15 Janeiro 2018

As autoridades de Israel têm de libertar a ativista palestiniana de 16 anos que enfrenta uma possível sentença de dez anos de prisão devido a uma altercação com soldados israelitas na Cisjordânia ocupada, ocorrida em dezembro passado, sustenta a Amnistia Internacional esta segunda-feira, 15 de janeiro, em que Ahed Tamimi comparece em tribunal.

Ahed Tamimi é levada a tribunal militar em Ofer, na Cisjordânia ocupada, sob a acusação de agressão agravada e mais outras 11 acusações, depois de ter sido difundido um vídeo no qual a jovem aparece a empurrar, esbofetear e pontapear dois soldados israelitas na sua vila natal, Nabi Saleh, a 15 de dezembro, e cujas imagens se tornaram virais no Facebook.

“Nada do que Ahed Tamimi fez pode justificar a continuada detenção de uma rapariga de 16 anos. As autoridades israelitas têm de a libertar sem demoras. Ao mostrarem a agressão feita por uma jovem adolescente desarmada a dois soldados armados e envergando equipamentos de proteção, as imagens deste incidente expõem que ela não constituía ameaça real e que a punição é flagrantemente desproporcionada”, frisa a vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, Magdalena Mughrabi.

“Nada do que Ahed Tamimi fez pode justificar a continuada detenção de uma rapariga de 16 anos.”

Magdalena Mughrabi, vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

A perita da organização de direitos humanos explica ainda que “a detenção e julgamento militar de Ahed Tamimi demonstram o tratamento discriminatório que as autoridades israelitas dão às crianças palestinianas que ousam enfrentar a continuada, e frequentemente brutal, repressão exercida pelas forças de ocupação”.

Ahed Tamimi foi detida a 19 de dezembro junto com a mãe, Nariman Tamimi, e a sua prima Nour Tamimi, depois de Nariman – também conhecida ativista – ter publicado as imagens do incidente online. Ahed confrontara os soldados durante um protesto em Nabi Saleh contra a decisão do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em reconhecer Jerusalém como capital de Israel.

Menor alvejado a curta distância

Este incidente ocorreu no mesmo dia em que o primo de Ahed, Mohammad Tamimi, de 15 anos, fora alvejado a curta distância na cabeça por uma bala de borracha disparada por um soldado israelita. A família testemunhou à Amnistia Internacional que o jovem teve de ser submetido a uma cirurgia que envolveu a remoção de parte da região esquerda do crânio.

As imagens de vídeo mostram que os soldados, que se encontravam junto aos muros do pátio em frente da casa dos Tamimi e estavam armados com espingardas automáticas, poderiam facilmente desviar as bofetadas e pontapés de Ahed.

Porém, o vídeo indignou muitos israelitas, com o ministro da Educação de Israel, Naftali Bennett, a declarar, na Rádio do Exército, que Ahed Tamimi, a mãe e a prima “deviam acabar a vida na prisão”.

Quatro dias depois do incidente, Ahed e Nariman Tamimi, de 42 anos, foram detidas. E Nur, de 21 anos, foi detida no dia seguinte, tendo, entretanto, sido liberta sob fiança.

A 1 de janeiro, Ahed e Nariman foram ambas acusadas de agressão agravada dos soldados e de impedimento aos soldados de cumprirem os seus deveres.

Ahed Tamimi enfrenta o total de 12 acusações, em que se incluem também incitamento em redes sociais e ofensas relativas a outras cinco altercações com soldados israelitas em que alegadamente esteve envolvida ao longo dos últimos dois anos.

350 crianças nas prisões israelitas

A Convenção sobre os Direitos da Criança, de que Israel é Estado-parte, determina expressamente que a detenção, manutenção em detenção e condenação a prisão de uma criança apenas só podem ser usadas como medida de último recurso e pelo mais apropriado curto período de tempo.

“Israel está clara e descaradamente a desrespeitar as suas obrigações ao abrigo da lei internacional de proteger as crianças de penas criminais manifestamente pesadas”, defende Magdalena Mughrabi.

A vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África avança que “seria uma perversão injusta da justiça se o ato de desafio de Ahed Tamimi face a implacável repressão lhe valesse uma sentença de longa pena de prisão num tribunal militar que não garante os essenciais padrões de julgamento justo”.

“Seria uma perversão injusta da justiça se o ato de desafio de Ahed Tamimi face a implacável repressão lhe valesse uma sentença de longa pena de prisão num tribunal militar que não garante os essenciais padrões de julgamento justo.”

Magdalena Mughrabi, vice-diretora da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África

O Exército de Israel leva a tribunal militar centenas de crianças palestinianas todos os anos, amiúde após as ter detido em rusgas noturnas e sujeitando-as sistematicamente a maus-tratos, incluindo vendando-lhes os olhos, fazendo ameaças e interrogatórios duros sem a presença de advogados nem familiares dos menores, além de recorrer ao encarceramento em regime de solitária e, em alguns casos, usando violência física. Atualmente estão cerca de 350 crianças palestinianas em prisões e centros de detenção israelitas, de acordo com organizações locais de direitos humanos.

A advogada de Ahed Tamimi declarou que a adolescente tem sido submetida a longas e agressivas sessões de interrogatório, algumas durante a noite, e que lhe foram feitas ameaças contra familiares pelos interrogadores.

Membros da família da jovem palestiniana testemunharam, por seu lado, que Ahed tem também enfrentado várias deslocações fisicamente esgotantes da prisão até ao tribunal, a par de outros menores detidos, sem acesso a casa-de-banho.

A prima de Ahed, Nour Tamimi, foi liberta a 5 de janeiro passado e fica a aguardar julgamento sob uma fiança de 5 000 shekels israelitas (cerca de 1 200 euros).

Ainda esta semana, o pai de Ahed, Bassem Tamimi – que já foi prisioneiro de consciência da Amnistia Internacional – foi proibido de viajar internacionalmente. As autoridades israelitas emitiram também a ameaça a outros 20 mais membros da família Tamimi de que poderiam ser banidos de residir em Nabi Saleh.

Tribunais militares para palestinianos, civis para colonos israelitas

De acordo com a organização não-governamental Defense for Children Palestine (DCI), aproximadamente 500 a 700 crianças palestinianas da Cisjordânia ocupada são julgadas todos os anos em tribunais militares juvenis israelitas sob ordem do Exército de Israel.

Estas ordens militares são aplicadas no sistema de tribunais marciais e muitas criminalizam atividades pacíficas como a expressão política pacífica ou a organização e participação em protestos sem prévia autorização de um comandante militar israelita.

Os juízes e procuradores destes tribunais fazem parte das forças militares de Israel e a jurisdição deste sistema de tribunais militares de Israel não é nunca aplicada a colonos israelitas que vivam na Cisjordânia, os quais ficam sob a tutela da lei civil israelita. Incidentes de violência cometida por colonos israelitas na Cisjordânia ficam geralmente impunes, enquanto os palestinianos são frequentemente visados e detidos.

A pequena vila de Nabi Saleh, localizada a Noroeste de Ramallah, na Cisjordânia ocupada, é desde 2009 palco de regulares protestos às sextas-feiras contra a ocupação militar de Israel, o roubo de terras e as perdas da comunidade dos seus recursos de água.

O Exército israelita recorre frequentemente a uso excessivo de força contra os manifestantes e quem mais se encontre na proximidade dos protestos e tem, em muitos casos, danificado deliberadamente propriedade privada. Desde 2009, foram mortos por soldados israelitas três habitantes de Nabi Saleh, e centenas de outros sofreram ferimentos causados por disparos com munições reais, balas de metal revestidas a borracha e gás lacrimogéneo.

  • 10 milhões

    Existem cerca de 10 milhões de pessoas presas no mundo inteiro, em qualquer momento.
  • 3,2 milhões

    Estima-se que 3,2 milhões de pessoas que se encontram na prisão ainda aguardem julgamento.

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