21 Setembro 2015

 

Da Grécia à Alemanha, voluntários acorrem a unir esforços para ajudar os refugiados recém-chegados aos seus países a obterem comida, roupas e cuidados médicos, colmatando falhas gritantes que resultam do fracasso do sistema de asilo na União Europeia, enquanto os líderes na Europa continuam em busca de solução comum para a crise em crescendo. A Amnistia Internacional testemunhou o que está a acontecer no terreno, com os relatos de Eliza Goroya, na Grécia, e de Khairunissa Dhala e Lorna Hayes, na Alemanha.

“Passou por aqui uma família síria, só o pai com uma rapariga pequenina. Ela tentou abrir a porta do meu carro. Pensei que estava à procura de comida, por isso perguntei ao pai do que é que eles precisavam. ‘Você tem um carro igual ao nosso, mas o nosso explodiu na Síria. A mãe dela morreu na explosão’, explicou-me. Então percebi do que é que a rapariguinha estava à procura”, conta Konstantinos à campaigner Eliza Goroya.

Este homem tem vindo a ajudar voluntariamente os refugiados em Kos, e os habitantes da ilha chamam-lhe “O Determinado”, porque além de dois empregos Konstantinos faz também entregas de alimentos e de outros bens essenciais e dá apoio aos refugiados todos os dias.

Tratar os refugiados como pessoas

Mais de 200.000 pessoas, na esmagadora maioria refugiados, arriscaram a vida para chegar às ilhas gregas só desde o início de 2015. Enfrentam condições infernais, uma vez que as autoridades locais não estão dispostas ou encontram-se incapazes de providenciar o mais básico: comida, água, sanitários ou alojamento.

Os habitantes e turistas têm chamado a si mesmos a tarefa de colmatar as falhas. “É pura e simplesmente uma tarefa avassaladora”, desabafa Giorgos, professor, que ajuda a preparar e distribuir mais de mil refeições diárias.

“E não é só alimentar as pessoas. É trata-las como pessoas”, avança por seu lado Dionysia, ativista e diretora de um teatro local.

Biljiana, sérvia de 36 anos e oriunda de Belgrado, faz voluntariado aos refugiados junto com o companheiro. “Nós também passámos fome e fomos bombardeados no nosso país. Não podemos ficar sem fazer nada quando isto está a acontecer mesmo à nossa frente”, explica.

Os turistas nas ilhas gregas têm vindo a unir forças com os habitantes locais, como é o caso da professora universitária alemã Greta Tullman, que faz listas de bens necessários aos refugiados para comprar quando regressar a casa – a adicionar às várias caixas que já entregou.

Normalmente, pelos finais de tarde, os alimentos estão prontos e – junto com roupas, fraldas e outros bens de primeira necessidade – começam a ser distribuídos pela ilha. É este o sistema no terreno em Kos, onde falta um centro de receção.

“Não deem água aos migrantes”

Mais tarde, na entrada do hotel, Eliza Goroya ouve uma mulher gritar: “Se continuarmos a fazer isto vamos acabar por ficar sem comida para os nossos filhos”. Esta mulher diz que um autarca local aconselhou os habitantes da ilha a não darem aos refugiados nem sequer um copo de água, sugerindo que isso encorajará mais pessoas a rumarem para a ilha – ela deixa bem claro que concorda com isto.

Só então, a campaigner da Amnistia Internacional compreende o que antes lhe fora descrito por Christina, ativista e professora de Enfermagem. “Uma mãe desatou a chorar, e o pai – um homem de meia-idade – baixou a cabeça num gesto de gratidão e começou a orar… perguntei-me porquê. Foi porque lhes tinha dado uma garrafa de água”. Christina  contou também que quando a polícia antimotim atacou os refugiados, os voluntários não conseguiram conter as lágrimas: “Os refugiados, cobertos de sangue [por causa da carga policial], vieram ter connosco e consolaram-nos. Disseram-nos que já tinham passado por pior. Foi extremamente comovente”.

Muito para lá da meia-noite, os ativistas que ajudam os refugiados começam a regressar às suas casas para um muito preciso descanso. “A solidariedade não é caridade. É re-humanizar uma situação que desumaniza”, frisa Giorgos.

Refeições quentes na espera para o registo de asilo em Berlim

“Quando os refugiados alcançam finalmente Berlim estão reduzidos ao funcionamento humano básico”, nota Björn Freter, um alemão de 37 anos, que se voluntariou num dos centros de registo de asilo em Berlim, desde agosto passado, depois de ter também andado a distribuir alimentos doados junto com um amigo.

Pessoas oriundas de países como a Síria, o Iraque e o Afeganistão arriscaram tudo para chegar ao país europeu que sabem que os vai acolher: a Alemanha. Mas o largo afluxo recente ao país sobrecarregou o sistema, deixando muitas destas pessoas sem meios para comprarem comida ou obterem um local para dormir, testemunharam no terreno a investigadora Khairunissa Dhala e a campaigner Lorna Hayes.

Björn Freter mostrou às duas peritas da Amnistia Internacional o centro em Berlim onde faz voluntariado, explicando-lhes a frustração dos refugiados, exaustos, esfomeados e traumatizados, em terem de esperar até 15 dias para os requerimentos de asilo serem registados. Conta o desabafo que ali ouviu a um homem: “Antes preferia voltar para a Síria e morrer a ter de dormir dias a fio ao relento como um animal”.

Tal como em Kos, os voluntários chamaram a si próprios a tarefa de ajudar os refugiados, fornecendo uma refeição vegan quente por dia, sandes, água, roupas e assistência médica essencial (na foto, duas raparigas sírias comem o almoço que lhes foi levado por voluntários ao centro de registo de requerimentos de asilo em Berlim). Há também uma área para as crianças brincarem, um centro de parteiras para apoiar as mulheres grávidas, onde estas podem fazer exames, além de uma zona tranquila para os pais descansarem enquanto os voluntários tomam conta das crianças.

Pés esfolados por caminhar ao longo de semanas

Ao chegarem por fim à Alemanha, a maioria dos refugiados têm os pés esfolados, cortados e em carne viva, e estão desidratados, conta Björn Freter. Muitos chegam traumatizados e alguns apresentam ferimentos causados por estilhaços de explosões. O estado debilitado, de doença, é frequentemente uma consequência de caminharem durante dias ou semanas seguidas.

Hartmut Wollmann, pediatra semi reformado e voluntário num centro médico de apoio aos refugiados, sustenta que há falhas nos cuidados médicos para os refugiados não registados, uma vez que os casos que não são considerados de emergência não podem ser transferidos para os hospitais.

As experiências vividas por muitas pessoas com as quais o médico contactou deixaram-no profundamente comovido. Entre elas está o de um rapaz de 17 anos oriundo da Síria, que estava muito magro: “Ele não tinha gordura nenhuma no corpo. Disse-me que andava na estrada há já duas semanas e meia e que não comia adequadamente. Estava tão traumatizado que tinha dores no peito e dificuldades em respirar. Clinicamente não detetei nada de errado com ele. Era só o medo e a dor; pura e simplesmente ele precisava de cuidados e de descanso”, avançou Hartmut Wollmann.

“E uma mulher, que estava grávida, tinha com ela um rapazito de três anos, muito subnutrido e com uma infeção na boca, o que significa que não podia comer nem beber”, prossegue o pediatra alemão.

Bem-vindos refugiados: um movimento que está a mudar as políticas

Björn Freter sublinha o quão importante são os voluntários: “Se não estivéssemos lá, quatro ou cinco pessoas que conheci pessoalmente teriam morrido. Uma delas tinha sido esfaqueada, outra estava com uma febre muito alta. Quando começa a faltar comida, lançamos apelos nas redes sociais e as pessoas fazem donativos”, conta. Este alemão reitera a ideia de que “é crucial mostrar às pessoas que são bem-vindas”. “Nem sempre conseguimos falar na mesma língua, mas podemos sorrir e fazê-los sentir que podem confiar em nós”, sublinha.

“Este movimento já está a mudar as políticas na Alemanha”, nota por seu lado o pediatra Hartmut Wollmann. “Vemos as notícias dos ataques de grupos de extrema direita – que lançam fogo às casas de refugiados – mas o número de pessoas a ajudarem os refugiados é muito maior”, remata.

 

A Amnistia Internacional insta os países europeus a darem uma resposta coordenada e eficaz à crise de refugiados, assegurando que estas pessoas chegam ao território da Europa em segurança e que são recebidas com dignidade. De olhos postos nas próximas e importantes reuniões sobre refugiados no seio da União Europeia, com momento decisivo na cimeira de 15 de outubro, assine a petição em que se pede ao Governo português que tenha as necessidades e os interesses dos refugiados no topo das prioridades da agenda política e ajude a abrir a “Fortaleza Europa”.

 

 

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