4 Novembro 2019

Os números são expressivos: 466 pessoas foram mortas pelas autoridades do Bangladesh, em 2018, sob a capa de uma campanha antidroga. Mas a verdade é que se trata de uma onda de execuções extrajudiciais, que carrega alegações de desaparecimentos forçados e fabricação de provas, revela a Amnistia Internacional.

“As vítimas não foram presas, muito menos levadas a julgamento. Algumas foram levadas à força de casa e a família só voltou a vê-las mortas, cravadas de balas”

Dinushika Dissanayake, diretora-adjunta para a Ásia do Sul da Amnistia Internacional

No relatório Killed in Crossfire: Allegations of Extrajudicial Executions in Bangladesh in the Guise of a War on Drugs (“Mortos em Tiroteios: Alegações de Execuções Extrajudiciais no Bangladesh Sob o Pretexto da Guerra Contra as Drogas”) é documentada a ausência de qualquer investigação objetiva a estas mortes. As 466 execuções extrajudiciais suspeitas representam três vezes mais o valor registado em 2017 e o mais elevado em décadas.

“Onde quer que o Batalhão de Ação Rápida tenha estado, parece que agiu fora da lei. As vítimas não foram presas, muito menos levadas a julgamento. Algumas foram levadas à força de casa e a família só voltou a vê-las mortas, cravadas de balas, na morgue”, explica a diretora-adjunta para a Ásia do Sul da Amnistia Internacional, Dinushika Dissanayake.

A mesma responsável sublinha que as autoridades do Bangladesh “devem pôr um fim a estes homicídios imediatamente”. “As operações antidroga espalharam o terror em alguns dos bairros mais pobres do país, onde as pessoas temem que a mínima suspeita de envolvimento possa levar os seus familiares a serem executados”, nota.

A Amnistia Internacional ouviu alegadas testemunhas que terão sido instruídas pela polícia para fornecer falsas declarações que suportassem a tese dos “tiroteios” ou do “fogo cruzado” e levadas para a cena do crime, de forma involuntária, só depois das execuções. “Não vimos nada”, garantiu uma das pessoas. “Ligaram-me e levaram-me com eles para o local por volta das 5h30, pedindo-me para testemunhar o que estavam a levar de lá. Só vi uma moto, nada mais”, conclui.

Há, pelo menos, cinco testemunhas que confirmam este procedimento. Todas rejeitam a possibilidade de recusar os pedidos da polícia para serem testemunhas por temerem as consequências. Depois de terem sido chamadas, providenciaram nomes, assinaturas, números de telefone e informações pessoais.

Uma história que se repete

Todos os casos das vítimas que acompanhámos apontam para um padrão. Primeiro, foram sujeitas a desaparecimentos forçados, por períodos de um dia até a um mês e meio, acabando por aparecer mortas.

Rahim (nome fictício) desapareceu à força da casa dos sogros. Oito dias depois, o cadáver foi descoberto, com as autoridades a alegar que morreu durante um “tiroteio”. Já Bablu Mia (nome fictício) foi intercetado por dois agentes à paisana, numa estrada, relatou o irmão, que chegou a apresentar uma queixa na polícia pelo desaparecimento. Um mês e meio depois, foi informado da sua morte num “tiroteio”.

“Estas mortes ocorreram no contexto mais amplo de uma proibição geral de drogas sob a qual o governo puniu, deliberadamente, e atacou, violentamente, pessoas”

Dinushika Dissanayake, diretora-adjunta para a Ásia do Sul da Amnistia Internacional

Há registo de familiares que alegam ter subornado a polícia a troco da libertação de uma pessoa. Contudo, a tentativa não obteve sucesso. Outros relatos apontam para tentativas de extorsão das autoridades. Suleman (nome fictício), que também foi morto na sequência de um “tiroteio”, telefonou a um familiar a pedir 20 mil takas (237 dólares) para ser libertado. Após a entrega do dinheiro à polícia, voltou a ligar para obter mais 50 mil takas (593 dólares). “Se não, matam-me”, implorou. Sem notícias sobre o paradeiro de Suleman, a família tentou obter respostas numa esquadra. Aí, foi informada que o homem de 35 anos, pai de uma menina de oito, tinha sido vítima de um “tiroteio”.

O que queremos

A Amnistia Internacional exige que as autoridades do Bangladesh realizem uma investigação rápida, imparcial, independente e eficaz sobre a onda de aparentes execuções extrajudiciais e outras violações de direitos humanos cometidas pela polícia durante as operações antidroga.

“Estas mortes ocorreram no contexto mais amplo de uma proibição geral de drogas sob a qual o governo puniu, deliberadamente, e atacou, violentamente, pessoas, em particular das comunidades mais marginalizadas”, alerta Dinushika Dissanayake.

 

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