11 Junho 2015

Cada uma das 950 chicotadas que as autoridades sauditas planeiam infligir a Raif Badawi constitui uma ameaça à liberdade de expressão e zomba das obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo país, avisa a Amnistia Internacional face ao receio de que a flagelação pública do blogger e ativista dissidente possa recomeçar após a confirmação da sentença feita pelo Supremo Tribunal da Arábia Saudita. A organização de direitos humanos confirmou entretanto que Raif Badawi não foi flagelado esta sexta-feira, 12 de junho, sem que tenha sido avançada qualquer razão oficial pelas autoridades.(atualização a 12 de junho de 2015)

Este receio foi fortalecido com o anúncio feito no passado fim-de-semana que o Supremo Tribunal da Arábia Saudita confirmara a sentença proferida a Raif Badawi, de dez anos de prisão e 1.000 chicotadas, ficando aqui a decisão transitada em julgado, sem mais nenhuma instância judicial de recurso.

“Ao fim de cinco meses a desfalecer atrás das grades desde que foi submetido à sessão anterior de flagelação pública [a 9 de janeiro], a ameaça iminente de que o cruel e desumano castigo recomece está bem presente para Raif Badawi. Ao confirmar esta sentença horrível, em desafio flagrante da proibição internacional da tortura e outros maus-tratos, o Supremo Tribunal saudita deixou bem claro que as autoridades não estão a fazer justiça, antes a tentar fazer de Raif Badawi um exemplo e eviscerar por completo a liberdade de expressão”, critica o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Said Boumedouha.

O perito da organização de direitos humanos lembra que “milhões de apoiantes da Amnistia Internacional, ativistas, jornalistas e líderes políticos pelo mundo inteiro fizeram-se ouvir de forma bem audível, dizendo que Raif Badawi é um prisioneiro de consciência que tem de ser liberto imediatamente e de forma incondicional”. “Esta punição cruel e chocante tem de ser parada, e as autoridades têm de anular a condenação e a sentença proferidas contra Raif Badawi”, prossegue o vice-diretor do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

O blogger e ativista saudita foi condenado em maio de 2014 por ter criado e gerir um fórum de discussão online e por ter “insultado o Islão”. Sofreu as primeiras 50 chicotadas numa praça pública na cidade de Jidá, a 9 de janeiro, mas as sessões subsequentes foram adiadas, inicialmente devido a recomendações médicas e posteriormente sem ser apresentada nenhuma razão pelas autoridades.

A mulher de Raif Badawi, Ensaf Haidar, e os três filhos do casal vivem exilados no Canadá, a partir de onde Ensaf tem mantido uma intensa campanha em defesa da libertação do marido.

“O mês sagrado do Ramadão, que está prestes a começar, é tradicionalmente um momento para a libertação de prisioneiros. E, assim, instamos o rei Salman a usar esta ocasião para libertar Raif Badawi e reuni-lo com a família, que também sofreu profundamente com cada passo brutal do seu julgamento e pena injustos”, frisa Said Boumedouha.

Arábia Saudita está vinculada à proibição de tortura

A Arábia Saudita, que é Estado-parte da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, está legalmente vinculada à proibição absoluta de tortura e outras punições cruéis, desumanas e degradantes, como é o caso da flagelação. A proibição de tortura é uma norma perentória da lei internacional, que vincula todos os Estados.

O Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos descreve a flagelação como “no mínimo, uma forma de punição cruel e desumana (…) proibida pela lei internacional de direitos humanos, em particular pela Convenção contra a Tortura, que a Arábia Saudita ratificou”.

Líderes políticos nos Estados Unidos, país aliado estratégico da Arábia Saudita, consideraram a pena de Raif Badawi como “desumana”, e líderes da União Europeia comprometeram-se a interpelar as autoridades daquele reino do Golfo para que garantam que a liberdade de expressão para todos é respeitada.

Num comunicado oficial emitido a 7 de março de 2015, o Ministério saudita dos Negócios Estrangeiros expressou “surpresa e consternação” face à campanha internacional em defesa da libertação de Raif Badawi. Nesse comunicado era sublinhado que “o reino rejeita inequivocamente qualquer agressão feita sob o pretexto de direitos humanos”.

O Governo da Arábia Saudita tem sistematicamente asfixiado todo o ativismo de direitos humanos no país ao longo dos últimos três anos, e muito ao abrigo da legislação “antiterrorismo” que foi adotada em fevereiro de 2014.

O advogado de Raif Badawi, Waleed Abu al-Khair, foi o primeiro defensor de direitos humanos no país a ser condenado à luz daquela nova legislação.

As autoridades sauditas continuam a manipular a lei para reprimir o ativismo de direitos humanos e a liberdade de expressão, enquanto governos ocidentais alardeiam a sua forte aliança com a Arábia Saudita no combate ao terrorismo, incluindo contra o grupo armado jihadista autodenominado Estado Islâmico.

Jidá, segunda maior cidade da Arábia Saudita, foi anfitriã, a 3 e 4 de junho passado, da quinta sessão do Processo de Istambul, fórum criado para delinear medidas práticas de combate à intolerância religiosa. Uma das premissas deste trabalho é justamente a importância de garantir a liberdade de opinião e de expressão como cruciais no exercício do direito de liberdade religiosa.

Ironicamente, a apenas algumas centenas de metros do local onde decorreu aquela conferência, Raif Badawi permanecia preso numa cela e o Supremo Tribunal da Arábia Saudita deliberava o seu juízo de confirmação da sentença contra ele proferida por ter exercido pacificamente o direito de liberdade de expressão.

 

Junte-se à petição da Amnistia Internacional, apelando ao rei saudita para que Raif Badawi seja libertado: assine! Ajude também a dar força à campanha pela libertação de Raif Badawi, enviando tweets a quatro entidades sauditas, incluindo o rei Salman, e ao Governo português – todos os detalhes desta ação no Twitter, aqui.

 

Artigos Relacionados