9 Abril 2020

 

  • Idosos são, ao mesmo tempo, quem se encontra em maior risco e menos incluídos nas respostas humanitárias
  • Acesso a informação básica é limitado
  • Erros do passado estão a ser outra vez cometidos nesta nova crise

 

As comunidades mais idosas que vivem nos campos de refugiados rohingya do Bangladesh estão a ser deixadas para trás no combate à COVID-19, denuncia a Amnistia Internacional. O país, juntamente com a ONU e outros parceiros internacionais, até tem feito esforços para reduzir o risco de a pandemia se propagar nestas áreas sobrelotadas, através de medidas preventivas, do aumento da assistência e da proibição de grandes reuniões. Contudo, faltam informações básicas e precisas sobre a doença, bem como respostas para chegar a certas franjas da população, especialmente a mais velha, que tem necessidades específicas e pertence aos grupos de risco.

“Mesmo em alturas menos críticas, as organizações humanitárias lutam ou falham em atender às necessidades específicas dos idosos nos campos de refugiados e deslocados. Repetir esse erro no meio da pandemia de COVID-19 coloca mulheres e homens rohingya mais velhos num perigo iminente”

Matt Wells, diretor-adjunto da equipa de resposta a crises da Amnistia Internacional

“Mesmo em alturas menos críticas, as organizações humanitárias lutam ou falham em atender às necessidades específicas dos idosos nos campos de refugiados e deslocados. Repetir esse erro no meio da pandemia de COVID-19 coloca mulheres e homens rohingya mais velhos num perigo iminente. Alguns desconhecem informações básicas sobre o que está a acontecer e como se podem manter em segurança”, avisa o diretor-adjunto da equipa de resposta a crises da Amnistia Internacional, Matt Wells.

“Os países doadores e as organizações humanitárias devem trabalhar, urgentemente e em conjunto, para atenuar a ausência de informação e implementar um plano que garanta que os refugiados mais velhos não são deixados para trás, mais uma vez, neste tempo marcado pelo elevado risco global”, insiste o mesmo responsável.

Na última semana de março, a Amnistia Internacional entrevistou 15 mulheres e homens idosos das comunidades rohingya que vivem em sete dos 34 campos de refugiados perto da zona de Cox’s Bazar, no sudeste do Bangladesh. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indica que existem mais de 31.500 pessoas com 60 anos ou mais, nestas instalações – no total, quase 860 mil rohingya foram forçados a fugir do país natal, o Myanmar, a maioria desde o final de 2017, como resultado de crimes que a ONU considera ser, provavelmente, equivalentes a genocídio.

Erros do passado

Em junho de 2019, a Amnistia Internacional apresentou um relatório sobre o impacto do conflito no Mianmar na população mais idosos. Os mesmos erros cometidos no passado estão a ser repetidos, agora, em plena crise de saúde pública provocada pela COVID-19.

Apenas uma das 15 pessoas entrevistadas contactou com alguém que lhe forneceu informações sobre a pandemia. Outros receberam notícias, através de familiares, sobre as medidas preventivas a tomar, como lavar as mãos com frequência. A maioria só tinha escutado líderes religiosos e vizinhos a falar do vírus, não dispondo de muitos detalhes.

“Estou com muito medo porque, se o vírus chegar ao campo, ninguém vai ficar vivo. Aqui, há muitas pessoas a viver em espaços muito pequenos”

Hotiza, uma mulher com cerca de 85 anos

O acesso à informação é restrito, especialmente desde que as autoridades do Bangladesh cortaram as telecomunicações e a Internet, em setembro de 2019. Na altura, a Amnistia Internacional, a ONU e outras organizações pediram que essas restrições fossem levantadas.

Ainda que sejam tomadas medidas para acabar com esse bloqueio, os esforços direcionados para os mais velhos continuam a ser vitais, pois muitos não têm acesso a smartphones. O relatório da Amnistia Internacional de junho de 2019 já alertava para o facto de a resposta humanitária, muitas vezes, partir do pressuposto de que as informações e a assistência chegaria a estas pessoas pelas famílias, o que não respeita os seus direitos e tem impactos negativos.

As autoridades de Bangladesh e as organizações humanitárias criaram maneiras criativas de disseminar informações, inclusivamente com megafones transportados por tuktuks, que emitem mensagens nos campos sobre a COVID-19 e as medidas sanitárias preventivas que devem ser tidas em conta. Embora a maioria das pessoas entrevistadas soubesse da existência desses veículos, muitas vezes não conseguiam ouvir o conteúdo que partilhavam.

Sayeda, uma mulher na casa dos 80 anos, relatou: “Não sei nada sobre esse vírus. Há umas pessoas que dizem algo sobre um vírus através de megafones, mas não ouço bem. É por isso que não sei nada”.

Já Abdu Salaam, de 70 anos, que tem limitações motoras e queixa-se de não aceder aos cuidados devidos, referiu: “Não ouvi nada de novo, apenas as pessoas a dizer que ‘está a chegar uma doença, precisamos de rezar'”.

Na ausência de informação médica relevante, a família de pelo menos um idoso entrevistado tinha recorrido à compra de um medicamento, não testado, para “salvá-los” do vírus.

Mais respostas em tempos de pandemia

As organizações humanitárias precisam de utilizar as redes de voluntários rohingya que podem levar, de abrigo em abrigo, informações às pessoas mais velhas e ouvir as suas necessidades, com maior foco naquelas que vivem sozinhas ou que são os principais cuidadores de crianças pequenas. Neste trabalho, os voluntários devem ser cuidadosamente formados para garantir que não expõem os idosos a possíveis contágios, mantendo a maior distância possível durante as visitas.

Os doadores, a ONU e as organizações humanitárias devem agir com urgência para assegurar a implementação de medidas preventivas, garantindo que os mais velhos tenham acesso a água, saneamento, alimentação, cuidados de saúde e medicamentos.

“As pessoas deslocadas mais velhas enfrentam uma combinação terrível: são o grupo com maior risco de contrair COVID-19 e também são o grupo menos incluído na resposta humanitária. A invisibilidade deles deve terminar agora”

Matt Wells, diretor-adjunto da equipa de resposta a crises da Amnistia Internacional

No passado dia 31 de março, as farmácias continuavam abertas nos campos de refugiados, apesar de muitas lojas terem sido fechadas para reduzir os riscos associados às multidões. Qualquer decisão no sentido de encerrar as farmácias deve incluir medidas que garantam alternativas aos idosos.

Os desafios atuais nas instalações próximas a Cox’s Bazar, durante a pandemia do COVID-19, mostram como a ONU e os doadores internacionais parecem estar a replicar o mesmo erro. O plano de resposta humanitária da ONU face à COVID-19 não inclui as pessoas idosas como um “grupo populacional mais afetado e em risco”. Em vez disso, a “velhice” foi incluída no final de uma lista de “condições” enquadradas como “pessoas que sofrem de …”. Esta decisão subvaloriza os riscos da COVID-19 para este grupo específico e alimenta uma ideia discriminatória de que a idade é algo do qual “se padece”.

“As pessoas deslocadas mais velhas enfrentam uma combinação terrível: são o grupo com maior risco de contrair COVID-19 e também são o grupo menos incluído na resposta humanitária. A invisibilidade deles deve terminar agora. Governos, doadores e organizações humanitárias devem colocar as pessoas idosas no centro do planeamento e da resposta, para minimizar as consequências mortais desta pandemia global ”, defende Matt Wells.

 

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