29 Junho 2020

Numa altura em que a perigosa lei de segurança nacional da China para Hong Kong pode ser aprovada, a Amnistia Internacional alerta para os riscos de detenções arbitrárias e julgamentos injustos, a menos que a legislação seja acompanhada de medidas que garantam a proteção dos direitos humanos.

“Hong Kong está à beira de um futuro incerto e inquietante, com as liberdades ameaçadas pela lei de segurança nacional”

Joshua Rosenzweig, chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional

As autoridades chinesas devem votar o diploma na sessão extraordinária do Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional – que começou ontem e decorre até amanhã, dia 30 de junho. Ainda assim, não são conhecidos todos os detalhes da nova lei.

“Hong Kong está à beira de um futuro incerto e inquietante, com as liberdades ameaçadas pela lei de segurança nacional que poderá anular a legislação que, atualmente, protege os habitantes da cidade dos piores excessos da repressão patrocinada pelo Estado”, aponta o chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional, Joshua Rosenzweig.

“O governo chinês deve abandonar os planos para aprovar a lei de segurança nacional de Hong Kong, a não ser que possa garantir que a legislação está em conformidade, a todos os níveis, com os direitos humanos”, completa.

O risco das agências de segurança

De acordo com a lei de segurança nacional, todos os indivíduos, instituições e organizações podem ser proibidos de “se envolverem em atividades que ponham em risco a segurança nacional”. O Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional Popular está pronto a adotar a legislação na atual sessão, sem qualquer consulta pública.

“As autoridades de Hong Kong já estão a instrumentalizar a lei local contra muitos dos seus cidadãos. Uma agência secreta de segurança nacional cria apenas mais ferramentas para reprimir os direitos humanos”

Joshua Rosenzweig, chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional

Além de uma série de preocupações de direitos humanos, a Amnistia Internacional nota que o governo central de Pequim e o governo de Hong Kong podem criar uma agência de segurança nacional na região administrativa especial. Na China Continental, estes serviços monitorizam, perseguem, intimidam e detêm secretamente, de forma sistemática, defensores de direitos humanos e dissidentes, existindo muitas indicações de tortura e outros maus-tratos.

Sem garantias explícitas na lei de que as agências e o seu pessoal estarão vinculados às responsabilidades existentes do governo de Hong Kong, de respeitar e proteger os direitos humanos, pode ser difícil – senão impossível – responsabilizá-los por violações de direitos humanos.

“As autoridades de Hong Kong já estão a instrumentalizar a lei local contra muitos dos seus cidadãos. Uma agência secreta de segurança nacional cria apenas mais ferramentas para reprimir os direitos humanos e mais riscos de transformar a cidade num estado policial”, afirma Joshua Rosenzweig.

“A implementação já inadequada de salvaguardas no processo penal de Hong Kong será ainda menos eficaz se as agências de segurança, semelhantes às que existem no Continente, estiverem isentas de cumprir os direitos humanos de acordo com as leis de Hong Kong”, explica o chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional.

Volta a ameaça de extradição

Na semana passada, foram divulgados alguns detalhes desta legislação pelos órgãos oficiais chineses. Entre estes estavam propostas preocupantes, que revelam um conjunto de lacunas assustadoras que permitiriam às autoridades centrais deter e julgar suspeitos. Além disso, existe um plano que lhes permite “exercer jurisdição” sobre os casos de segurança nacional de Hong Kong “sob circunstâncias específicas”. Embora o significado preciso deste poder não seja claro, declarações públicas de altos representantes da região administrativa chinesa indicam que isso poderia dar autorização às autoridades da China Continental para assumir qualquer caso que desejarem.

“A afirmação das autoridades de que a lei de segurança nacional afetará apenas uma pequena minoria dificilmente é tranquilizadora”

Joshua Rosenzweig, chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional

Também há dúvidas sobre se a lei vai permitir que os detidos sejam tratados de maneira diferente de outros suspeitos de crimes. Isso pode incluir a detenção em instalações especiais ou por períodos indeterminados, e até envolver a extradição para o continente – uma ameaça que desencadeou os protestos de 2019. O chefe do executivo local também pode ajudar na escolha dos juízes que vão acompanhar os casos, colocando potenciais entraves à independência da justiça.

“A afirmação das autoridades de que a lei de segurança nacional afetará apenas uma pequena minoria dificilmente é tranquilizadora quando inclui medidas repressivas que podem ser usadas para atingir literalmente qualquer pessoa que o governo escolher”, avisa Joshua Rosenzweig.

Preocupações questionáveis

As autoridades de Hong Kong e da China alegam que há uma necessidade urgente de legislação na área da segurança para combater a ameaça do “terrorismo” e da violência na cidade. No entanto, os manifestantes que marcharam contra o projeto de lei de extradição de 2019 foram maioritariamente pacíficos. Sete organismos de direitos humanos das Nações Unidas já expressaram preocupação com as definições excessivamente amplas e imprecisas da legislação antiterrorista de Hong Kong.

“Se é realmente direcionada para o genuíno combate às ameaças à segurança nacional e ao terrorismo, como afirma Pequim, então deve incluir isenções claras para o exercício pacífico de direitos”

Joshua Rosenzweig, chefe da equipa para a China da Amnistia Internacional

“Além de apressar esta lei de segurança nacional de uma maneira que evite todo escrutínio público ou político significativo, as autoridades também estão a tentar justificar a sua necessidade com o pretexto infundado de que Hong Kong deve erradicar uma ameaça terrorista”, indica Joshua Rosenzweig.

“A promessa da China de que a lei de segurança nacional respeitará os direitos humanos é inútil, sem as disposições legais para garantir e fazer cumprir isso. Se é realmente direcionada para o genuíno combate às ameaças à segurança nacional e ao terrorismo, como afirma Pequim, então deve incluir isenções claras para o exercício pacífico de direitos como a liberdade de expressão, reunião e associação”, argumenta o responsável da Amnistia Internacional.

Ecos arrepiantes  

Os chamados crimes de separatismo, subversão, terrorismo e “conluio” com potências estrangeiras para colocar em risco a segurança nacional vão ser proibidos pela lei. Esta definição ampla e vaga é semelhante à que existe na lei de segurança nacional da China, promulgada em 2015.

A Amnistia Internacional documentou o abuso sistemático e generalizado dessa legislação pelas autoridades chinesas para atacar os defensores dos direitos humanos. Advogados, académicos, jornalistas, pastores e trabalhadores de ONG foram condenados por simplesmente exercerem a sua liberdade de expressão e defenderem os direitos humanos.

Contexto

Uma vez assinada pelo presidente Xi Jinping, a lei de segurança nacional será colocada no Anexo III da Lei Básica, a miniconstituição de Hong Kong, depois de ser “promulgada” pelas autoridades da região. Ou seja, torna-se lei no dia em que for adotada pelo chefe do executivo de Hong Kong, sem escrutínio da assembleia, conhecida por Conselho Legislativo, ignorando a legislatura local.

Hong Kong dispõe de uma garantia de direitos pela Lei Básica e por tratados internacionais de direitos humanos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais. O projeto de lei de segurança nacional inclui alegadamente uma garantia de respeito pelos direitos humanos, incluindo os dois tratados referidos, mas parece que as leis de segurança nacional podem substituir estas proteções.

A lei de segurança nacional da China tem uma disposição semelhante sobre o respeito dos direitos humanos, mas é garantida pouca ou nenhuma proteção às pessoas visadas.

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