19 Abril 2016

 

A horrível realidade dos implacáveis bombardeamentos das forças governamentais sírias, com recurso às bombas-barris, contra a cidade cercada de Daraya, nos arredores de Damasco, é brutalmente patente em novas imagens obtidas e confirmadas pela Amnistia Internacional, quando decorre em Genebra a última ronda de negociações de paz sobre a Síria.

A organização de direitos humanos tem a expetativa de que estas imagens terríveis captadas por testemunhas no terreno levem a comunidade internacional a reforçar a pressão sobre o Governo sírio para que sejam abertas prontamente vias de acesso da ajuda humanitária a Daraya e a todas as outras áreas do país que estão sob cercos militares.

Apesar de não terem sido lançadas mais bombas-barris (barrel bombs, barris de aço que explodem com munições e fragmentos de metal no interior) sobre Daraya desde o parcial “cessar de hostilidades” que entrou em vigor a 26 de fevereiro passado, tem continuado a registar-se ataques com outro tipo de armamento e milhares de civis que permanecem na cidade sofrem com a falta grave de alimentos e de medicamentos e não têm eletricidade.

“Estas imagens de vídeo demonstram o terror total em que vivem os civis cercados sob os impiedosos bombardeamentos do Governo com bombas-barris. Este vídeo mostra bem de perto e em detalhe o horror que os civis em Daraya tiveram de enfrentar”, frisa a vice-diretora interina do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Magdalena Mughrabi. “É absolutamente vergonhoso – apesar de não ser uma surpresa – que o Governo sírio continue a bombardear e a matar à fome os seus próprios cidadãos. E é também inaceitável que as Nações Unidas e outros organismos internacionais influentes não estejam a fazer mais para dar solução à situação crítica que se verifica em Daraya e em outros locais do país sob cerco”, critica ainda a perita.

Bombas-barris são armas imprecisas

As bombas-barris são armas rudes e altamente mortíferas feitas a partir de barris de petróleo, de tanques de combustível ou de cilindros de gás, os quais são cheios de explosivos, de combustível e de fragmentos de metal e lançados a partir de aviões ou helicópteros. São, por definição, armas sem precisão de detonação e não devem jamais ser usadas na proximidade de civis.

A cidade de Daraya tem sido sujeita a milhares de raides com bombas-barris além de viver há mais de três anos sob um cerco incapacitante por parte das forças governamentais sírias.

De acordo com os dados coligidos pelo Conselho Local da Cidade de Daraya, foram ali lançadas cerca de 6 800 bombas-barris entre janeiro de 2014 e o acordo do “cessar de hostilidades” a 26 de fevereiro de 2016.

A destruição e danos provocados pelos bombardeamentos são evidentes em numerosos vídeos e outro tipo de imagens. Pelo menos 42 civis, incluindo 17 crianças, foram mortas por estas armas explosivas imprecisas. Ativistas locais reportam que o número de mortos seria muito provavelmente bastante maior se não fosse o facto de os habitantes da cidade já correrem logo para os abrigos sempre que são avistados helicópteros a aproximarem-se.

A maior parte dos residentes originais de Daraya fugiu da devastação há anos e agora a população que permanece na cidade – entre as 4 000 e 8 000 pessoas – é uma muito pequena fração do que era antes do conflito eclodir.

Testemunhos lancinantes

Estas imagens de vídeo, captadas por civis em Daraya entre 2014 e os finais de fevereiro de 2016, incluem algumas que nunca foram tornadas públicas. Mostram raides em que bombas-barris são lançadas pelas forças governamentais sírias e explodem dentro da cidade e testemunhos de civis – incluindo crianças e idosos – a descreverem o terror total de viver sob tão implacáveis ataques numa cidade cercada.

“Eles querem matar-me”, declara uma criança, de óculos e cabelo aos caracóis, quando questionada sobre as bombas.

Numa outra cena excruciante, um rapaz ferido num bombardeamento está deitado ao lado do cadáver do irmão, que morreu num dos raides com bombas-barris. A criança chora e implora: “Meu irmão, por favor, não me deixes”.

“É difícil sequer imaginar a escala e a profundidade do sofrimento por que estão a passar os civis em Daraya e em outras zonas da Síria sob cerco, algumas das quais não receberam particamente nenhuma ajuda humanitária durante vários anos de combates. Cada dia que passa sem a prestação de assistência significa que a crise humana em Daraya se agrava”, sublinha Magdalena Mughrabi.

A vice-diretora interina do Programa Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional sustenta que “com as conversações de paz a decorrerem em Genebra, é absolutamente crucial que o acesso da ajuda humanitária a estas áreas seja uma prioridade”. “Apesar de a maior parte das armas se terem calado e os bombardeamentos constantes de Daraya terem parado desde o cessar-fogo a 26 de fevereiro, a ameaça de que num qualquer dia podem voltar tem de ser afastada de uma vez por todas. E tem de haver responsabilização de todos os que cometeram crimes de guerra durante o conflito”, insta ainda.

A crise humana no cerco de Daraya

Além da destruição generalizada e em larga escala provocada pelos milhares de bombas-barris lançadas contra Daraya, as forças governamentais sírias isolaram por completo a cidade e não têm permitido a entrada de assistência humanitária desde novembro de 2012.

Os profissionais médicos estão a trabalhar com escassíssimos recursos para dar resposta à dimensão enorme da crise humana que enfrentam. O único hospital de campo que resta na cidade cercada foi bombardeado 15 vezes pelas forças governamentais.

O Gabinete Médico de Daraya enviou à Amnistia Internacional listas com as referências de mais de 100 medicamentos, outros produtos e equipamentos clínicos que são urgentemente necessários. Entre estes estão antibióticos, analgésicos e anestesias, desinfetantes e outros produtos de limpeza, e equipamento que inclui máquinas de diálise, de TAC e ainda camas hospitalares e berços.

A 26 de março, um mês passado desde a entrada em vigor do “cessar de hostilidades”, o Governo sírio não permitira ainda a entrada em pelo menos seis zonas cercadas no país, incluindo partes de Ghuta Oriental e de Daraya – apesar dos insistentes pedidos feitos pelas Nações Unidas –, de acordo com um relatório apresentado pelo secretário-geral ao Conselho de Segurança.

O Governo sírio tem de permitir imediatamente o acesso da ajuda humanitária a Daraya, em cumprimento das suas obrigações ao abrigo da legislação humanitária internacional e das resoluções vinculativas aprovadas no Conselho de Segurança da ONU.

E o Grupo Internacional de Apoio à Síria e outras agências das Nações Unidas – em particular o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários – têm de garantir que tal acontece não apenas em Daraya mas também em todas as outras zonas do país que estão cercadas.

Em maio de 2015, a Amnistia Internacional documentou no relatório “Death everywhere: War crimes and human rights abuses in Aleppo” (A morte por todo o lado: crimes de guerra e abusos de direitos humanos em Alepo) o terror absoluto vivido pelos civis sob os constantes e impiedosos bombardeamentos com bombas-barris e outros ataques feitos pelas forças governamentais sírias contra a cidade de Alepo. E em junho do ano anterior, a organização de direitos humanos publicou o documento “Updated briefing on sieges across Syria”, onde foram investigados os efeitos dos cercos militares sobre os civis em Daraya e outras regiões da Síria.

 

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