31 Julho 2020

Esta semana, Raja Abdullah Almasabi descreveu a dura realidade das pessoas com deficiência no Iémen, junto do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Desde 2015, o país enfrenta um conflito armado, que tem afetado desproporcionalmente alguns grupos. Mas esta mulher recusa-se a baixar os braços e aceitar que os seus direitos e de tantos outros iemenitas são esquecidos. Leia aqui o apelo que quis deixar ao mundo.

 

 

O meu nome é Raja Abdullah Almasabi e sou presidente da Fundação Árabe de Direitos Humanos, a única organização local no Iémen que defende os direitos das pessoas com deficiência. Enquanto mulher com uma deficiência, falo por experiência própria  e luto pelos nossos direitos.

Durante anos, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) foi informado sobre o sofrimento que os iemenitas sofreram com a guerra. A situação foi descrita pela ONU como a pior crise humanitária do mundo. Agora mesmo, as bombas continuam a cair e, em plena pandemia, as pessoas estão em fuga.

Este conflito teve um impacto desmedido sobre nós. Antes do seu início em 2015, o número de pessoas com deficiência era de dois milhões. Atualmente, estima-se que varie entre 3,5 e 4,5 milhões. Não há dados fidedignos ​​sobre as pessoas com deficiência no Iémen e, devido à guerra em andamento, o número real é certamente maior do que isso.

A maioria das pessoas que adquiriram deficiências durante a guerra foi vítima de ferimentos causados ​​por ataques aéreos, minas terrestres e outros explosivos deixados para trás. Contudo, foram criadas outras condições crónicas de saúde graças à ausência de ajuda humanitária, especialmente entre as crianças, como a desnutrição. Esta é uma das principais razões pelas quais muitos menores possuem deficiências.

Diversas pessoas que tinham deficiências antes da guerra também adquiriram novas condições secundárias, durante os ataques e a fuga. Por exemplo, eu tinha uma deficiência, mas, agora, tenho duas por causa do conflito: uma deficiência física e outra auditiva.

Quando os combates começam, muitas pessoas com deficiência têm dificuldades em fugir da violência. Imagine ter de correr pela sua vida quando não tem cadeira de rodas, muletas ou qualquer dispositivo auxiliar que necessita para se movimentar. Imagine ter de depender completamente dos seus entes queridos ou de quem estiver disposto a ajudá-lo.

Algumas pessoas com deficiência acabam por ser deixadas para trás pelas próprias famílias. Outras escolhem não fugir, para não arriscar a vida dos familiares. Vimos isso no meio dos combates em Hodeidah, Taiz, Sa’ada e muitos outros lugares.

A vida em campos de deslocados tem sido particularmente difícil para as pessoas com deficiência. A maioria não foi projetada para nós. Direitos básicos como o acesso a saúde, água e instalações sanitárias são frequentemente ignorados.

Muitas pessoas com deficiência enfrentam barreiras no acesso aos cuidados de saúde. Algumas precisam de viajar entre seis a oito horas para chegar às unidades médicas de emergência, por estradas destruídas e com poucos recursos financeiros em sua posse.

Agora, com a COVID-19 a provocar uma crise de saúde catastrófica no Iémen, as pessoas com deficiência estão, mais uma vez, a ficar para trás. Não há ações específicas e direcionadas para abrangê-las, mesmo sabendo-se que correm um risco maior se forem infetadas pelo vírus. Não há dados sobre quantas pessoas com deficiência foram infetadas ou morreram com COVID-19.

A guerra fez-nos mais pobres. Eu não recebo salário há quatro anos. Muitas pessoas com deficiência lutam para encontrar fontes de rendimento, numa altura em que todos os preços têm aumentado. Agora, há ainda mais crianças com deficiência que não vão à escola por causa da guerra.

Como alguém que luta pelos nossos direitos no Iémen, apelo ao Conselho de Segurança:

Enquanto a guerra prosseguir, a situação vai piorar para todos os civis, incluindo as pessoas com deficiência. Precisamos que o Conselho de Segurança – todos vós – faça tudo o que estiver ao seu alcance para parar o conflito. Parem de apoiar e armar aqueles que lutam nesta guerra. As pessoas no Iémen, tal como as dos vossos países, precisam de paz e segurança.

Colocar os direitos e as necessidades das pessoas com deficiência na mente e nos orçamentos da ONU, das organizações não-governamentais e dos governos é o que precisamos.

Qualquer negociação de paz deve incluir a participação das pessoas com deficiência. Atualmente, existem mais de quatro milhões no Iémen, mas nenhuma se envolveu nesse processo. Isto significa que, até hoje, as pessoas com deficiência não têm voz para falar sobre o presente e o futuro do país.

Já passou um ano desde que o Conselho de Segurança adotou a primeira resolução sobre a proteção das pessoas com deficiência em guerras. Este passo foi seguido por compromissos da ONU e dos governos para fazerem melhor de forma a fazer respostas humanitárias às pessoas com deficiência. No entanto, ainda não levaram a mudanças significativas no terreno.

As pessoas com deficiência e as organizações que as representam estão a lutar para sobreviver. Exorto o Conselho de Segurança e os Estados-Membros a alocar recursos e a direcionar fundos para apoiá-las no Iémen, através de suporte financeiro e técnico.

Obrigado por fazerem ouvir a minha voz. Deixo-vos com um apelo simples: podem fazer mais, podem fazer melhor. Nós não somos uma consequência. As pessoas com deficiência devem estar incluídas em todas as declarações que fazem e em todas as resoluções que são ponderadas. Devemos ter um lugar na mesa de discussão.

Artigos Relacionados