15 Janeiro 2020

Imagens de vídeo, fotografias e relatos de vítimas e testemunhas oculares analisados pela Amnistia Internacional confirmam que as forças de segurança do Irão usaram força ilegal contra os manifestantes pacíficos que se reuniram, em todo o país, após o anúncio de que a queda do avião de passageiros de uma companhia aérea ucraniana, no dia 8 Janeiro, tinha sido provocado pelo lançamento de dois mísseis.

De acordo com os registos recolhidos, entre 11 e 12 de janeiro, as autoridades dispararam munições contra quem se manifestou nas ruas. O resultado foram dezenas de feridos.

Balas de borracha, gás lacrimogéneo e gás pimenta foram também utilizados para dispersar os participantes nos protestos. As forças de segurança iranianas fizeram ainda uso da força física, através de pontapés, murros ou bastonadas, e efetuaram detenções arbitrárias.

“É chocante que as forças de segurança do Irão tenham esmagado, violentamente, vigílias e protestos pacíficos de pessoas que exigiam justiça pelos 176 passageiros mortos e que expressavam a sua revolta devido ao encobrimento inicial levado a cabo pelas autoridades iranianas”, nota o diretor de Investigação e Advocacia para a região do Médio Oriente e Norte de África da Amnistia Internacional, Philip Luther.

“A utilização ilegal de força nas recentes manifestações faz parte de uma longa tradição das forças de segurança iranianas”, precisou o mesmo responsável. 

Algumas das vítimas, alvejadas com munições usadas em caça de animais de pequeno porte, tiveram de ser submetidas a procedimentos cirúrgicos. As forças de segurança destacadas incluíam a unidade especial da polícia iraniana, o grupo paramilitar Basij e agentes à paisana.

A Amnistia Internacional recebeu mensagens de vários manifestantes feridos que partilharam fotografias dos ferimentos e revelaram que não procuraram tratamento médico devido ao receio de serem detidos. As forças de segurança e os serviços de informação mantêm uma forte presença em alguns hospitais, o que multiplica o medo de que as vítimas possam ser levadas. A organização também recebeu informações de que houve tentativas de transferir feridos para unidades militares de saúde. Algumas clínicas de Teerão rejeitaram tratamentos, justificando-se com a possibilidade de as autoridades avançassem com detenções, caso soubessem que os pacientes eram manifestantes.

Um homem de Maali Abad, em Shiraz, na província de Fars, marcou presença numa vigília pelos passageiros do avião ucraniano que tinha mais agentes das forças de segurança do que participantes. O relato que faz inclui “um ambiente de terror e intimidação criado para afastar as pessoas”. Jovens e adultos, sem distinção de género, foram agredidos com bastões.

Outra testemunha que vive em Teerão conta que as forças de segurança usaram gás lacrimogéneo na entrada de uma estação de metro, o que causou ansiedade entre os manifestantes, muitos deles alvejados. No seu caso foi vítima de chumbos.

Detenções arbitrárias

Há relatos de dezenas de pessoas, incluindo estudantes universitários, detidos nas cidades onde ocorreram protestos: Ahvaz, na província de Khuzestan; Esfahan, na província de Esfahan; Zanjan, na província com o mesmo nome; Amol e Babol, na província de Mazandaran; Bandar Abbas, na província de Hormozgan; Kermanshah, na província com o mesmo nome; Sanandaj, na província do Curdistão; Mashhad, na província de Razavi Khorasan; Shiraz, na província de Fars; Tabriz, na província do Azerbaijão Oriental; e Teerão.

A Amnistia Internacional recebeu informações de que, nas cidades de Amol e Teerão, as autoridades estão a negar informações às famílias de alguns dos detidos, nomeadamente sobre o seu paradeiro, o que equivale ao crime de desaparecimento forçado, de acordo com o direito internacional. A organização também foi notificada de alegações chocantes de violência sexual contra, pelo menos, uma mulher, detida arbitrariamente por agentes de segurança à paisana e mantida numa esquadra, durante várias horas.

“As autoridades iranianas devem acabar com a repressão imediatamente e garantir que as forças de segurança mostram a máxima contenção e respeitam os direitos de expressão e de reunião pacíficos. Os detidos devem ser protegidos da tortura e de outros maus-tratos e quem foi detido de forma arbitrária deve ser libertado”, defende Philip Luther.

Como chegámos aqui

Os protestos começaram no dia 11 de janeiro, depois de as autoridades iranianas terem admitido que abateram, sem intenção, o avião ucraniano. Antes, tinham rejeitado sempre a responsabilidade, tendo chegado a justificar a queda com uma falha mecânica.

As manifestações foram crescendo e começaram a incluir slogans antirregime, bem como exigências de reformas no sistema político do país.

Os protestos deste ano seguem-se à repressão registada entre os dias 15 e 18 de novembro de 2019, que provocou mais de 300 mortos e milhares de detenções. A Amnistia Internacional já pediu aos Estados-membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas para realizar uma sessão especial sobre o Irão e determinar uma investigação sobre a situação dos últimos meses.

Artigos Relacionados