioneiros de consciência são indivíduos que foram detidos devido ao exercício pacífico dos seus direitos humanos. A Amnistia Internacional apela à libertação imediata e incondicional de todos os prisioneiros de consciência detidos injustamente no Vietname e em todo o mundo.

Repressão na antecâmara do congresso

A condenação de três repórteres que pertencem à Associação de Jornalistas Independentes do Vietname (AJIV) pelo Tribunal Popular de Ho Chi Minh, no passado dia 5 de janeiro, é a mais recente violação da liberdade de expressão. Pham Chi Dung, Nguyen Tuong Thuy e Le Huu Minh Tuan foram condenados nos termos do artigo 117 do Código Penal (“criar, guardar ou divulgar informações, materiais ou itens com o objetivo de fazer oposição ao Estado da República Socialista do Vietname”).

A sentença de Pham Chi Dung ditou 15 anos de prisão, ao passo que Nguyen Tuong Thuy e Le Huu Minh Tuan foram condenados a 11 anos de prisão. O artigo 117 é comummente usado para suprimir a dissidência legítima no Vietname e tem sido uma ferramenta usada pelas autoridades para deter arbitrariamente jornalistas, bloggers e outras pessoas que expressam opiniões que não se alinham com os interesses do PCV.

“Hoje, o Vietname é um dos países mais perigosos da região para se ser defensor dos direitos humanos, jornalista, blogger ou ativista político”

Yamini Mishra, diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico

Pham Chi Dung, fundador da AJIV, foi detido no dia 21 de novembro de 2019, depois de ter assinado uma carta que instava a União Europeia (UE) a adiar a aprovação do Acordo de Livre Comércio com o Vietname, até que o país tomasse medidas para melhorar o respeito pelos direitos humanos. Nos casos de Nguyen Tuong Thuy e Le Huu Minh Tuan, as detenções ocorreram a 23 de maio de 2020 e 12 de junho de 2020, respetivamente.

“Estas sentenças ultrajantes revelam a abordagem de tolerância zero à dissidência pelas autoridades vietnamitas. Hoje, o Vietname é um dos países mais perigosos da região para se ser defensor dos direitos humanos, jornalista, blogger ou ativista político”, denuncia Yamini Mishra.

As condenações ocorreram após a detenção arbitrária da proeminente defensora dos direitos humanos, jornalista e autora Pham Doan Trang, em outubro de 2020. Tal como os três repórteres, foi acusada à luz do artigo 117 e encontra-se em prisão preventiva.

Alterar leis repressivas

Pelo menos 36 pessoas foram presas nos termos do artigo 117 desde que o Código Penal de 2015 entrou em vigor, em janeiro de 2018: oito nesse ano, 14 em 2019 e 14 em 2020. As penas de prisão aplicadas variaram dos cinco aos 15 anos.

Também o artigo 331 (“abuso das liberdades democráticas para infringir os interesses do Estado”) é usado pelas autoridades para reprimir os seus cidadãos. Entre as 23 pessoas acusadas desde que o Código Penal de 2015 entrou em vigor, 15 foram condenadas a penas de prisão de seis meses a cinco anos.

Os artigos 117 e 331 violam as obrigações internacionais de direitos humanos do Vietname e devem ser revogados ou substancialmente alterados para cumprir as regras estabelecidas no artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do qual o país é um Estado-parte. Outras leis que restringem indevidamente a liberdade de expressão também devem ser revogadas ou substancialmente alteradas, incluindo a Lei de Cibersegurança que tem uma redação vaga e excessivamente punitiva.

Na revisão levada a cabo em 2019, o Comité de Direitos Humanos da ONU, o órgão encarregado de monitorizar a implementação do PIDCP, afirmou que a “estrutura jurídica interna do Vietname permanece incompatível com o Pacto” e destacou os artigos 117 e 331 do Código Penal, além da Lei de Cibersegurança, pelo não cumprimento dos seus requisitos.

Cumplicidade das tecnológicas

O Vietname mantém a censura da imprensa, mas a expansão das redes sociais abriu espaço para o debate e a troca de ideias entre o público em geral. A Amnistia Internacional, através de um relatório publicado em dezembro de 2020, denunciou que esta revolução tecnológica levou as autoridades do país a desencadear uma repressão à expressão online.

Uma grande parte dos prisioneiros de consciência no Vietname é encarcerada com base na sua atividade nestas plataformas. Dos 170 reconhecidos pela Amnistia Internacional, 41 por cento estão atrás das grades devido ao discurso pacífico online.

Além de prenderem pessoas com base nas partilhas que estas fazem nas redes sociais, as autoridades vietnamitas têm recorrido cada vez mais aos gigantes tecnológicos, como Facebook e YouTube, para implementar mecanismos de censura.

“Com estas mudanças iminentes na liderança nacional, tanto as autoridades vietnamitas como as grandes empresas tecnológicas têm a oportunidade de redefinir a sua abordagem. Devem proteger a expressão online de acordo com as leis e os padrões internacionais de direitos humanos”, argumenta Yamini Mishra.

Prioridade aos direitos humanos

Há uma longa lista de preocupações em matéria de direitos humanos que exigem medidas corretivas urgentes por parte da liderança do PCV e do governo. O Vietname ainda aplica a pena de morte e realiza execuções em violação ao direito à vida. A Amnistia Internacional reitera o apelo de longa data para que este castigo cruel, desumano e degradante seja abolido no país e no resto do mundo.

“Da pena de morte aos direitos das mulheres ou aos julgamentos arbitrários de casos relacionados com liberdade de expressão, este pode ser um momento para corrigir o rumo da atual política que provoca sofrimento e injustiça”

Yamini Mishra, diretora da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico

As minorias étnicas e religiosas também continuam a enfrentar discriminação. A violência contra mulheres e jovens, em particular a violência praticada pelo parceiro, continua a ser uma preocupação séria e generalizada.

“Ao definir a política para os próximos cinco anos, o PCV deve ter como objetivo cumprir as normas internacionais de direitos humanos. Da pena de morte aos direitos das mulheres ou aos julgamentos arbitrários de casos relacionados com liberdade de expressão, este pode ser um momento para corrigir o rumo da atual política que provoca sofrimento e injustiça”, indica Yamini Mishra.

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