21 Março 2023

Os serviços secretos e as forças de segurança do Irão têm cometido atos de tortura, como espancamentos, chicotadas, choques elétricos, violações e outros tipos de violência sexual contra manifestantes de apenas 12 anos, para repreender o seu envolvimento nas manifestações em todo o país.

Ao se assinalarem os seis meses da revolta popular sem precedentes no Irão, despoletada pela morte sob custódia de Mahsa Amini, a Amnistia Internacional revela a violência perpetrada contra crianças detidas, quer nas manifestações, quer após a sua realização. A organização expõe os métodos de tortura usados pelos Guardas Revolucionários, os paramilitares Basij, a Polícia de Segurança Pública e outras forças de segurança e serviços secretos contra rapazes e raparigas sob custódia, para os punir, humilhar e extrair “confissões” forçadas.

“Os agentes estatais iranianos separaram crianças das suas famílias e sujeitaram-nas a crueldades inimagináveis. É condenável que as autoridades tenham exercido tal poder de forma criminosa sobre crianças vulneráveis e assustadas, deixando-as com graves ferimentos e traumas psicológicos. Esta violência contra crianças expõe uma estratégia deliberada de destruir o espírito vibrante da juventude iraniana, impedindo as novas gerações de exigir liberdade e respeito pelos direitos humanos”, revela Diana Eltahawy, diretora adjunta para o Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional.

“Esta violência contra crianças expõe uma estratégia deliberada de destruir o espírito vibrante da juventude iraniana, impedindo as novas gerações de exigir liberdade e respeito pelos direitos humanos”

Diana Eltahawy

“As autoridades devem libertar imediatamente todas as crianças detidas apenas por se manifestarem pacificamente. Sem perspetivas de investigações imparciais e efetivas sobre estes comportamentos de tortura a crianças, apelamos a todos os Estados para que exerçam a jurisdição universal sobre os suspeitos com possível responsabilidade nos crimes à luz do direito internacional, tais como a tortura de crianças manifestantes, mesmo os que possuem funções de comando ou se encontrem em posições superiores”.

A Amnistia Internacional documentou, de forma detalhada, os casos de várias crianças. A organização obteve declarações das vítimas e respetivas famílias, bem como testemunhos adicionais de 19 testemunhas oculares – incluindo dois advogados e 17 adultos que foram detidos e mantidos junto de crianças – sobre a prática generalizada de tortura contra dezenas de crianças. As vítimas e testemunhas oculares entrevistadas eram provenientes de províncias de todo o Irão – Azerbaijão Oriental, Gulistão, Quermanxá, Coração-Razavi, Cuzistão, Lorestão, Mazandarão, Sistão-Baluchistão, Teerão e Zanjã.

A Amnistia Internacional removeu qualquer detalhe que pudesse identificar as testemunhas entrevistadas, tais como a idade das crianças e as províncias em que foram detidas, de forma a protegê-las, a si e às suas famílias, de represálias.

 

Detenção em massa de crianças

As autoridades iranianas reconheceram que o número total de pessoas detidas em ligação com as manifestações foi superior a 22.000. Embora não tenham detalhado quantos detidos eram crianças, os meios de comunicação estatais relataram que as crianças constituíam uma parte significativa dos manifestantes. De acordo com testemunhos de pessoas detidas em todo o país, que confirmaram a detenção de dezenas de crianças pelas forças de segurança, e considerando também a presença de crianças e jovens na linha da frente das manifestações, a Amnistia Internacional estima que milhares de crianças possam ter estado entre aqueles que foram vítimas da vaga de detenções.

As autoridades iranianas reconheceram que o número total de pessoas detidas em ligação com as manifestações foi superior a 22.000

As conclusões da Amnistia Internacional indicam que as crianças detidas, tal como os adultos, foram inicialmente levadas para centros de detenção geridos pela Guarda Revolucionária, pelo Ministério da Inteligência e Segurança Nacional, pela Polícia de Segurança Pública, pela unidade de investigação da polícia iraniana (Agahi) ou pela força paramilitar Basij. Com frequência, faziam estas deslocações de olhos vendados.

Após dias ou semanas de detenção em regime de isolamento ou desaparecimento forçado, foram transferidas para prisões reconhecidas. Agentes disfarçados com roupas civis raptaram outras crianças nas ruas, durante ou na sequência das manifestações, levando-as para locais não-oficiais como armazéns, onde as torturaram antes de as abandonarem em localizações remotas. Estes raptos destinavam-se a punir, intimidar e dissuadir as crianças de participarem em protestos.

Muitas crianças foram mantidas nas mesmas celas de adultos enquanto estavam detidas, contrariamente às normas internacionais. Foram igualmente sujeitas aos mesmos padrões de tortura e outros maus-tratos. Um ex-detido adulto relatou à Amnistia Internacional que os agentes Basij forçaram vários rapazes a permanecer em pé numa fila ao lado de adultos detidos, com as suas pernas afastadas, enquanto os torturavam com choques elétricos na zona genital.

A maioria das crianças detidas nos últimos seis meses foi alegadamente libertada, por vezes sob fiança. No entanto, encontram-se a aguardar investigações ou encaminhamento para julgamento. Para conseguirem a sua liberdade, muitas foram forçadas a assinar cartas de “arrependimento”, a abster-se de “atividades políticas” e a prometer a participação em comícios pró-governamentais.

Para conseguirem a sua liberdade, muitas foram forçadas a assinar cartas de “arrependimento”, a abster-se de “atividades políticas” e a prometer a participação em comícios pró-governamentais

Antes de serem libertadas, as autoridades ameaçavam regularmente estas crianças com processos judiciais por acusações que implicam a pena de morte ou com a detenção dos seus familiares. Em pelo menos dois casos documentados pela Amnistia Internacional, e apesar das possíveis represálias, as famílias das vítimas apresentaram queixas oficiais às autoridades, mas nenhuma foi investigada.

 

Violência Sexual

A investigação da Amnistia Internacional revela ainda a prática de violação e outras formas de violência sexual contra estas crianças detidas por parte de agentes estatais – toques e choques elétricos nas partes genitais ou ameaças de violação, com o objetivo de as humilhar, punir e/ou extrair “confissões”. Este padrão de comportamento é também referido por adultos detidos, tanto homens como mulheres.

Os agentes estatais insultaram sexualmente as raparigas detidas, acusando-as de querer exibir a sua nudez, apenas por protestarem pelos direitos das mulheres e raparigas e desafiarem o uso obrigatório do hijab.

Uma mãe partilhou à Amnistia Internacional como as autoridades estatais tinham violado o seu filho com uma mangueira enquanto o mantinham forçosamente desparecido: “O meu filho disse-me: ‘Eles penduraram-me a ponto de eu sentir que os meus braços estavam a ser arrancados. Fui forçado a dizer o que eles queriam, porque me violaram com uma mangueira. Pegavam na minha mão e forçavam-me a colocar a minha impressão digital nos papéis”.

“Fui forçado a dizer o que eles queriam, porque me violaram com uma mangueira. Pegavam na minha mão e forçavam-me a colocar a minha impressão digital nos papéis”

Relato de uma criança vítima

 

Espancamentos, choques elétricos e outros abusos

As autoridades iranianas espancaram crianças no momento da detenção, no interior de veículos e em centros de detenção. Outros métodos de tortura descritos integravam chicotadas, choques elétricos com armas de atordoamento, administração forçada de comprimidos não-identificados e imobilização da cabeça das crianças debaixo de água.

Num dos casos investigados, vários rapazes estudantes foram detidos por escreverem o slogan de protesto “Mulheres, Vida, Liberdade” numa parede. Um familiar de uma das vítimas contou à Amnistia Internacional que agentes disfarçados raptaram os rapazes, levaram-nos para um local não-oficial, torturaram-nos e ameaçaram violá-los. Horas depois, abandonaram-nos semi-inconscientes numa zona remota: Um dos rapazes partilhou: “Eles bateram-me na cara com a arma, deram-me choques elétricos nas costas e bateram-me com bastões nos pés, nas costas e nas mãos. Ameaçaram que se eu contasse a alguém, iriam deter-nos novamente, fazer ainda pior e entregar os nossos cadáveres às nossas famílias”.

“Ameaçaram que se eu contasse a alguém, iriam deter-nos novamente, fazer ainda pior e entregar os nossos cadáveres às nossas famílias”

Relato de uma criança vítima

As vítimas e as famílias descreveram à Amnistia Internacional como as autoridades também estrangularam crianças, suspendendo-as pelos braços ou de lenços enrolados nos seus pescoços, forçando-as a praticar atos humilhantes. Um rapaz relatou: “Eles disseram-nos [a cerca de uma dúzia de pessoas] para fazermos ruídos de galinha durante meia hora – durante todo o tempo que ‘puséssemos ovos’. Forçaram-nos a fazer flexões durante uma hora. Eu era a única criança ali. Noutro centro de detenção, puseram 30 pessoas numa jaula feita para cinco”.

Os agentes estatais recorreram ainda a tortura psicológica, como ameaças de morte, para punir e intimidar as crianças e/ou coagi-las a fazer “confissões” forçadas. Os meios de comunicação estatais emitiram as “confissões forçadas” de, pelo menos, dois rapazes detidos durante as manifestações. A mãe de uma rapariga que foi detida pelos Guardas Revolucionários afirmou à Amnistia Internacional: “Eles acusaram-na de queimar hijabs, de insultar o Líder Supremo e de querer derrubar a República Islâmica. Disseram-lhe que será condenada à morte. Ameaçaram-na para não contar a ninguém… forçaram-na a assinar e a colocar a sua impressão digital em documentos. Ela tem pesadelos e não vai a lado nenhum. Nem consegue ler os seus livros escolares”.

As crianças foram também mantidas sob condições de detenção cruéis e desumanas, nomeadamente sobrelotação extrema dos espaços, falta de acesso a instalações sanitárias e de higiene, privação de comida e água potável, exposição ao frio extremo e confinamento solitário prolongado. As raparigas foram mantidas detidas por agentes de segurança exclusivamente do sexo masculino, sem terem sido tidas em conta as suas necessidades de género específicas. Foram igualmente negados cuidados médicos adequados às crianças, mesmo para ferimentos sofridos sob tortura.

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