25 Outubro 2022

 

  • Duas ativistas enfrentam processos de difamação e intimidação por manifestaram publicamente a sua preocupação sobre o impacto ambiental das centrais hidroelétricas da empresa bósnia BUK (que é totalmente detida pela companhia belga Green Invest) no rio Kasindolska.
  • A construção de centrais hidroelétricas da empresa BUK foi contestada por Sunčica Kovačević e Sara Tuševljak, que sublinharam a desflorestação descontrolada e a erosão do solo como potenciais danos ambientais irreparáveis

A Amnistia Internacional insta a BUK, empresa hidroelétrica bósnia totalmente detida pela companhia belga Green Invest, a pôr um fim aos processos de difamação que moveu contra duas ativistas bósnias que manifestaram publicamente a sua preocupação quanto ao impacto ambiental das centrais hidroelétricas da empresa no rio Kasindolska. A BUK contém uma pequena central hidroelétrica e planeia construir outras duas ao longo do rio.

Sunčica Kovačević e Sara Tuševljak foram processadas após terem contestado as licenças ambientais concedidas à empresa em meio público, por terem erguido a sua voz para abordar os potenciais danos irreparáveis ao rio e ao seu ecossistema circundante, como a desflorestação descontrolada e a erosão do solo. Por esta razão, no início deste ano, a BUK moveu três ações por difamação contra Sunčica e Sara, pedindo 7.500 euros pelos danos causados e ameaçando com novas ações legais se os ativistas continuassem a falar publicamente sobre o assunto.

“Testemunhámos, vezes sem conta, como as corporações poderosas tentam intimidar quem se pronuncia contra os seus planos. Face ao escrutínio público, muitas empresas apresentam alegações falsas ou abusivas para silenciar vozes críticas e desencorajar mais debates sobre assuntos de importância pública. Sunčica e Sara enfrentam processos sem fundamento, apenas por terem criticado publicamente os potenciais efeitos da construção destas barragens no rio junto ao qual cresceram” recorda Eve Geddie, diretora do Gabinete das Instituições Europeias da Amnistia Internacional.

“Face ao escrutínio público, muitas empresas apresentam alegações falsas ou abusivas para silenciar vozes críticas e desencorajar mais debates sobre assuntos de importância pública”

Eve Geddie

A Amnistia Internacional analisou documentos legais e outros materiais relacionados com os casos e concluiu que os processos judiciais apresentam caraterísticas das Ações Estratégicas Contra a Participação Pública (SLAPPs), como soluções violentas e desproporcionadas procuradas pela corporação e uma aparente tentativa de aproveitar o seu poder económico e político para silenciar os ativistas.

“Sunčica e Sara integram o número crescente de jovens ativistas em todo o país que se fazem ouvir contra a exploração aparentemente descontrolada dos recursos naturais por empresas multinacionais. O seu apelo exulta à avaliação dos riscos a longo prazo destes projetos energéticos pelas autoridades, por uma consulta prévia da população diretamente afetada, e por uma maior supervisão sobre os projetos de desenvolvimento que não estabeleça exclusivamente os lucros como prioridade”, revela Eve Geddie.

“Sunčica e Sara integram o número crescente de jovens ativistas em todo o país que se fazem ouvir contra a exploração aparentemente descontrolada dos recursos naturais por empresas multinacionais”

Eve Geddie

“O que agrava a situação é estas alegações de difamação infundadas serem provenientes de uma empresa belga sem qualquer interesse no ambiente ou na vida aqui. Ninguém pertencente a esta companhia passou a sua vida neste rio: não apreciaram a sua beleza, nem têm ideia do que a construção de pequenas centrais hidroelétricas fez ao rio e à floresta em seu redor. A nossa sensação é a de que uma empresa estrangeira reivindica mais direitos sobre o rio do que nós, que aqui nascemos e aqui permanecemos “, declara Sunčica Kovačević, uma das ativistas.

“A Green Invest e a sua filial na Bósnia devem retirar imediatamente estes processos, e permitir ainda que a população discuta livremente o impacto que as suas centrais hidroelétricas terão sobre a vida da comunidade local. As autoridades da Bósnia-Herzegovina devem garantir um ambiente seguro e propício à partilha e debate das preocupações dos defensores ambientais, sem que os mesmos se sintam reprimidos pelo receio de repercussõeslegais. É fundamental proteger os ativistas e jornalistas do uso vexatório da lei”, salienta Eve Geddie.

“A nossa sensação é a de que uma empresa estrangeira reivindica mais direitos sobre o rio do que nós, que aqui nascemos e aqui permanecemos”

Sunčica Kovačević

Ações Estratégicas Contra a Participação Pública são barreira à intervenção dos cidadãos

As SLAPPs são ações judiciais que procuram silenciar ou intimidar aqueles que criticam ou expõem publicamente as irregularidades dos detentores do poder, como o são, por exemplo, vários governos e empresas. As SLAPPs restringem indevidamente os direitos à liberdade de expressão, e de reunião e associação pacífica, tendo o objetivo de desencorajar o público a expor uma conduta imprópria dos detentores do poder.

Habitualmente, as SLAPPs atuam através de medidas violentas e desproporcionadas, com a intenção de intimidar ou silenciar vozes críticas sobre questões de interesse público, tais como o ambiente. São cada vez mais utilizadas para amordaçar o trabalho de múltiplos defensores de direitos humanos e jornalistas em toda a Europa.

“As acusações de difamação infundadas que Sunčica e Sara enfrentam, enquadram-se numa tendência crescente – por parte de poderosas corporações e funcionários – de utilização indevida do sistema de justiça para intimidar defensores de direitos humanos e para se protegerem do escrutínio público. As SLAPPs podem ter um efeito potencialmente devastador no debate público e criar um ambiente cada vez mais hostil para quem ousa pronunciar-se sobre questões de interesse público, como os jornalistas, defensores de direitos humanos e organizações da sociedade civil”, refere Eve Geddie.

“As acusações de difamação infundadas que Sunčica e Sara enfrentam, enquadram-se numa tendência crescente – por parte de poderosas corporações e funcionários – de utilização indevida do sistema de justiça para intimidar defensores de direitos humanos”

Eve Geddie

 

Contexto

Num esforço para substituir as suas antigas centrais eléctricas alimentadas a carvão, a Bósnia e Herzegovina optou pela construção de centrais hidroelétricas. Incentivadas pelos créditos disponíveis para projetos renováveis, as autoridades nacionais ofereceram generosos subsídios para encorajar mais investimentos no setor. No entanto, as leis que protegem o ambiente encontram-se enfraquecidas ou estão a ser aplicadas de forma duvidosa, o que, a par com as instituições debilitadas, tem fomentado a expansão descontrolada de projetos que priorizam os lucros ao ambiente.

As leis que protegem o ambiente encontram-se enfraquecidas ou estão a ser aplicadas de forma duvidosa, o que, a par com as instituições debilitadas, tem fomentado a expansão descontrolada de projetos que priorizam os lucros ao ambiente

Após observarem o que acreditaram ser a desflorestação excessiva na área protegida e a erosão do solo associada à construção de estradas de acesso às centrais hidroelétricas, Sunčica Kovačević e Sara Tuševljak levantaram preocupações sobre o impacto ambiental deste projeto e questionaram a legalidade das licenças ambientais que foram emitidas à BUK pelas autoridades.

Sunčica Kovačević e Sara Tuševljak pertencem a um grupo de ativistas e membros da comunidade local que se tem oposto à construção de pequenas centrais hidroelétricas no rio Kasindolska desde 2017. O grupo organizou protestos pacíficos, conferências de imprensa, uma iniciativa civil que obteve mais de 2.000 assinaturas contra a construção das pequenas centrais hidroelétricas, e uma exposição fotográfica que expunha como o rio se alteraria com o desenvolvimento de projetos como estas centrais. A sua campanha foi apoiada pelos presidentes de câmara dos três municípios afetados.

As SLAPPs são cada vez uma ameaça mais evidente à liberdade de expressão e de reunião pacífica na Europa. A Amnistia Internacional congratula-se com os esforços em curso na União Europeia e no Conselho da Europa para adotar iniciativas que previnam e combatam os efeitos das SLAPPs. Estas iniciativas tem o objetivo de oferecer proteção contra as SLAPPs, por exemplo, assegurando que os tribunais possam identificar e arquivar rapidamente processos judiciais infundados ou abusivos no início do processo; prescrever sanções para os litigantes que abusem da lei com a intenção de silenciar ou intimidar vozes críticas; e fornecer garantias processuais, como assistência jurídica gratuita e vias de recurso eficazes para as vítimas de ações SLAPPs.

Mais de 140 organizações nacionais e internacionais expressaram recentemente o seu apoio às duas ativistas bósnias e as suas preocupações quanto aos processos por difamação infundados numa carta aberta ao Embaixador da Bélgica na Bósnia-Herzegovina e ao Chefe da Delegação da União Europeia no país.

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