28 Março 2024

O governo de El Salvador continua a ignorar as suas obrigações internacionais de direitos humanos. Dois anos depois de declarar o estado de emergência – que deveria ser extraordinário e temporário – e de implementar várias alterações à lei penal que comprometem o direito de defesa e outras garantias de um processo justo, o país mantém estas medidas na sua estratégia de segurança.

A suspensão de direitos que, de acordo com as normas internacionais, devem ser sempre garantidos – como o direito a um julgamento justo, o princípio da legalidade em matéria penal e a proibição da tortura e da discriminação – é uma decisão que não pode ser justificada em nenhuma circunstância ou contexto. É ainda uma decisão que tem ignorado, deliberadamente, as numerosas alegações de violações dos direitos humanos denunciadas por organizações da sociedade civil em El Salvador. Além disso, tem também desconsiderado as repetidas preocupações de organismos regionais e globais em relação à desproporcionalidade das medidas de emergência e do novo quadro jurídico, implementado desde o final de março de 2022.

“A insistência do governo de Nayib Bukele em manter o estado de emergência, as medidas desproporcionadas e a negação, minimização e ocultação das violações dos direitos humanos refletem a falta de vontade em respeitar e promover os direitos humanos. Demonstra também a incapacidade do governo em conceber medidas a longo prazo que abordem as causas profundas da violência e da criminalidade, sem forçar a população a escolher entre segurança e liberdade”, afirmou Ana Piquer, diretora da Amnistia Internacional para as Américas.

“[A decisão em manter o estado de emergência] demonstra a incapacidade do governo em conceber medidas a longo prazo que abordem as causas profundas da violência e da criminalidade, sem forçar a população a escolher entre segurança e liberdade”

Ana Piquer

Até fevereiro de 2024, tinham sido registados – pelas organizações locais de direitos humanos, relatórios dos meios de comunicação social e vítimas – 327 casos de desaparecimentos forçados e mais de 78.000 detenções arbitrárias, com um total de cerca de 102.000 pessoas privadas de liberdade no país. Nesta altura, El Salvador enfrentava uma situação de sobrelotação prisional de cerca de 148%, com pelo menos 235 mortes sob custódia do Estado.

“Em fevereiro de 2024, El Salvador enfrentava uma situação de sobrelotação prisional de cerca de 148%, com pelo menos 235 mortes sob custódia do Estado”

Ana Piquer

Além disto, existe ainda a precariedade e o risco acrescido que enfrentam os defensores de direitos humanos e as vozes dissidentes, dada a atual instrumentalização do regime para os criminalizar. De momento, as organizações locais registam 34 casos deste tipo. O último é o de Verónica Delgado, uma mãe à procura da sua filha desaparecida, que foi detida a 11 de março de 2024.

Lamentavelmente, a tendência do Estado salvadorenho para ocultar e deslegitimar as denúncias de violações de direitos humanos documentadas no país, faz prever que, durante o segundo mandato de Nayib Bukele, se possa assistir ao aprofundar da crise. Se nada mudar, a instrumentalização do processo penal e o estabelecimento de uma política de tortura no sistema penitenciário poderão persistir. E isso levaria a um aumento de mortes sob custódia do Estado e da precariedade da situação das pessoas privadas de liberdade.

“Sem qualquer tipo de avaliação e controlo dentro do país, e com uma reação tímida da comunidade internacional, criou-se a falsa ilusão de que o Presidente Bukele encontrou a fórmula mágica para resolver os problemas complexos da violência e da criminalidade de uma forma aparentemente simples. No entanto, não é possível reduzir a violência dos bandos substituindo-a pela violência do Estado. As autoridades salvadorenhas devem concentrar a resposta do Estado em políticas abrangentes que respeitem os direitos humanos e que procurem soluções a longo prazo”, conclui Ana Piquer.

“As autoridades salvadorenhas devem concentrar a resposta do Estado em políticas abrangentes que respeitem os direitos humanos e que procurem soluções a longo prazo”

Ana Piquer

Artigos Relacionados