17 Setembro 2015

 

Pelo menos nove pessoas e incluindo pelo menos quatro crianças que foram separadas dos familiares pela polícia húngara durante confrontos na vedação fronteiriça em Röszke têm de ser imediatamente libertas e reunidas com as famílias, insta a Amnistia Internacional na esteira do caos e uso de força policial a que se assistiu esta quarta-feira, 16 de setembro. O paradeiro destas pessoas é desconhecido mas crê-se que foram conduzidas pela polícia para um edifício de controlo de fronteiras nas proximidades.

“As famílias estão desesperadas por se reunirem aos filhos. As crianças não só passaram por uma experiência traumática na viagem até à fronteira e se viram confrontadas com o uso de força por parte da polícia, como, agora, perderam a segurança de estarem com os pais. As autoridades húngaras têm de entregar as crianças aos pais imediatamente”, frisa a diretora da Resposta em Crises da Amnistia Internacional, Tirana Hassan, que segue no terreno o que se passa na fronteira entre a Sérvia e a Hungria.

Este incidente ocorreu quando um grupo de refugiados avançou sobre a vedação que separa a Sérvia da Hungria e deitou abaixo uma secção da rede reforçada a arame farpado. A polícia do lado húngaro respondeu com recurso a gás pimenta e instalou-se o pânico. Algumas pessoas correram para longe do local, enquanto algumas mulheres e crianças caiam ao chão.

Testemunhas no local reportaram à Amnistia Internacional que a polícia húngara pegou numa mulher e no filho desta e as levaram dali. Um homem, que tinha uma criança de oito anos, descreveu aos investigadores da Amnistia Internacional: “Levaram-me o filho para longe de mim, quando eu o segurava pela mão, e desde então que não sei dele”.

A Amnistia Internacional viu polícias húngaros a dirigirem-se a um outro homem, pai de duas crianças, de seis e oito anos, o qual procurava ajuda para as encontrar depois de as ter perdido no caos. A polícia reagiu dando-lhe empurrões, assim como ao funcionário do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR, UNHCR na sigla em inglês) que com ele conversava. Ambos foram empurrados pela polícia com os bastões a pressionarem-lhes as costas.

Presos numa terra de ninguém

Este brutal episódio junto à cidade húngara de Röszkee, ilustra bem o desespero que os refugiados estão a viver atualmente nas zonas de fronteira entre a Sérvia e a Hungria: presos numa “terra de ninguém” perante o falhanço total da assistência humanitária.

Mais de mil pessoas – em que se incluem muitas famílias que fogem dos conflitos na Síria, no Afeganistão e no Iraque – continuavam retidos esta quarta-feira, 16 de setembro, em condições terríveis e num ritmo de deterioração alarmante ao longo de uma via rápida em território da Sérvia junto à fronteira com a Hungria, depois de as autoridades húngaras terem fechado a passagem entre os dois países no dia anterior. A Amnistia Internacional estava a monitorizar a situação junto à cidade sérvia de Horgoš.

As organizações e agências de ajuda humanitária – incluindo o próprio ACNUR – têm estado praticamente ausentes e a única resposta dada pelas autoridades sérvias tem sido a de enviar uma mão cheia de polícias para a zona fronteiriça. Centenas de refugiados dormiam ao relento na via-rápida que foi fechada ao trânsito, apenas com a ajuda prestada por voluntários locais e um acesso muito restrito a alimentos, água canalizada e sanitários.

“Os refugiados com os quais falámos descrevem a indignação e o sentimento de incerteza que têm, presos num limbo e imersos numa total falta de informação. Estas pessoas estão de facto presas numa terra de ninguém entre a zona fronteiriça sérvia e a vedação de fronteira construída pela Hungria”, avança frisa a diretora da Resposta em Crises da Amnistia Internacional que integra a missão em Horgoš.

Tirana Hassan conta que “há ainda mais refugiados a chegarem e a situação deteriora-se muito rapidamente”. “As autoridades sérvias e a União Europeia [EU] sabiam que isto ia acontecer e mesmo assim não deram a resposta necessária, o que significa que centenas das mais vulneráveis pessoas estão agora encurraladas entre o arame farpado e o abismo de não saberem o que vem a seguir”, prossegue a perita.

Dormir ao relento, sem comida, nem água

A equipa da Amnistia Internacional entrevistou uma mulher afegã com dois filhos, incluindo um rapaz de oito anos com cancro. Desde que a fronteira húngara foi fechada, dormem ao relento e não têm quase nada: a bebé desta mulher nem sequer tem sapatos. O mais precioso bem a que se agarra são os relatórios médicos do filho.

A região junto à fronteira é de campo aberto ao longo da autoestrada, pelo que não há abrigos nem onde arranjar alimentos, além de um muito limitado acesso a água canalizada e a sanitários. Os refugiados fazem o que podem para manter a situação sob controlo, mas as condições em que se encontram são extremamente difíceis – um sinal improvisado, escrito em árabe e em inglês, pedia que as pessoas que ali se encontram “não poluam as proximidades do campo com excrementos”.

Todos quantos têm tendas estão a dar-lhes uso, mas centenas de pessoas dormem ao relento na via-rápida ou à beira da estrada. A Amnistia Internacional falou com uma família de dez pessoas, oriunda da Síria, que tinha uma só tenda e, por isso, só as crianças dormiam ali abrigadas. Outras famílias não têm nada com que se abrigar ou cobrir e dormem ao ar; alguns procuram refúgio algures na mata em redor da estrada.

A resposta humanitária tem sido pontual, sem nenhum esforço coordenado por parte do Governo sérvio. Há voluntários que distribuem leite e alguns produtos essenciais, mas isto é uma gota no oceano das necessidades que existem em termos de assistência humanitária. As pessoas não têm ali acesso aos serviços e bens mais cruciais e veem-se incapazes até de conseguir alimentar as suas famílias – o que é mais uma afronta à sua dignidade.

Os investigadores da Amnistia Internacional testemunharam a presença de um vasto número de pessoas extremamente vulneráveis, incluindo muitas com deficiências, que não estão a receber assistência especializada de tipo nenhum. Uma rapariga de 16 anos numa cadeira de rodas, oriunda da cidade síria de Kobane, descreveu que ela e a irmã não puderam alojar-se num hotel porque não tinham documentos de identificação e viram-se forçadas a passar a noite num campo improvisado, onde uma família acabou por as acolher e partilhar com elas a pequena tenda que possuíam.

Quem está encurralado na fronteira entre a Sérvia e a Hungria parece não ter nenhuma informação sobre o que virá a seguir.

As pessoas que os investigadores ouviram repetidamente explicaram que não estão interessados em receber ajuda a longo prazo; querem é trabalhar e viver em condições dignas e contribuir como membros da sociedade. Muitos disseram à equipa da Amnistia Internacional que não querem estar nesta situação – simplesmente têm de estar nela, não têm nenhuma outra opção.

“Aquilo a que estamos a assistir ao longo da fronteira é a centenas de homens, de mulheres e de crianças a sofrerem as terríveis consequências da chocante falta de humanidade das autoridades húngaras na decisão de fechar e militarizar a fronteira”, critica Tirana Hassan. “As autoridades sérvias sabiam muito bem que isto ia acontecer e mesmo assim falharam miseravelmente em dar resposta. Milhares de pessoas em fuga da guerra estão à procura de proteção nos países da EU. E em vez de virem ao seu socorro, os Governos europeus estão a erguer cercas para que eles fiquem de fora e parecem não ser capazes de encontrarem soluções a longo prazo”, remata a perita da Amnistia Internacional em situações de crise.

 

A Amnistia Internacional tem em curso, desde 20 de março de 2014, a campanha SOS Europa, as pessoas acima das fronteiras, iniciativa de pressão global para que a União Europeia mude as políticas de migração e asilo, no sentido de minorar os riscos de vida que refugiados e candidatos a asilo correm para chegar à Europa, e garantir que estas pessoas são tratadas com dignidade à chegada às fronteiras europeias. A esta campanha está aliada uma petição que conta já com mais de 14.600 assinaturas em Portugal. Assine e partilhe!

 

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