5 Dezembro 2018

A população civil do Iémen permanece imersa em profundo sofrimento e frequentemente em risco de ser massacrada, sob os bombardeamentos aéreos e apanhada no fogo-cruzado dos combates no terreno, sem que grandes avanços tenham sido dados no palco internacional, ao fim de mais de três anos de conflito.

Em vésperas de mais uma ronda de negociações de paz para o Iémen, a 6 de dezembro na Suécia, e após as discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em novembro passado, impõe-se cada vez mais o exercício de pressão internacional para que as partes envolvidas no conflito garantam o respeito e proteção dos civis e assegurem a prestação de ajuda humanitária à população iemenita.

“As bombas e as balas mataram milhares de civis por todo o Iémen.”

Sherine Tadros, chefe do gabinete da Amnistia Internacional na ONU

“As bombas e as balas mataram milhares de civis por todo o Iémen e o esmagador agravar desta crise – a mais séria em todo o mundo do ponto de vista da assistência humanitária – pôs muitos milhões de pessoas em risco de morrerem à fome”, sublinhava a chefe do gabinete da Amnistia Internacional nas Nações Unidas em Nova Iorque, Sherine Tadros, no dia anterior à mais recente reunião do Conselho de Segurança.

Um conflito em escalada constante

A coligação internacional militar liderada pela Arábia Saudita começou a lançar ataques aéreos contra o grupo armado huthi no Iémen a 25 de março de 2015, desencadeando um conflito total no país.

Nos três anos que se seguiram, a guerra no Iémen não mostra quaisquer sinais de diminuir. Abusos de direitos humanos horríveis, assim como crimes de guerra, estão a ser cometidos em todo o país por todas as partes envolvidas no conflito, provocando um sofrimento insuportável na população civil.

“O esmagador agravar desta crise – a mais séria em todo o mundo do ponto de vista da assistência humanitária – pôs muitos milhões de pessoas em risco de morrerem à fome.”

Sherine Tadros, chefe do gabinete da Amnistia Internacional na ONU

Ao mesmo tempo que as forças da coligação liderada pela Arábia Saudita fazem bombardeamentos aéreos, fações rivais travam batalhas no terreno. De um dos lados estão os huthi, grupo armado iemenita cujos membros pertencem a um ramo do Islão xiita conhecido como zaidismo; do outro lado estão as forças anti-huthi que são aliadas do atual Presidente do Iémen, Abd Rabbu Mansour Hadi, e da coligação liderada pelos sauditas.

Os civis estão encurralados no meio. E mais de 15 000 foram mortos ou feridos ao mesmo tempo que se foi agravando cada vez mais a crise humana.

E durante estes já mais de três anos, grande parte do mundo ignorou o violento conflito e pouco tem ouvido sobre as suas devastadoras consequências.

Civis pagam um preço elevado

São os civis que estão a suportar o ónus de toda esta violência no Iémen. O conflito, além de causar a morte e ferimentos em milhares de civis, também exacerbou uma crise já existente a níveis extremamente graves e que tem origem humana – com a guerra a agravar e aprofundar a situação de insegurança alimentar e todos os lados envolvidos no conflito a impedirem a entrega de ajuda humanitária à população.

Cerca de 22,2 milhões de iemenitas dependem hoje em dia de assistência humanitária para conseguirem sobreviver. Com o propósito de bloquear os fornecimentos às forças huthi, a coligação liderada pela Arábia Saudita impôs um bloqueio parcial aéreo e marítimo. E depois de as forças huthi terem lançado um míssil ilegalmente com mira posta em áreas civis na capital saudita, Riade, em novembro de 2017, a coligação, também ilegalmente, apertou ainda mais o bloqueio aéreo e marítimo ao Iémen.

“O meu filho tinha [nascido há] 14 horas quando morreu… os médicos disseram-nos que ele precisava de cuidados intensivos e de oxigénio… Levámo-lo a todos os hospitais que conseguimos antes de ele morrer. Eu queria levá-lo para fora da cidade, mas não havia saída.”

Mohamed, pai de um recém-nascido que morreu em Taiz, em dezembro de 2015, por falta de suprimentos de oxigénio

Apesar de este bloqueio ter sido aligeirado desde então, a coligação continua a impor restrições à ajuda humanitária e a importações comerciais de bens essenciais, como alimentos, medicamentos e combustível.

Trabalhadores de agências e organizações humanitárias no terreno reportam também que os huthi limitaram excessivamente a circulação de bens e de funcionários desses organismos e instituições, forçando mesmo a que alguns dos programas de ajuda fossem encerrados.

Quem luta com quem?

Num dos lados do conflito no Iémen está o grupo armado huthi frequentemente chamado “Comités Populares”, que tinha o apoio de algumas unidades do Exército iemenita e outros grupos armados leais ao antigo Presidente do país Ali Abdullah Saleh.

Do outro lado está a coligação militar liderada pela Arábia Saudita, que goza do apoio do atual chefe de Estado iemenita e a qual tem levado a cabo raides aéreos e operações militares terrestres no Iémen. Membros desta coligação incluem os Emirados Árabes Unidos, o Kuwait, a Jordânia e o Sudão. Os Estados Unidos da América (EUA) e o Reino Unido têm prestado crucial informação secreta e apoio logístico à coligação.

Nas operações no terreno no Iémen, a coligação tem operado em aliança com grupos armados anti-huthi, frequentemente chamados “Comités de Resistência Popular”. A coligação tem aqui também o apoio de unidades das forças armadas leais ao Presidente Hadi e de uma variedade de fações diferentes.

Abusos de direitos humanos cometidos por todos os lados

A Amnistia Internacional recolheu provas que revelam que todas as partes envolvidas neste conflito cometeram graves violações de direitos humanos e da lei internacional humanitária, incluindo crimes de guerra.

A organização de direitos humanos documentou 36 ataques aéreos feitos em seis regiões diferentes do país (Sanaa, Sada, Hajjah, Hodeidah, Taiz e Lahj) pela coligação liderada pela Arábia Saudita que indiciam ter violado a lei internacional humanitária – as regras que se aplicam durante um conflito armado e que são referidas por vezes como “leis da guerra”. Estes 36 raides causaram a morte a 513 civis (incluindo pelo menos 157 crianças) e pelo menos 379 feridos civis.

“[Parecia] algo saído do Dia do Juízo Final. Pedaços de corpos e cabeças espalhados, tudo engolido pelas chamas e as cinzas.”

Amal Sabri, residente em Mokha, a descrever um ataque aéreo que matou pelo menos 63 civis

De entre estes ataques aéreos estão raides que indiciam ter tido como alvo deliberado civis e estruturas civis como hospitaisescolas, mercados e mesquitas – o que constitui crimes de guerra.

A coligação liderada pela Arábia Saudita tem usado também munições de fragmentação (cluster munitions), um armamento explosivo letal que está banido pela lei internacional. Quando disparadas, estas bombas de fragmentação expelem dezenas – às vezes centenas – de pequenas bombas (bomblets) que frequentemente ficam por deflagrar e podem provocar ferimentos horríveis muito tempo depois do ataque original ter ocorrido.

A Amnistia Internacional documentou que a coligação usou pelo menos quatro tipos diferentes de munições de fragmentação, incluindo de fabrico norte-americano, britânico e brasileiro.

Armas de ação imprecisa são utilizadas todos os dias contra áreas residenciais, causando vítimas na população civil. Estes ataques indiscriminados violam as leis da guerra.

“A força da explosão atirou as minhas irmãs e a minha mãe a voar pelo ar uns cinco metros, matando-as instantaneamente. O corpo da Hani só foi tirado de sob os escombros ao fim de 12 horas. O meu pai Faisal foi o único a sobreviver.”

Leila Hayal, que perdeu a mãe e quatro irmãs quando um ataque aéreo da coligação destruiu a sua casa em Taiz, a meio da noite de 16 de junho de 2015

A Amnistia Internacional investigou ainda 30 ataques terrestres cometidos tanto por forças pro-huthi como anti-huthi, em Aden e em Taiz, que não traçaram nenhuma distinção entre combatentes e civis. Nestes ataques foram mortos pelo menos 68 civis, na esmagadora maioria mulheres e crianças.

Combatentes de ambos os lados das batalhas também usaram armas imprecisas no terreno, como artilharia e morteiros incendiários ou rockets de tipo Grad em áreas civis densamente povoadas. Têm igualmente operado no espaço de bairros residenciais, lançando ataques de dentro ou de perto de casas, de escolas e de hospitais. Todos estes ataques são graves violações da lei internacional humanitária e podem constituir crimes de guerra.

O grupo armado huthi, com o apoio das forças de segurança do Estado iemenita, tem conduzido uma vaga de detenções de opositores, incluindo defensores de direitos humanos, jornalistas e académicos que são detidos arbitrariamente e sob a ameaça de armas, sujeitando-os a desaparecimento forçado no contexto de uma campanha terrível para esmagar a dissidência em áreas do Iémen que estão sob o seu controlo.

Também as forças anti-huthi aliadas do Presidente Hadi e a coligação encetaram uma campanha de intimidação e perseguição contra trabalhadores de um hospital em Taiz e estão a pôr os civis em perigo ao mobilizarem combatentes e instalarem posições militares na proximidade de edifícios médicos.

Armas alimentam a crise

Mesmo perante os múltiplos relatos que apontam para a conduta irresponsável no Iémen e o devastador impacto para a população civil de graves violações da lei internacional, muitos países continuaram a vender e a transferir armamento para a Arábia Saudita e os demais membros de coligação – o qual é usado neste conflito.

Estas armas têm sido utilizadas pela coligação liderada pela Arábia Saudita para matar e ferir civis e despedaçar os modos de subsistência dos iemenitas. Esse armamento tem também sido desviado para as mãos dos huthi e de outros grupos armados que combatem no Iémen.

“Ela pensa que se voltar para casa vai lá encontrá-los [a família]… Ela tinha cinco irmãs e irmãos com os quais brincar. Agora não tem nenhum… Como serão a tristeza e a dor que ela sente agora no coração?”

Ali al-Raymi, 32 anos, que perdeu o irmão Mohamed al-Raymi, a cunhada e cinco sobrinhas e sobrinhos, com dois a dez anos, num ataque aéreo da coligação liderada pela Arábia Saudita sobre Sanaa; a sobrinha Buthaina, de cinco anos, foi a única sobrevivente

Vários países europeus suspenderam já os fornecimentos de armas à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos, mas outros países – com os EUA e o Reino Unido à cabeça – persistem em transferir para os membros da coligação volumes enormes de equipamento militar avançado.

Muitos dos países envolvidos nestas transferências são Estados-parte do Tratado sobre o Comércio de Armas Convencionais (TCA, ATT na sigla em inglês), o qual tem o objetivo de “reduzir o sofrimento humano” e que determina como ilegal fornecer armamento sobre o qual exista o risco elevado de ser usado para cometer graves violações da lei internacional.

A Amnistia Internacional exorta todos os países a garantirem que nenhuma das partes envolvidas no conflito no Iémen recebe – direta ou indiretamente – armas, munições, equipamento ou tecnologia militar que possam ser usados no conflito até que ponham termo a essas graves violações de direitos humanos. Este princípio aplica-se também ao apoio logístico e financeiro relacionado com tais fornecimentos.

  • 50 milhões

    50 milhões

    Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, mais de 50 milhões de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas. A maior parte devido a conflitos armados. (ACNUR, 2014)
  • 12,2 milhões

    12,2 milhões

    No final de 2014, 12,2 milhões de sírios – mais de metade da população do país – dependiam de ajuda humanitária. (UNOCHA)

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