8 Julho 2019

O rasto de morte deixado pela campanha antidroga do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, não tem fim. Para trás ficam vidas e comunidades destruídas, nota a Amnistia Internacional, que apela à ONU para abrir, imediatamente, uma investigação sobre as graves violações dos direitos humanos e os possíveis crimes contra a humanidade.

“A ‘guerra contra as drogas’ do presidente Duterte continua a ser somente uma organização de homicídios em grande escala, com os pobres a pagar o preço mais alto”

Nicholas Bequelin, diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional

No relatório They just kill: Ongoing extrajudicial executions and other violations in the Philippines war on drugs (“Eles só matam: Execuções extrajudiciais em curso e outras violações na guerra contra as drogas das Filipinas”) é documentada a forma como a polícia atua com total impunidade ao matar pessoas de bairros pobres, cujos nomes aparecem em “listas de vigilância” redigidas à margem de qualquer processo legal.

“Três anos depois, a ‘guerra contra as drogas’ do presidente Duterte continua a ser somente uma organização de homicídios em grande escala, com os pobres a pagar o preço mais alto”, afirma o diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional, Nicholas Bequelin.

O presidente das Filipinas defendeu, em diversas ocasiões, a campanha, alegando que os envolvidos são “criminosos” e que a sua morte é “aceitável”. “É hora de as Nações Unidas – a começar pelo Conselho de Direitos Humanos – agirem decisivamente para responsabilizar o presidente Duterte e o seu governo”, complementa.

Na cidade de Malabon, o corpo deste homem foi encontrado com um bilhete onde se lia “Não me imites, sou traficante”. © Amnistia Internacional

O governo filipino já reconheceu que, pelo menos, 6600 pessoas foram mortas às mãos da polícia. Mas há provas de que existem mais vítimas, assassinadas por desconhecidos com prováveis ligações às autoridades.

Entretanto, o principal campo da matança já não é a área metropolitana de Manila. Vários responsáveis de topo da polícia foram transferidos da capital para a província de Bulacan, no centro de Luzon. É aí que, atualmente, se registam mais mortes.

Na investigação realizada, a Amnistia Internacional identificou 20 casos que provocaram 27 vítimas, em cenários de aparente execução extrajudicial. Os homicídios ocorreram em Bulacan, entre maio de 2018 e abril de 2019. No total, a organização realizou entrevistas a 58 pessoas, incluindo testemunhas dos crimes, familiares, autoridades locais e ativistas dos direitos humanos, entre outros.

O relatório segue uma investigação anterior, divulgada em janeiro de 2017, que demonstrava como a polícia, sistematicamente, atacou pessoas pobres e indefesas em todo o país, à medida que fabricava “provas”, recrutava assassinos a soldo e, posteriormente, produzia relatórios oficiais sobre os incidentes.

“Não é seguro ser pobre nas Filipinas do presidente Duterte”, comenta Nicholas Bequelin. “Para morrer, só é necessária uma acusação sem provas de que alguém usa, compra ou vende drogas. A todos os lugares onde fomos investigar as mortes, as pessoas comuns estavam aterrorizadas. O medo espalhou-se”, nota.

“Mataram-no como um animal”

Em todas as operações policiais analisadas, conhecidas por buy-bust, as autoridades referem que os alegados vendedores de droga estavam armados e, uma vez confrontados, foi necessário recorrer a força letal. Contudo, testemunhas e familiares refutam a tese.

A morte de Jovan Magtanong é paradigmática. Este jovem de 30 anos, pai de três filhos, terá disparado contra a polícia, que acabou por apreender uma pistola de calibre 38 e pequenos sacos com droga. Mas testemunhas no local indicam que estava a dormir, quando as autoridades bateram à sua porta à procura de outro homem. Há um ano que não consumia substâncias ilícitas e não tinha acesso a armas, garante a família.

“Mataram-no como um animal”, desabafa um familiar.

Familiares de vítimas participam em vigília, na cidade de Quezon. © Amnistia Internacional

Um especialista forense filipino, entrevistado pela Amnistia Internacional, explicou que os relatórios policiais das operações não apresentam os padrões mínimos de plausibilidade: “É um guião. Na verdade, quando se lê o relatório, parece que há um modelo”.

Deter ou matar: os dois verbos ditam o destino de quem tem o nome nas “listas de vigilância” elaboradas pelas autoridades locais. Para a Amnistia Internacional, estes documentos não têm base legal. Além disso, provam que a política do governo se direciona para as comunidades mais pobres e marginalizadas, através de um sistema que perpetua a ameaça e o risco.

ONU no terreno

A execução de Kian delos Santos, um adolescente de 17 anos, levou à condenação dos responsáveis, mas o desfecho do caso é quase único. À ausência de justiça junta-se o volume crescente de provas de que estamos perante crimes contra a humanidade.

O Tribunal Penal Internacional (TPI) chegou a elaborar um inquérito preliminar relativo à campanha antidroga, em fevereiro de 2018. No entanto, o presidente filipino anunciou a saída do país do TPI, com efeitos a partir de março deste ano.

“Para morrer, só é necessária uma acusação sem provas de que alguém usa, compra ou vende drogas”

Nicholas Bequelin, diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional

Os familiares das vítimas, advogados e líderes religiosos têm expressado a existência de vários obstáculos na obtenção de justiça e o clima de impunidade que se vive nas Filipas. Já os programas de reabilitação e tratamento para as pessoas com dependência de drogas continuam a ser inadequados.

A Amnistia Internacional apela ao Conselho de Direitos Humanos da ONU para que inicie, imediatamente, uma investigação independente, imparcial e efetiva sobre as violações dos direitos humanos na “guerra contra as drogas” de Rodrigo Duterte. O Gabinete do Procurador do TPI também deve concluir o inquérito preliminar que iniciou e abrir uma investigação criminal.

Recursos

Artigos Relacionados