16 Setembro 2020

A pandemia de COVID-19 e as subsequentes restrições em diversos serviços nos campos de refugiados no Bangladesh, que acolhem quase um milhão de pessoas rohingya há três anos, fizeram com que as instalações educativas fossem encerradas. O plano de implementação do currículo do Myanmar, anunciado este ano, também acabou afetado.

“O governo de Bangladesh deve garantir que a COVID-19 não se torne em mais uma desculpa para privar as crianças rohingya do seu direito de acesso à educação”

David Griffiths, diretor do gabinete do secretário-geral da Amnistia Internacional

A UNICEF estima que há mais de 400 mil crianças com idades entre os três e os 18 anos nos campos de refugiados. Em janeiro, as autoridades do Bangladesh anunciaram que seria dada a oportunidade de estudarem o currículo do Myanmar, entre o sexto e o nono ano, após terem transitado de um programa de educação informal. O plano seria testado por dez mil alunos, no primeiro semestre deste ano, com disposições para ser alargado no futuro.

“O governo de Bangladesh deve garantir que a COVID-19 não se torne em mais uma desculpa para privar as crianças rohingya do seu direito de acesso à educação. A comunidade internacional deve apoiar as autoridades do Bangladesh com fundos e recursos para implementar o currículo do Myanmar”, insta o diretor do gabinete do secretário-geral da Amnistia Internacional, David Griffiths.

A educação das crianças rohingya no Bangladesh está presente no briefing Let us speak for our rights (“Vamos falar pelos nossos direitos”), apresentado esta terça-feira. O documento da Amnistia Internacional lembra que os refugiados devem ter o direito de participar em todas as decisões que afetam as suas vidas, pois a exclusão a que estão votados tem impactos a nível de direitos humanos, designadamente: liberdade de expressão, reunião e movimento, acesso à saúde e à educação. O briefing também pede uma investigação completa sobre as alegações de execuções extrajudiciais.

“Os rohingya foram perseguidos e discriminados no Myanmar, com centenas de milhares a serem forçados a fugir de casa por causa de crimes contra a humanidade. Agora, três anos após o deslocamento, ainda estão a sofrer”

David Griffiths, diretor do gabinete do secretário-geral da Amnistia Internacional

“Durante décadas, os rohingya foram perseguidos e discriminados no Myanmar, com centenas de milhares a serem forçados a fugir de casa por causa de crimes contra a humanidade. Agora, três anos após o deslocamento, ainda estão a sofrer e são impedidos de defender os seus direitos”, nota David Griffiths.

“Embora as autoridades do Bangladesh tenham tomado muitas medidas positivas para apoiar os refugiados, há uma falta de transparência nas decisões, que excluem quase totalmente o envolvimento dos rohingya. O que é necessário é uma política clara que inclua as suas vozes para garantir que os seus direitos humanos sejam devidamente protegidos”, defende o mesmo responsável.

A Amnistia Internacional apela à comunidade internacional para apoiar e trabalhar com as autoridades do Bangladesh para desenvolver uma política – como parte da cooperação internacional e de assistência – para proteger os refugiados rohingya.

Liberdades em causa

Em maio, as autoridades de Bangladesh levaram mais de 300 refugiados rohingya para Bhashan Char, uma ilha remota de lodo, que ainda não foi avaliada pela ONU quanto à sua habitabilidade. Estas pessoas faziam parte de um grupo de quase 1400 homens, mulheres e crianças que arriscaram a vida em viagens de barco para a Malásia.

Depois de ter sido recusada a entrada no país, os refugiados voltaram para águas sob administração do Bangladesh. A marinha nacional rebocou a embarcação até Bhashan Char, onde as autoridades propuseram realocar mais 103.200 pessoas.

A Amnistia Internacional falou com duas mulheres e um homem rohingya, na ilha, que ouviram relatos de assédio ou abuso sexual por parte de agentes da polícia e oficiais da marinha. As autoridades do Bangladesh devem conduzir uma investigação completa e exaustiva sobre estas alegações.

Os refugiados também relatam as condições de habitabilidade, com duas a cinco pessoas em quartos de cerca de 50 pés quadrados (cerca de 4,6 metros quadrados) – espaço suficiente apenas para uma. As casas de banho são escassas.

Tudo o que estas pessoas receberam foi uma peça de roupa, uma rede mosquiteira e um prato. Muitas usam lençóis que foram costurados a partir de roupas por algumas mulheres rohingya. A comida, afirmam, é distribuída duas vezes por dia e, desde que chegaram, nunca varia. A única unidade de saúde é uma clínica móvel operada pela marinha, que funciona quatro horas por dia, das 8h às 12h. Os refugiados disseram à Amnistia Internacional que frequentemente não lhes é permitido sair da zona onde dormem.

“As autoridades do Bangladesh devem transportar em segurança todos os refugiados rohingya, que estão atualmente em Bhashan Char, para os campos de refugiados em Cox’s Bazar e garantir que sejam consultados, sem coerção, sobre quaisquer planos futuros”

David Griffiths, diretor do gabinete do secretário-geral da Amnistia Internacional

O confinamento prolongado na ilha é uma violação das obrigações do Bangladesh face aos artigos 9 e 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que protege o direito à liberdade de escolher a sua residência dentro de um território.

“As autoridades do Bangladesh devem transportar em segurança todos os refugiados rohingya, que estão atualmente em Bhashan Char, para os campos de refugiados em Cox’s Bazar e garantir que sejam consultados, sem coerção, sobre quaisquer planos futuros de realocação na ilha”, afirma David Griffiths.

Execuções extrajudiciais

Mais de 100 refugiados rohingya foram vítimas de alegadas execuções extrajudiciais, entre agosto de 2017 e julho de 2020, de acordo a organização de direitos humanos Odhikar. No entanto, nenhum desses casos foi investigado e nenhum dos supostos autores dos crimes foi levado à justiça.

A Amnistia Internacional falou com familiares de cinco refugiados que foram vítimas de alegadas execuções extrajudiciais, em Cox’s Bazar. Cada incidente tem uma narrativa surpreendentemente semelhante.

As vítimas foram mortas durante um “tiroteio” com membros pertencentes a entidades responsáveis pela aplicação da lei, que alegaram que só abriram fogo em retaliação. Três destes cinco homens terão sido retirados das suas casas pela polícia e, depois, encontrados mortos, relataram os familiares.

As autoridades do Bangladesh devem ter em consideração as acusações e preocupações das famílias Rohingya, bem como da sociedade civil, e iniciar investigações completas, independentes, imediatas e imparciais sobre todas as alegadas execuções extrajudiciais e garantir que os suspeitos de serem os autores sejam acusados em julgamentos justos, sem recurso ao uso da pena de morte.

Direito à saude

Até 23 de agosto de 2020, seis refugiados morreram de COVID-19 e 88 testaram positivo. No entanto, esses números têm por base análises feitas a 3931 pessoas, o que corresponde a menos de um por cento da população rohingya nos campos no Bangladesh.

Poucos refugiados voluntariam-se para serem testados em unidades de saúde administradas por agências humanitárias devido ao medo de serem separados da família ou coagidos ao isolamento. Anteriormente, passaram igualmente por experiências de comportamentos desrespeitosos das equipas médicas. Tudo isto é agravado pela falta de informações, claras e amplamente acessíveis, sobre os serviços disponíveis, revelou um funcionário de uma entidade de saúde que opera nos campos.

Violência e discriminação de género

A Amnistia Internacional entrevistou dez mulheres rohingya sobre violência de género e discriminação nos campos. Cinco delas disseram que a violência contra as mulheres aumentou, principalmente a violência doméstica, durante a COVID-19, à medida que os homens estão mais tempo em casa. As mulheres disseram que os maridos, tendo perdido a oportunidade de trabalhar, pressionavam-nas para que trouxessem dinheiro e eram violentos. Quatro das entrevistas acreditam que a discriminação e a violência contra as mulheres têm sido um fator constante nos campos, independentemente da pandemia.

Há ainda relatos de tráfico de seres humanos, assédio sexual e discriminação. Em alguns campos, os líderes comunitários decidiram não permitir que as mulheres trabalhassem nos últimos meses devido à COVID-19.

A representação das mulheres é altamente desproporcional e discriminatória em reuniões comunitárias, onde apenas uma ou duas mulheres são convidadas a se juntarem a 50 homens, indicou uma mulher de 29 anos que vive no campo 1W.

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