22 Maio 2017

Ativistas da Amnistia Internacional Portugal fizeram ouvir um protesto, esta segunda-feira, 22 de maio, às portas da embaixada da Turquia em Lisboa, depois de a missão diplomática ter recusado receber as mais de 60 mil cartas assinadas, só em Portugal, em defesa da advogada Eren Keskin, e em crítica firme da repressão a que se assiste naquele país, mais intensamente desde a tentativa de golpe de Estado de julho passado.

O caso de Eren Keskin esteve em amplo destaque na Maratona de Cartas de 2016, a grande campanha anual da Amnistia Internacional, tendo sido recolhidas em sua defesa 63 850 assinaturas em Portugal e 350 599 no mundo inteiro.

“O embaixador da Turquia em Portugal recusou-se a receber as mais de 63 mil cartas da campanha da Maratona de Cartas. Já que não as quis ler, teve de ouvi-las. A Amnistia Internacional Portugal comprometeu-se junto das mais de 63 mil pessoas a fazer chegar esta mensagem em defesa de Eren Keskin e é o que estamos a fazer, de uma maneira ou de outra”, frisa o diretor executivo da Amnistia Internacional Portugal, Pedro Neto.

Advogada e diretora honorária de um jornal turco, esta defensora de direitos humanos foi acusada e julgada mais de cem vezes ao longo dos anos, condenada a penas de prisão e impedida de viajar para fora da Turquia, devido às críticas que faz ao Estado turco e às denúncias de abusos cometidos pelas autoridades do país, em particular no que se refere ao tratamento discriminatório a que é sujeita a minoria turca. Os jornalistas na Turquia estão também a ser uma das classes profissionais mais brutalmente visadas pela intimidação e repressão das autoridades, com mais de 160 órgãos de comunicação social encerrados no país e mais de 120 jornalistas atrás das grades pelo simples exercício da sua profissão.

Eren Keskin permanece em risco de ser detida e injustamente condenada na Turquia, sendo imperativo obter garantias por parte do Estado turco de que não voltará a ser presa; pelo contrário, que é posto fim à perseguição e à intimidação que sobre ela é exercida com o propósito de a demover do trabalho que desenvolve em defesa dos direitos humanos.

A advogada continua a receber o apoio e trabalho empenhado da Amnistia Internacional, agora também no âmbito da nova campanha global BRAVE, que promove a defesa e o reconhecimento do papel fundamental que é desempenhado nas sociedades pelos defensores de direitos humanos.

63 mil vozes em defesa da advogada

Em meados de fevereiro passado, a Amnistia Internacional Portugal enviou por correio à embaixada da Turquia em Lisboa parte das cartas assinadas, tendo sido recusada a sua receção pela missão diplomática. Outras foram enviadas diretamente para Ancara e encontram-se nos serviços alfandegários turcos, pois as autoridades na Turquia também se recusaram a receber este envio.

Já antes, a organização de direitos humanos pretendera fazer essa entrega, em mãos, numa reunião na embaixada a 1 de fevereiro – mas também nessa ocasião os responsáveis diplomáticos da Turquia em Lisboa rejeitaram que as missivas lhes fossem entregues, tendo então sugerido a alternativa de que lhes fossem enviadas por correio.

Entendendo ser guardiães das mais de 63 mil vozes que se uniram em defesa da defensora de direitos humanos Eren Keskin, a Amnistia Internacional Portugal cumpriu assim, hoje, o mandato de as fazer ouvir. Munidos de megafones nas imediações da embaixada da Turquia, em Lisboa, foram lidas esta manhã algumas das cartas e ditos os nomes de muitas das pessoas que assinaram os seus nomes por esta causa de direitos humanos.

Purga está a “aniquilar profissionalmente” cem mil funcionários públicos

Nesta mesma segunda-feira, 22 de maio, a Amnistia Internacional divulgou um novo relatório de investigação à vaga de repressão na Turquia, especificamente sobre os despedimentos arbitrários de mais de cem mil funcionários públicos no país que estão a ter um impacto catastrófico nas vidas e subsistência destas pessoas e das suas famílias.

Este relatório, intitulado “No end in sight: Purged public sector workers denied a future in Turkey” (Sem fim à vista: Purga nega a funcionários públicos um futuro na Turquia), revela que dezenas de milhares de pessoas, incluindo médicos, polícias, professores, académicos e soldados, foram classificadas pelas autoridades como “terroristas” e proibidas de exercer funções profissionais para o Estado – encontrando-se agora imersas numa luta pela subsistência.

“As vagas de choque da repressão que se seguiu à tentativa de golpe de Estado na Turquia [de 15 de julho passado] continuam a devastar as vidas de um amplo número de pessoas que não só perderam o emprego, mas cujas vidas profissionais e familiares foram destruídas”, frisa o investigador da Amnistia Internacional Andrew Gardner, perito em Turquia. “Maculadas com o rótulo de ‘terroristas’ e esbulhadas da sua forma de subsistência, muitíssimas pessoas não podem já prosseguir as suas carreiras na Turquia e veem todas as oportunidades alternativas de emprego serem-lhes bloqueadas”, explica ainda.

Este relatório, assente em 61 entrevistas feitas em Ancara, em Istambul e em Diyarbakir, expõe que funcionários públicos, que antes tinham empregos estáveis no sector público, enfrentam atualmente uma situação terrível sem quaisquer meios de sobrevivência nem compensação. Todos os entrevistados pela Amnistia Internacional descreveram que, na ausência de outros meios de subsistência – incluindo a segurança social –, se veem forçados a viver apenas com as poupanças que foram conseguindo amealhar ao longo dos anos, a ajuda de amigos e familiares, trabalho na economia informal ou a pouca ajuda financeira que os sindicatos lhes conseguem prestar.

“Não nos deixam sair do país, não nos deixam trabalhar”

Muitos dos funcionários públicos despedidos estão também proibidos de trabalhar no sector privado em profissões que são reguladas pelo Estado, como acontece com o ensino e a atividade jurídica. Da mesma forma, os polícias e militares despedidos estão banidos por decreto de desempenharem funções similares no sector privado. E os poucos profissionais aos quais é permitido prosseguirem as suas carreiras no sector privado, como os profissionais de saúde, encontram gravíssimas dificuldades para conseguirem trabalho, especialmente trabalho equivalente e proporcional aos anteriores salários que auferiam.

Além disto, os funcionários públicos despedidos na Turquia viram os seus passaportes serem cancelados, o que lhes retira a possibilidade de trabalharem noutros países e, assim, lhes restringe ainda mais severamente as oportunidades de emprego. “Não nos deixam sair do país, não nos deixam trabalhar… o que querem que faça?”, questionou uma mulher que foi despedida de uma posição de topo no gabinete presidencial.

Apesar de alguns despedimentos poderem ser justificados – como acontece com os soldados que participaram na tentativa de golpe –, o fracasso das autoridades em definirem critérios claros para os despedimentos ou providenciarem provas individualizadas de má conduta das pessoas afastadas desfaz a argumentação de que todos estes despedimentos são necessários no combate ao terrorismo.

Bem pelo contrário, as provas sugerem a generalização de uma série de motivos abusivos e discriminatórios por trás da purga. Um ex-funcionário do governo local contou aos investigadores da Amnistia Internacional: “Se alguém nos quiser apagar da instituição, basta que diga que somos gülenista [em referência ao antigo imã Fethullan Gülen, a quem as autoridades atribuem ter arquitetado o golpe]”.

Acresce que a natureza pública dos despedimentos, amplamente divulgados pelas autoridades, torna a situação ainda mais difícil. “Eu era visto pela sociedade como um herói. Agora sou visto como um terrorista e um traidor”, desabafou um soldado que estava num quartel do outro lado do país quando a tentativa de golpe ocorreu. E uma professora universitária, despedida em agosto de 2016, relatou, por seu lado, que o filho não quer mais ir à escola: “As outras crianças implicavam com ele, diziam-lhe que a mãe era terrorista, uma traidora”.

Alegações generalizadas de ligação a grupos terroristas

Nenhuma das pessoas entrevistadas pela Amnistia Internacional recebeu uma explicação para o despedimento além da alegação generalizada de ligações a grupos terroristas. Apesar da clara arbitrariedade com que as decisões de despedimento foram tomadas, não há qualquer procedimento de recurso disponível aos funcionários públicos para as contestarem. A comissão que foi proposta em janeiro passado, para avaliar estes casos, não tem a independência nem a capacidade para fazer esse trabalho de forma eficaz. E ainda não começou sequer a funcionar.

Um pequeno número de funcionários públicos despedidos protestou publicamente contra o seu afastamento de funções e, por isso, enfrentam intimidação policial ou até mesmo detenção e maus-tratos. A académica Nuriye Gülmen e o professor Semih Özakça estão a completar agora o 75º dia de greve de fome em protesto contra os despedimentos de que foram alvo.

“Cortar o acesso de cem mil pessoas ao trabalho é semelhante a aniquilação profissional a uma escala maciça e, claramente, parte de uma muito mais ampla purga política contra opositores políticos ou pessoas que as autoridades julgam que o são”, critica Andrew Gardner. Este perito da Amnistia Internacional insta as autoridades turcas a “porem fim imediatamente a estes despedimentos arbitrários e a readmitirem todos os que não são comprovadamente culpados de má conduta”. “Quem foi demitido de funções tem de ter acesso a um procedimento de recurso célere e eficaz, de forma a poder limpar o seu nome, ser indemnizado e retomar a sua carreira profissional”, remata.

  • Artigo 19

    A liberdade de expressão é protegida pelo Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas.

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