6 Novembro 2022

A Amnistia Internacional publicou um briefing que ilustra a devastação que a crise climática já está a causar por todo o mundo, com relatos de vítimas das alterações climáticas, enquanto decorre a Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP27), em Sharm El-Sheikh, no Egito.

A organização está a apelar a todos os estados da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC) para que atualizem as suas metas de emissões para 2030, a fim de assegurarem que estão alinhadas com a manutenção do aumento médio da temperatura global abaixo de 1,5°C.

A Amnistia Internacional considera que os Estados devem comprometer-se a eliminar rapidamente a utilização e produção de combustíveis fósseis sem dependerem de “atalhos” prejudiciais e não comprovados, como os mecanismos de remoção de carbono, e estabelecer um fundo de perdas e danos para que as pessoas cujos direitos tenham sido violados pela crise climática sejam reparadas.

“A crise climática já está aí – no entanto, a maioria dos governos optou por manter a forte aposta na indústria dos combustíveis fósseis, estabelecendo metas de emissões inadequadas”

Agnès Callamard

“A COP27 surge na sequência de um Verão aterrador, com alterações preocupantes no Ártico, ondas de calor abrasador devastaram a Europa, e as inundações submergiram enormes extensões do Paquistão e da Austrália. Em suma, a crise climática já está aí – no entanto, a maioria dos governos optou por manter a forte aposta na indústria dos combustíveis fósseis, estabelecendo metas de emissões inadequadas”, disse Agnès Callamard, Secretária-Geral da Amnistia Internacional.

“Estas falhas significam que estamos atualmente a caminhar para um aquecimento global superior a 2,5°C, um cenário que colocará a fome, os sem-abrigo, as doenças e os deslocamentos a multiplicarem-se a uma escala quase insondável. Estas violações já estão a acontecer em muitas partes do mundo”.

 

“Estou mais pobre a cada dia que passa”

O novo briefing da Amnistia Internacional, “Qualquer onda pode afogar-nos: Histórias da crise climática”, apresenta estudos de casos com sete comunidades marginalizadas de todo o mundo, incluindo no Bangladesh, Fiji, Senegal, e no Ártico russo.

A Amnistia Internacional trabalhou com ativistas locais para entrevistar pessoas que inclusivamente as que vivem em alguns dos lugares mais vulneráveis às alterações climáticas.

No Bangladesh, Dalits e povos indígenas Munda de comunidades costeiras empobrecidas e marginalizadas, explicaram como várias inundações obrigaram à reconstrução das suas casas repetidas vezes. As inundações também danificaram as infraestruturas de água e saneamento, deixando as comunidades com água potável salgada e casas de banho inutilizáveis.

Os povos indígenas da região ártica de Yakutia vivem no extremo nordeste da Rússia, onde a temperatura média subiu 2-3°C nos últimos anos. Isto provocou o degelo do subsolo, intensificando os incêndios e levando à perda de biodiversidade.

“O tempo imprevisível tem um impacto severo no modo de vida dos povos indígenas, como explicou um homem Chukcha: “O clima é essencial para o modo de vida tradicional dos povos indígenas. Com base nos padrões meteorológicos, determinamos onde as renas pastarão, onde montar um acampamento entre migrações, quando virá a tempestade de neve, quando e onde os animais, aves e peixes migrarão”.

No Quebec, Canadá, o povo indígena Innu da comunidade de Pessamit enfrenta ameaças semelhantes. O aumento das temperaturas levou à redução do gelo costeiro e outras alterações climáticas que afetaram gravemente o modo de vida da comunidade. Por exemplo, o facto de os lagos não congelarem no Inverno significa que a população idosa é menos capaz de viajar no seu território ancestral.

Os estudos também revelam como as pessoas que enfrentam perdas e danos devido às alterações climáticas são muitas vezes deixadas à sua sorte após desastres, forçando-as a contrair empréstimos exorbitantes, migrar, cortar na compra de alimentos, ou retirar os seus filhos da escola.

“Eu costumava poder mandar o meu filho à escola,mas agora não tenho esse luxo, estou mais pobre a cada dia que passa”, disse um pescador que vive na zona do Golfo de Fonseca, nas Honduras, que foi vítima de inundações e ciclones.

 

“Não somos ouvidos”

Alguns entrevistados partilharam informações sobre estratégias de adaptação que desenvolveram. Estas proporcionam aprendizagens importantes para o resto do mundo e sublinham a importância de incluir as comunidades mais afetadas no desenvolvimento de ferramentas para enfrentar a emergência climática. Por exemplo, a comunidade indígena Pessamit, no Quebeque, Canadá, iniciou projetos para proteger o salmão e o caribu.

“Nos últimos dez ou doze anos, a caça comunitária ou mesmo individual do caribu tem sido proibida”, explicou Adelard Benjamin, coordenador do projecto Território e Recursos em Pessamit.

 Para o povo Pessamit, os impactos das alterações climáticas e da degradação ambiental entrincheiraram desigualdades causadas por longas histórias de colonialismo, racismo e discriminação.

 “Somos consultados por causa disso. Propomos novas formas de fazer as coisas, mas não somos ouvidos. Não somos levados a sério”, disse Eric Kanapé, conselheiro ambiental para a comunidade Pessamit.

A Langue de Barbarie é uma península de areia perto da cidade senegalesa de Saint Louis, onde cerca de 80 mil pessoas vivem em aldeias piscatórias densamente povoadas, com elevado risco de inundações. A erosão costeira levou à perda de até 5-6 metros de praia todos os anos.

Os entrevistados em Saint Louis desenvolveram várias das suas próprias iniciativas para lidar com a crise climática. Por exemplo, um projeto liderado pela comunidade ajuda os locais afetados pela subida do nível do mar a construírem casas e a criarem atividades de reciclagem geradoras de rendimentos. Outros criaram um fundo de solidariedade comunitária para ajudar as pessoas em tempos difíceis.

A falta de medidas de apoio e de soluções eficazes para as perdas e danos causados pelas alterações climáticas é uma grande injustiça. Os países ricos que mais contribuíram para as alterações climáticas, e aqueles com mais recursos, têm uma obrigação acrescida de proporcionar reparação. Na COP27, isto deve começar com um acordo para estabelecer um fundo de perdas e danos e compromissos de fundos adequados dedicados para esse fim.

 

Última oportunidade

A Amnistia está presente na COP27, em Sharm El-Sheikh, Egipto, que decorre até 19 de Novembro.  A organização apela a todos os governos para que garantam urgentemente que as suas metas de emissões para 2030 sejam compatíveis com a manutenção do aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.

O cumprimento da meta de 1,5°C mitigaria alguns dos piores impactos das alterações climáticas, mas a janela para o fazer está a fechar-se rapidamente. Apesar da decisão da COP26 do Pacto Climático de Glasgow, que solicita a todos os Estados que reforcem as suas metas para 2030, apenas 22 países apresentaram promessas atualizadas em 2022. Além disso, a maioria das políticas nacionais que estão atualmente a ser implementadas são inadequadas para cumprir as promessas dos países.

Os Estados ricos devem apresentar um plano claro para aumentar as suas contribuições para o financiamento climático, de modo a poderem cumprir coletivamente o objetivo há muito esperado de angariar pelo menos 100 mil milhões dólares anualmente, para ajudar os países de menor rendimento a eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e a aumentar as medidas de adaptação. Além disso, os países ricos devem assegurar a rápida disponibilização de novos financiamentos para apoiar e remediar as comunidades que sofreram graves perdas e danos causados pelos efeitos das alterações climáticas.

A participação da sociedade civil na COP27 é gravemente ameaçada pela repressão das autoridades egípcias durante anos sobre os direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica que a Amnistia Internacional tem vindo a documentar. Todos os Estados participantes na COP27 devem pressionar o governo egípcio para proteger o espaço cívico e garantir o contributo significativo das ONG e dos povos indígenas.

“Estamos a viver um fenómeno natural causado pelo aquecimento global e, causado por nós próprios, por não obedecermos aos danos ecológicos que fizemos”, disse um residente de Punta Ratón, nas Honduras. “Agora temos de cuidar do que resta para as gerações vindouras”.

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