25 Fevereiro 2021

 

  • Floresta tropical em risco, um ano depois de terem sido proibidas as patrulhas de defensores ambientais
  • Projeto energético ameaça ainda mais a região
  • Autoridades cancelam cerimónia das comunidades locais marcada para hoje

 

A extração ilegal de madeira em larga escala e a repressão ao ativismo ambiental estão entre as principais ameaças à floresta tropical de Prey Lang, no Camboja, alerta a Amnistia Internacional, no dia que se assinala um ano da proibição de entrada dos defensores ambientais na área do Santuário de Vida Selvagem.

“As autoridades cambojanas devem permitir que estes defensores ambientais retomem as suas patrulhas e realizem o seu trabalho vital de prevenção da destruição de uma das florestas tropicais mais importantes do mundo”

Richard Pearshouse, diretor de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional

Imagens e dados de monitorização remota recentes, analisados pelo Crisis Evidence Lab da Amnistia Internacional, revelam que a extração ilegal de madeira – a principal causa da desflorestação em Prey Lang – continua a um ritmo acelerado, em larga escala, sendo ainda possível constatar a existência de novas estradas dentro da área protegida.

“Enquanto as autoridades cambojanas impedem a Rede Comunitária de Prey Lang e os defensores ambientais de protegerem o Santuário de Vida Selvagem de Prey Lang, os madeireiros ilegais estão desflorestar impunemente”, alerta o diretor de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional, Richard Pearshouse.

“As autoridades cambojanas devem permitir que estes defensores ambientais retomem as suas patrulhas e realizem o seu trabalho vital de prevenção da destruição de uma das florestas tropicais mais importantes do mundo, que está a desaparecer diante dos nossos olhos”, acrescenta.

Na semana passada, o Ministério do Ambiente rejeitou um pedido da Rede Comunitária de Prey Lang para a realização, esta quinta-feira, da tradicional cerimónia anual de bênção da árvore, em Prey Lang. Os membros da organização – a maioria é composta por indígenas Kuy – já tinham sido impedidos à força de celebrar o evento, no último ano, e desde então foram proibidos de entrar no Santuário de Vida Selvagem para conduzir as suas patrulhas comunitárias. Esta repressão contínua coloca em causa os esforços para proteger Prey Lang e os direitos dos povos indígenas.

Prey Lang é a maior floresta perene das terras baixas do Sudeste Asiático, com aproximadamente 500 mil hectares, abrangendo quatro províncias do Camboja. Em 2016, foi designada Santuário de Vida Selvagem.

Mais de 250 mil pessoas vivem dentro ou nas imediações de Prey Lang – a maioria das quais identifica-se como indígena Kuy. A floresta é uma parte crucial da vida, cultura e espiritualidade deste povo.

Extração ilegal de madeira

A análise das imagens de satélite mostra uma tendência preocupante de extração ilegal de madeira. Registos datados de 5 de fevereiro de 2021 revelam vários troncos empilhados numa área desflorestada recentemente, nos arredores de Prey Lang. Além disso, é possível verificar a existência de novas estradas de acesso que não eram visíveis em imagens anteriores, de janeiro de 2020.

Alertas criados pela Universidade de Maryland em parceria com a Global Forest Watch mostram a desflorestaçãogeneralizada em 2020 e no início de 2021. Dados da Universidade de Maryland indicam ainda que Prey Lang perdeu7511 hectares de cobertura arbórea, em 2019, o que se traduz num aumento de 73 por cento em relação ao ano anterior.

Relatórios da Rede Comunitária de Prey Lang indicam que a extração de madeira para segmentos de luxo é responsável por praticamente todas as atividades ilegais registadas durante as ações de patrulhamento das comunidades locais. A legislação cambojana proíbe o corte de árvores em áreas protegidas, impondo sanções mais elevadas para o abate de árvores ameaçadas ou muito procuradas.

Repressão de ativistas

Os defensores ambientais têm sido sistematicamente perseguidos pelas autoridades cambojanas. No início deste mês, funcionários do Ministério do Meio Ambiente detiveram arbitrariamente cinco pessoas, incluindo o conhecidoativista Ouch Leng, numa altura em que se encontravam a investigar a extração ilegal de madeira em Prey Lang. Só três dias depois conseguiram sair em liberdade, mas para isso tiveram de assinar um documento em que declaravam que não voltariam a entrar na floresta sem a autorização do governo.

Vários grupos, nos quais se inclui a Rede Comunitária de Prey Lang, foram ameaçados de acusações de que estão a operar de forma ilegal por não estarem registados sob a amplamente criticada Lei de Associações e Organizações Não-Governamentais do Camboja. Desde a sua introdução, em 2015, o diploma tem sido utilizado para restringir o trabalho e punir atores independentes da sociedade civil. A exigência de registo obrigatório viola as obrigações internacionais de direitos humanos do país.

“Devem existir alternativas viáveis que protejam Prey Lang, bem como os direitos humanos dos povos indígenas e das comunidades locais”

Richard Pearshouse, diretor de Crises e Meio Ambiente da Amnistia Internacional

Nos últimos meses, as autoridades também visaram jovens ativistas, através de detenções arbitrárias. No dia 4 de setembro de 2020, três defensores ambientais do grupo Mother Nature Cambodia – Thun Ratha, Long Kunthea e Phuong Keorasmey – foram detidos e acusados ​​de “incitamento”. Todos são reconhecidos como prisioneiros de consciência pela Amnistia Internacional e permanecem em prisão preventiva.

A legislação cambojana e o direito internacional dos direitos humanos garantem o direito das comunidades locais e dos povos indígenas de participar na gestão sustentável e na conservação das áreas protegidas. O mesmo acontece em relação a tradições, costumes locais, crenças e religiões.

“As autoridades cambojanas devem acabar com a perseguição implacável de defensores e organizações ambientais e indígenas”, afirma a diretora-adjunta de Investigação da Amnistia Internacional para a Ásia-Pacífico, Emerlynne Gil, que apela ainda à capacitação dos grupos comunitários para que continuem seu trabalho “livre de interferências”.

Os riscos de um novo projeto

Em dezembro de 2020, o Ministério das Minas e da Energia do Camboja assinou um acordo para a construção de uma linha de transmissão de energia de 299 km, entre Phnom Penh e a fronteira com o Laos. O projeto pode implicarnovas ações de desflorestação, já que vai dividir Prey Lang em duas partes.

“As autoridades devem cancelar este projeto da linha de transmissão porque vai atravessar o coração de Prey Lang e, em vez disso, optar por rotas alternativas que não destruam ainda mais a floresta. Devem existir alternativas viáveis que protejam Prey Lang, bem como os direitos humanos dos povos indígenas e das comunidades locais”, aponta Richard Pearshouse.

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