11 Julho 2019

As consequências do trauma e as políticas governamentais que ignoram as necessidades das vítimas da violência com armas nos Estados Unidos da América (EUA) estão em foco no mais recente relatório da Amnistia Internacional. Intitulado Scars of survival: Gun violence and barriers to reparation in the USA (Cicatrizes da sobrevivência: Violência com armas e barreiras à reparação nos EUA), o documento descreve a crise de direitos humanos existente, destacando as dificuldades no acesso a cuidados de saúde e outras formas de apoio devido aos elevados custos e ao excesso de burocracia.

“Estes sobreviventes descreveram como continuam a lutar, apesar de serem vítimas de um crime, e como são confrontados, frequentemente, com custos proibitivos para tratar dores crónicas ou obter ajuda para se adaptarem a deficiências”

Sanhita Ambast, investigadora da Amnistia Internacional

“A maioria das pessoas entrevistadas disse-nos que o facto de terem sido baleadas foi apenas o começo do pesadelo. Estes sobreviventes descreveram como continuam a lutar, apesar de serem vítimas de um crime, e como são confrontados, frequentemente, com custos proibitivos para tratar dores crónicas ou obter ajuda para se adaptarem a deficiências”, alerta Sanhita Ambast, investigadora da Amnistia Internacional sobre direitos económicos, sociais e culturais.

No total, foram entrevistados 25 sobreviventes de tiroteios em Miami, Tampa, Baltimore e Nova Orleães. Todas estas cidades partilham altas taxas de violência com armas. Além disso, a Amnistia Internacional falou com 17 profissionais de saúde, 11 prestadores de cuidados e 40 assistentes sociais, especialistas em saúde pública e ativistas.

No relatório, divulgado esta quinta-feira, a Administração norte-americana é instada a implementar os mecanismos necessários para garantir que os sobreviventes possam exercer o direito à reparação plena e efetiva. “As autoridades dos EUA precisam de controlar a violência com armas e garantir que os sobreviventes tenham o apoio necessário para enfrentar os danos que sofreram e reconstruírem as suas vidas”, nota Sanhita Ambast.

Sistema sem resposta

A ausência de programas direcionados para atender as necessidades de reabilitação obriga as vítimas a procurar cuidados médicos e apoio psicológico através do sistema geral de saúde. O caso de Megan Hobson, que tinha 16 anos quando foi atingida no meio de um fogo cruzado em Miami, no ano de 2012, é paradigmático. Apesar de ter sobrevivido, tem vários problemas de saúde, como mobilidade reduzida, complicações no útero relacionadas com os fragmentos de bala e sequelas psicológicas.

“Não tinha nada que ver com aquela situação. Estava no sítio errado, à hora errada”

Megan Hobson, sobrevivente

“Eu fui a vítima, não tinha nada que ver com aquela situação. Estava no sítio errado, à hora errada”, desabafa esta mulher, que se encontra numa situação de endividamento para fazer face a todas as despesas relacionadas com o incidente.

Outro caso analisado é o de Jamie Williford, baleada nas costas aos 16 anos, em 2009. Paralisada e dependente de uma cadeira de rodas, tem necessidades contínuas de saúde e o Medicaid – um programa governamental de saúde para pessoas com baixos rendimentos – nem sempre cobre os cuidados que procura.

Jamie Williford viu-se ainda sozinha e desamparada quando, após o incidente, foi colocada numa instituição de cuidados para adultos, sem acesso a apoio psicológico, educação ou ajuda especializada, já que se tratava de uma criança com necessidade de utilizar cadeira de rodas. Ao completar 18 anos, foi obrigada a viver em casas partilhadas, desadaptadas para pessoas com mobilidade reduzida. Este problema é partilhado por outras vítimas que a Amnistia Internacional ouviu.

Burocracia sufocante

Para quem é de um ambiente mais instável ou não está acostumado a lidar com o sistema de saúde, o caminho é tortuoso. ​​A isto juntam-se as mudanças familiares ou na situação laboral.

“Se quiser obter mais cuidados ou qualquer cobertura [Medicare], começam a perguntar se já trabalhou. Se responder ‘sim’, pedem recibos dos últimos seis meses, certidão de nascimento, cartão de segurança social. Querem tudo e nós não temos isso”

Irmão de uma vítima de tiroteio

O irmão de um homem baleado explicou à Amnistia Internacional o processo pelo qual teve de passar: “Se quiser obter mais cuidados ou qualquer cobertura [Medicare], começam a perguntar se já trabalhou. Se responder ‘sim’, pedem recibos dos últimos seis meses, certidão de nascimento, cartão de segurança social. Querem tudo e nós não temos isso”, relata.

Os pedidos de compensação também obrigam à apresentação de muitos documentos e comprovativos. Esta situação é particularmente difícil quando as vítimas estão a recuperar de lesões graves ou mudam as suas vidas.

Em 2017, o motivo mais comum para a recusa ou o arquivamento de um pedido de indemnização, em todos os estados norte-americanos, era a falta de cumprimento de todos os requisitos necessários. A falta de informação e as regras rigorosas de elegibilidade também constituíam obstáculos.

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