5 Março 2020

Cerca de um ano depois do início dos protestos que marcaram Hong Kong em 2019, é necessária uma investigação independente à violência policial para reconstruir a confiança do público e prevenir que o território volte à instabilidade, defende a Amnistia Internacional.

“A cada dia que o governo de Hong Kong resiste, obstinadamente, ao estabelecimento de uma investigação independente, aumenta o vazio na responsabilidade e há uma maior erosão da confiança do público”

Nicholas Bequelin, diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional

No briefing Hong Kong: Missing truth, missing justice (“Hong Kong: Falta verdade, falta justiça”), divulgado esta quinta-feira, são apontadas as falhas e insuficiências dos mecanismos de prestação de contas das forças de segurança. O documento mostra a necessidade de ser estabelecida uma comissão independente de inquérito para investigar as violações generalizadas de direitos humanos que ocorreram durante o ano passado.

“A cada dia que o governo de Hong Kong resiste, obstinadamente, ao estabelecimento de uma investigação independente, aumenta o vazio na responsabilidade e há uma maior erosão da confiança do público”, afirma o diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional, Nicholas Bequelin.

“O sistema de queixas existente em Hong Kong não é adequado para o efeito. Nenhuma instituição deve ser considerada apta para esta investigação”, denuncia o mesmo responsável, antes de acrescentar que “é essencial que o governo permita, urgentemente, que um organismo imparcial estabeleça todos os factos dos protestos e faça recomendações para resolvê-los”.

O pedido de um inquérito independente sobre o uso da força pela polícia continua a ser uma das principais exigências dos residentes de Hong Kong, tendo sido partilhado pelas Nações Unidas. Em outubro passado, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos pediu uma “investigação eficaz, rápida, independente e imparcial”. No entanto, o governo da região administrativa especial chinesa continua a resistir, alegando que o Conselho Independente de Queixas Policiais é adequado para lidar com alegações de violência policial e outras condutas impróprias.

“O uso de força desnecessária e excessiva pela polícia, com efetiva impunidade, deixou o povo de Hong Kong profundamente frustrado”

Nicholas Bequelin, diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional

“Os protestos em massa que abalaram Hong Kong na segunda metade de 2019 não terminaram. As autoridades podem estar a contar que a epidemia do coronavírus evite a agitação, mas, a menos que se tomem medidas, as manifestações e os abusos relacionados provavelmente voltarão”, aponta Nicholas Bequelin.

“O uso de força desnecessária e excessiva pela polícia, com efetiva impunidade, deixou o povo de Hong Kong profundamente frustrado. Uma investigação independente é essencial para estabelecer um regime de prestação de contas e garantir justiça pela brutalidade vista nas ruas desde o verão passado. Hong Kong merece a verdade”, argumenta.

Em julho de 2019, o Conselho Independente de Queixas Policiais do território decidiu realizar um inquérito sobre vários acontecimentos de ordem pública ligados aos protestos. Um painel de especialistas foi convidado a liderar o processo, mas, em dezembro do mesmo ano, acabou por renunciar às funções devido à ausência de poder e capacidade de investigação necessários para “começar a responder aos padrões que os cidadãos de Hong Kong provavelmente exigiriam”.

“Uma comissão de inquérito com recursos adequados e poderes de investigação pode combater as causas profundas das violações de direitos humanos em maior escala. Isso significa que as suas recomendações podem impedir que a mesma situação se repita”

Nicholas Bequelin, diretor para o Sudeste Asiático e Ásia Oriental da Amnistia Internacional

“A confiança do público em relação ao governo e à polícia caiu e uma comissão de inquérito é um primeiro passo vital para sarar as profundas feridas deixadas pelos protestos”, afirma Nicholas Bequelin. “Seria um reconhecimento de que algo não correu bem e que é necessária atenção e retificação urgentes”.

“Uma comissão de inquérito com recursos adequados e poderes de investigação pode combater as causas profundas das violações de direitos humanos em maior escala. Isso significa que as suas recomendações podem impedir que a mesma situação se repita, interrompendo o ciclo de violência, incluindo aquela que parte de alguns manifestantes”, comenta o responsável da Amnistia Internacional.

Durante os protestos, foi documentado um padrão alarmante de táticas imprudentes e indiscriminadas pela polícia de Hong Kong, depois de terem adotado uma abordagem de tolerância zero aos protestos. As violações generalizadas de direitos humanos incluíam o uso desnecessário e excessivo de força, com recurso a balas de borracha, gás pimenta, gás lacrimogéneo, canhões de água e agressões. Vários detidos foram espancados sob custódia e sofreram maus-tratos, que podem configurar casos de tortura. Há anda provas que sugerem que as forças de segurança fracassaram ao tentar diminuir a tensão, tendo mesmo alimentado os confrontos, com uma persistente impunidade.

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