- Novo relatório da Amnistia Internacional revela taxas de recrutamento exorbitantes, trabalho sob um calor abrasador e salários miseráveis durante uma década
- Promovido como a “espinha dorsal” do sistema de transportes públicos de Riade, o recém-inaugurado metro foi construído por empresas internacionais e sauditas de renome, sob a direção do governo
- “À medida que a Arábia Saudita avança com megaprojetos de grande visibilidade, incluindo o Campeonato do Mundo de 2034, as autoridades devem desmantelar o sistema de patrocínio kafala e aplicar as leis laborais em conformidade com os padrões globais de direitos humanos” – Marta Schaaf
Os trabalhadores migrantes que viajaram para a Arábia Saudita para trabalhar no projeto do Metro de Riade foram forçados a pagar taxas de recrutamento exorbitantes, trabalharam sob um calor abrasador e receberam salários miseráveis durante uma década de graves abusos, revela hoje a Amnistia Internacional num novo relatório.
O relatório, intitulado “Ninguém quer trabalhar nessas condições”: Uma década de exploração no projeto do metropolitano de Riade, documenta os abusos laborais num dos principais projetos de infraestrutura da Arábia Saudita. Promovido como a “espinha dorsal” do sistema de transportes públicos de Riade, o recém-inaugurado metro foi construído por empresas internacionais e sauditas de renome, sob a direção do governo, e está já prevista uma futura expansão.
No entanto, a muitos dos trabalhadores entrevistados pela Amnistia Internacional foram cobradas taxas ilegais para garantir o trabalho e, em seguida, tiveram de suportar longas e árduas jornadas, por vezes em condições inseguras, por salários mínimos e discriminatórios.
“O Metro de Riade é aclamado como a espinha dorsal do sistema de transportes da capital, mas, por baixo do seu exterior elegante, esconde-se uma década de abusos possibilitados por um sistema laboral que sacrifica os direitos humanos dos trabalhadores migrantes. Já sobrecarregados com taxas de recrutamento exorbitantes, estes trabalhadores suportaram horários extenuantes por salários miseráveis”, afirmou Marta Schaaf, diretora do programa para o Clima, Justiça Social Económica e Responsabilidade Corporativa da Amnistia Internacional.
“O Metro de Riade é aclamado como a espinha dorsal do sistema de transportes da capital, mas, por baixo do seu exterior elegante, esconde-se uma década de abusos possibilitados por um sistema laboral que sacrifica os direitos humanos dos trabalhadores migrantes”.
Marta Schaaf
“As suas dificuldades foram agravadas pela exposição ao calor extremo num país onde as temperaturas estão a subir devido às alterações climáticas induzidas pelo homem. O facto de tais abusos terem persistido durante anos, em várias empresas, num projeto de infraestruturas emblemático expõe uma falha flagrante do governo em aplicar proteções e desmantelar um sistema que deixa os trabalhadores em alto risco de exploração”, adiantou a responsável.
Explorados mesmo antes de saírem de casa
A Amnistia Internacional falou com 38 homens do Bangladesh, Índia e Nepal que foram empregados por várias empresas estrangeiras e sauditas – incluindo empreiteiros principais, subempreiteiros e fornecedores de mão de obra – na construção do sistema de metro de Riade, entre 2014 e 2025.
Para quase todos, os abusos começaram antes de saírem de casa, quando lhes foi pedido que pagassem entre 600 e 3000 euros em taxas de recrutamento e custos associados a agentes nos seus países de origem, o que levou muitos a contrair dívidas graves e a agravar a sua exposição a mais abusos.
Estes pagamentos excediam frequentemente os limites estabelecidos pelos governos dos países de origem e eram exigidos aos homens, apesar da lei saudita proibir as taxas de recrutamento suportadas pelos trabalhadores.
Para quase todos, os abusos começaram antes de saírem de casa, quando lhes foi pedido que pagassem entre 600 e 3000 euros em taxas de recrutamento e custos associados a agentes nos seus países de origem, o que levou muitos a contrair dívidas graves e a agravar a sua exposição a mais abusos.
Suman, do Nepal, foi forçado a vender as poupanças em ouro da família da sua esposa para pagar as taxas exorbitantes por um emprego que pagava um salário básico de apenas 229 euros por mês.
“Paguei 100 000 rúpias (603 euros) ao agente de mão de obra. Mas durante os preparativos – viagem, exames médicos e outras burocracias – gastei um total de 200 000 rúpias (1206 euros). Não tinha dinheiro comigo naquela altura… Pedi emprestado um pouco de ouro aos pais da minha esposa, vendi-o e consegui algum dinheiro… Como o preço do ouro aumentou, paguei quase o dobro por isso. Levei seis meses para pagar os empréstimos”, revelou.
Um catálogo de abusos na Arábia Saudita
Uma vez na Arábia Saudita, muitos trabalhadores recebiam menos de 1,7 euros por hora, enquanto outros ganhavam apenas metade disso nos seus cargos de operários, auxiliares de limpeza e assistentes de escritório no projeto do metro de Riade. Praticamente todos trabalhavam mais de 60 horas por semana.
Embora a maioria dos trabalhadores afirmasse não ter sido diretamente forçada a fazer horas extra, os seus salários básicos eram tão baixos que sentiam que não tinham outra opção. A incapacidade do governo de estabelecer um salário mínimo universal perpetua os baixos salários entre os trabalhadores migrantes — a maioria dos quais é racializada —, negando a muitos um padrão de vida digno.
“Devido à inflação no Nepal, este salário é muito baixo para pagar as despesas domésticas. Desaparece assim que pago a educação dos meus filhos e outras despesas domésticas. Mas o que posso fazer? Tenho de me desenrascar”, disse Nabin à Amnistia Internacional.
“Devido à inflação no Nepal, este salário é muito baixo para pagar as despesas domésticas. Desaparece assim que pago a educação dos meus filhos e outras despesas domésticas. Mas o que posso fazer?”
Nabin, trabalhador
As longas horas que os trabalhadores passavam no projeto do Metro de Riade eram frequentemente intensificadas pelo calor implacável, com alguns a descreverem a situação como “o inferno”. Com temperaturas que frequentemente permaneciam, no mínimo, nos 40° C durante mais de oito horas por dia, durante os meses de verão, a proibição do governo de trabalhar ao ar livre, sob o sol direto, do meio-dia às 15h provou ser uma proteção totalmente inadequada para os trabalhadores.
E as temperaturas devem subir, já que a Arábia Saudita enfrenta um calor cada vez mais frequente e intenso, uma tendência que deve piorar com as mudanças climáticas globais induzidas pelo homem.
“Quando trabalho no calor extremo, sinto-me como se estivesse no inferno… Penso: como é que vim parar aqui? Cometi algum erro para que Deus me castigue?”, disse Indra, do Nepal. “Ninguém quer trabalhar nestas condições por opção própria. Mas o que posso fazer? Não tinha emprego no Nepal. Vim para cá para sustentar a minha família. Por isso, tenho de estar preparado para sofrer”.
“Quando trabalho no calor extremo, sinto-me como se estivesse no inferno… Penso: como é que vim parar aqui? Cometi algum erro para que Deus me castigue?”
Indra, trabalhador
Janak, da Índia, disse que enfrentou pressão por parte de funcionários mais antigos da empresa subcontratada para a qual trabalhava para laborar sob calor extremo.
“Os encarregados e engenheiros obrigavam-nos a fazer horas extra, mesmo com temperaturas elevadas. Nós dizíamos: “Não podemos. Está extremamente quente”. Mas eles respondiam: “Continuem a trabalhar”… O que podem as pessoas pobres fazer? Temos de trabalhar. Temos de fazer um trabalho difícil”.
Muitos trabalhadores também relataram ter enfrentado outros abusos, como confiscação de passaportes, condições de vida superlotadas e insalubres, comida de má qualidade e tratamento discriminatório com base na posição profissional.
Reformas e diligência nos direitos humanos
As experiências destes homens sublinham, não só as falhas do governo saudita, mas também o ambiente de alto risco em que as empresas – incluindo grandes multinacionais – operam quando decidem fazer negócios no setor da construção civil da Arábia Saudita, que depende fortemente de uma vasta rede de subcontratação.
De facto, apesar das reformas limitadas, o sistema kafala persiste na prática. Combinado com a fraca aplicação das proteções laborais — incluindo inspeções que se concentram mais no cumprimento das metas e na legalidade do estatuto de emprego dos trabalhadores migrantes do que na salvaguarda dos seus direitos — e a recente redução das sanções por práticas laborais abusivas, isto cria um clima permissivo para a exploração.
Este contexto exige que as empresas realizem proativamente uma maior diligência em matéria de direitos humanos para prevenir quaisquer violações dos direitos humanos. Tais esforços são severamente limitados na Arábia Saudita, onde os direitos humanos são sistematicamente reprimidos e a liberdade de expressão e de associação são efetivamente inexistentes. Se as empresas não forem capazes ou não estiverem dispostas a avaliar e abordar quaisquer riscos, devem considerar não realizar a atividade.
“À medida que a Arábia Saudita avança com megaprojetos de grande visibilidade, incluindo o Campeonato do Mundo de 2034, as autoridades devem desmantelar completamente o sistema de patrocínio kafala e aplicar rigorosamente as leis laborais, em conformidade com os padrões globais de direitos humanos. Fortalecer as salvaguardas e garantir a responsabilização pelos milhões de trabalhadores migrantes que tornam esses empreendimentos possíveis é a única forma de garantir que não continuem a ser tratados como descartáveis”, disse Marta Schaaf.
“À medida que a Arábia Saudita avança com megaprojetos de grande visibilidade, incluindo o Campeonato do Mundo de 2034, as autoridades devem desmantelar completamente o sistema de patrocínio ‘kafala’ e aplicar rigorosamente as leis laborais, em conformidade com os padrões globais de direitos humanos.”
Marta Schaaf
“Para as empresas que operam ou entram na Arábia Saudita, estas conclusões devem servir como um aviso claro: a devida diligência abrangente em matéria de direitos humanos não é opcional. Sem processos robustos implementados desde o início e um plano adequado para abordar quaisquer preocupações em matéria de direitos humanos, as empresas correm o risco de estar diretamente ligadas ou de contribuir para abusos laborais sistemáticos”, acrescentou.
“Por fim, os países de origem, incluindo Bangladesh, Índia e Nepal, devem assumir a responsabilidade de proteger os seus cidadãos, monitorizando, investigando e sancionando a conduta ilegal das agências de recrutamento. Sem a devida responsabilização em todos os países envolvidos, o ciclo de abusos persistirá”, concluiu.
Que tipo de abusos sofreram os trabalhadores migrantes envolvidos na construção do Metro de Riade, segundo o relatório da Amnistia Internacional?
▼Como é que as taxas de recrutamento afetaram os trabalhadores migrantes antes mesmo de chegarem à Arábia Saudita?
▼Quais eram as condições de trabalho em termos de horários e remuneração no projeto do Metro de Riade?
▼De que forma o calor extremo afetou os trabalhadores durante a construção do metro?
▼Que papel teve o sistema kafala nos abusos sofridos pelos trabalhadores migrantes?
▼Que medidas são recomendadas pela Amnistia Internacional para evitar abusos semelhantes em futuros megaprojetos na Arábia Saudita?
▼⚠️ Este painel de questões relacionadas foi criado com IA mas revisto por um humano.


