12 Novembro 2014

Os Estados Unidos devem aproveitar a sua presença perante o Comité das Nações Unidas contra a Tortura para assumir um compromisso claro de justiça pelas graves violações de direitos humanos – incluindo o recurso à tortura e desaparecimentos forçados – cometidas por agentes do Estado nos anos recentes, sustenta a Amnistia Internacional.

O Comité contra a Tortura avalia esta semana em Genebra a conduta dos Estados Unidos à luz da Convenção da ONU contra a Tortura e Outros Tratamentos e Punições Cruéis, Desumanos ou Degradantes (UNCAT). As avaliações dos relatores são apresentadas esta quarta-feira, 12 de novembro, com os Estados Unidos a fazerem as suas declarações no dia seguinte.

“Os Estados Unidos proclamavam-se um líder mundial contra a tortura mesmo com práticas de tortura e desaparecimentos forçados a decorrerem e a serem autorizadas ao mais alto nível de governo durante a Administração de George W. Bush. E atualmente, os Estados Unidos reiteram o seu compromisso para com aos princípios da UNCAT apesar de continuarem a não levar à justiça os responsáveis pelos atos de tortura cometidos no passado”, sublinha o diretor do Programa Indivíduos em Risco da Amnistia Internacional Estados Unidos, Zeke Johnson, o qual está presente nestas audições em Genebra.

A Amnistia Internacional apresentou provas à Comissão sobre as falhas da Administração norte-americana em pôr fim à impunidade nesta matéria e a falta de compensações pelas violações de direitos humanos cometidas. Em que se incluem:

  • O recurso ao “water-boarding” – que consiste efetivamente numa simulação de execução através de afogamentos sucessivamente interrompidos – e outras designadas “técnicas intensas de interrogação”. Apesar de o ex-Presidente George W. Bush ter afirmado que autorizou pessoalmente o recurso a estas técnicas em detidos específicos, nunca foram feitas quaisquer investigações àquelas declarações.
  • Os programas de captura e detenção secretas da Central Intelligence Agency (CIA). Há provas convincentes que foram cometidas múltiplas violações de direitos humanos, incluindo crimes consagrados na legislação internacional, sobre as quais nada foi feito, antes acabando num beco sem saída, com os perpetradores a continuarem a gozar de impunidade.

Admnistrações de Bush e de Obama bloqueiam vias judiciais

“A falta de responsabilização é verdadeiramente chocante. A falta de verdade, de prestação de contas e de compensação no que toca ao recurso à tortura e a desaparecimentos forçados constitui uma ofensa séria ao Estado de direito e ao respeito pelos direitos humanos”, argumenta Zeke Johnson.

Tanto a Administração de Bush como a do Presidente Barack Obama mantiveram sob bloqueio as vias judiciais de compensação para aqueles que foram alegadamente submetidos a detenções ilegais, tortura e a outras violações flagrantes de direitos humanos.

Quando os Estados Unidos ratificaram a UNCAT, em 1994, fizeram-no com uma “reserva”, segundo a qual o país adere à proibição de tratamento cruel, desumano e degradante apenas até ao limite do que é consagrado nas leis e padrões legais norte-americanos.

“Foi a salvaguarda de um aqui se faz, aqui se paga”, aponta Zeke Johnson. “Os advogados da Administração Bush exploraram aquela reserva nos argumentos – repletos de falhas legais – que constam nos infames memorandos secretos que aprovaram as técnicas de interrogatório e as condições de detenção que violam os termos da UNCAT”, explica o perito.

Estando a assinalar-se o 30º aniversário da Convenção contra a Tortura, “este é seguramente o momento ideal para redobrar esforços para persuadir os Estados Unidos a cumprirem as suas obrigações internacionais de verdade, responsabilização e compensação pelas práticas de tortura. É mais do que chegada a hora para as autoridades norte-americanas respeitarem todas as cláusulas da convenção, sem quaisquer condições ou reservas”, defende ainda o diretor do Programa Indivíduos em Risco da Amnistia Internacional Estados Unidos.

Autoavaliação e oportunidade de redenção

A Amnistia Internacional insta também o Presidente Obama a tornar público o relatório do Comité Especial do Senado de Serviços Secretos, que permanece classificado como secreto. Crê-se que este documento contém ainda mais provas do recurso à tortura e outros maus-tratos cometidos sob autorização e autoridade presidencial.

A análise apresentada pela organização de direitos humanos ao Comité das Nações Unidas contra a Tortura inclui ainda recomendações sobre uma série de outros assuntos, como a questão da responsabilização por práticas de tortura cometidas pela polícia de Chicago, o recurso dos Estados Unidos a prisões em regime de solitária para milhares de presos por todo o país, o uso de armas de choques elétricos pelas forças policiais, a pena de morte, a pena perpétua sem possibilidade de liberdade condicional para os indivíduos menos de 18 anos.

Zeke Johnson recorda ainda que “a Administração de Obama acolheu esta apreciação do país pelo Comité contra a Tortura como uma oportunidade para os Estados Unidos fazerem alguma autoavaliação”. “Tal propósito tem também de ser garantia de que todos aqueles que autorizaram, executaram ou de alguma forma participaram em atos de tortura ou em desaparecimentos forçados são julgados. Os Estados Unidos não podem continuar a permitir que os responsáveis por estas práticas continuem a escapar-se de serem responsabilizados”, remata.

Esta é a terceira vez que os Estados Unidos são escrutinados pelao Comité das Nações Unidas contra a Tortura, tendo as anteriores ocorrido em 2000 e 2006 – até à data, o país continua a não ter cumprido o grosso das anteriores recomendações que lhe foram feitas pelo organismo.

 

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