2 Novembro 2023

A investida implacável das autoridades iranianas contra os manifestantes pacíficos da minoria Baluchi tem vindo a intensificar-se nas últimas semanas, com as forças de segurança a recorrerem ao uso ilegal de gás lacrimogéneo e canhões de água, efetuando detenções arbitrárias em massa, desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos, afirmou a Amnistia Internacional.

A organização está a apelar às autoridades para que se abstenham do uso de força ilegal durante as manifestações e que defendam o direito à liberdade de reunião pacífica.

As provas recolhidas pela Amnistia Internacional, incluindo entrevistas com testemunhas oculares e imagens de vídeo, traçam um quadro sombrio de brutalidade contra milhares manifestantes pacíficos, incluindo crianças. Centenas de pessoas foram violentamente detidas e muitas permaneceram desaparecidas à força. As crianças e os adultos detidos foram sujeitos a tortura e a outros maus-tratos, incluindo espancamentos graves.

“Os governos têm de apelar urgentemente às autoridades iranianas para que ponham termo ao uso ilegal da força e de armas de fogo contra manifestantes pacíficos, parem de torturar os detidos e libertem as crianças e todos os outros detidos”

Diana Eltahawy

“As autoridades estão a aumentar a sua brutalidade para impedir os manifestantes Baluchi de se reunirem todas as semanas em Zahedan. Os governos têm de apelar urgentemente às autoridades iranianas para que ponham termo ao uso ilegal da força e de armas de fogo contra manifestantes pacíficos, parem de torturar os detidos e libertem as crianças e todos os outros detidos apenas por exercerem pacificamente os seus direitos”, afirmou Diana Eltahawy, Diretora Regional Adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África.

 

Uma onda de violência

Testemunhas oculares contaram à Amnistia Internacional que, no final das orações Baluchi de 20 de outubro, as forças de segurança atiraram pedras contra milhares de fiéis que saíam pacificamente do Grande Mosallah, o maior local de oração de Zahedan. Depois de cerca de mil manifestantes terem abandonado o local de oração e começado a marchar pacificamente pela Rua Razi, as forças de segurança cercaram os restantes milhares de fiéis que saíam do local de oração e ordenaram-lhes que esperassem até que a “situação acalmasse”.

Minutos depois, as forças de segurança dispararam ilegalmente gás lacrimogéneo e, por vezes, munições de caçadeiras contra os manifestantes pacíficos. Uma testemunha ocular relatou ter visto vários adolescentes com balas de metal alojadas na cabeça e no peito. Uma pequena minoria de manifestantes respondeu com o arremesso de pedras.

Os manifestantes dispersaram depois de as forças de segurança terem utilizado armas de fogo e canhões de água que pulverizavam líquido de cor amarela, o que facilitou a posterior identificação e detenção de manifestantes marcados.

As forças de segurança perseguiram os manifestantes em fuga, espancando e prendendo todos os que estavam ao seu alcance, incluindo crianças.

Uma testemunha ocular afirmou: “Vi as forças de segurança baterem em crianças de 10 anos, bem como em jovens e idosos, com bastões… arrastaram os manifestantes pelo chão, dando-lhes murros e pontapés”.

Testemunhas oculares afirmaram também que as forças de segurança dispararam gás lacrimogéneo para o interior da mesquita Grand Makki, depois de centenas de manifestantes pacíficos se terem refugiado no local, e prenderam violentamente os funcionários que guardavam a entrada.

Outras testemunhas disseram à Amnistia Internacional que as forças de segurança continuaram a efetuar detenções mesmo depois de os manifestantes se terem dispersado, visando indivíduos suspeitos de participarem nos protestos, bem como aqueles que filmaram a repressão a partir de um edifício residencial próximo.

As forças de segurança envolvidas na repressão incluíam as Forças Especiais da polícia iraniana (yegan-vijeh), os Guardas Revolucionários fardados e agentes à paisana, alguns dos quais envergando roupas tradicionais Baluchi e máscaras faciais.

O Laboratório de Evidências de Crise da Amnistia Internacional analisou 32 vídeos e imagens de 20 de outubro de 2023, que corroboraram os relatos de testemunhas oculares. Cinco vídeos e imagens mostram crianças pequenas com feridas abertas ou ferimentos na cabeça.

 

Detenções em massa e tortura

As forças de segurança também prenderam centenas de fiéis no exterior do Grande Mosallah. Outros foram espancados e avisados para não irem às futuras orações de sexta-feira no local.

Os detidos foram levados para o complexo desportivo de Emam Ali e severamente espancados antes de serem transferidos para centros de detenção geridos pela Guarda Revolucionária, pelo Ministério dos Serviços Secretos ou pela polícia, onde disseram ter sido sujeitos a mais torturas e outros maus-tratos. Alguns foram posteriormente libertados ou transferidos para a prisão central de Zahedan ou, no caso de algumas crianças, para um centro de detenção juvenil.

Um familiar que foi autorizado a visitar duas crianças disse que estas descreveram ter sido severamente espancadas com bastões, tendo uma delas chorado inconsolavelmente.

Outro familiar disse à Amnistia Internacional que as autoridades do Ministério Público ordenaram a detenção dos seus dois filhos durante 30 dias, mas recusaram-se a revelar o seu paradeiro.

A Amnistia Internacional obteve relatos que revelam a existência de tortura generalizada e outros maus-tratos a detidos, incluindo crianças, durante a transferência para os centros de detenção e no seu interior.

Um familiar de um detido adulto libertado disse que as forças de segurança espancaram e pontapearam os detidos repetidamente na cara e no corpo: “Muitos detidos, incluindo crianças, sofreram fraturas nas mãos e nas pernas… Vi uma criança com um corte a sangrar na bochecha. As forças de segurança abandonaram-no algures na cidade, sem sequer o levarem a um centro médico”.

O familiar também descreveu a forma como as forças de segurança retiraram as camisas aos detidos e os obrigaram a ficar de frente para a parede, com os olhos vendados, antes de dispararem lançadores de bolas de tinta contra as suas costas e ancas à queima-roupa.

 

Repressão está aumentar

Testemunhas oculares afirmaram que, na manhã do ataque, se registou um aumento notório da presença das forças de segurança em Zahedan, tendo sido erguidos novos postos de controlo nas ruas que conduzem ao local de oração, o que sugere uma repressão calculada.

A Amnistia Internacional considera que a última escalada de violência está ligada a esforços acrescidos para reprimir as manifestações semanais em Zahedan. A Haalvsh, uma organização de defesa dos direitos humanos Baluchi fora do Irão, informou que, em setembro de 2023, o chefe da polícia iraniana, Ahmadreza Radan, ameaçou os líderes tribais e religiosos locais por causa dos protestos semanais, que se realizam desde a eclosão da revolta “Mulher Vida Liberdade”, há mais de um ano.

Os residentes locais receiam que as autoridades estejam a preparar-se para mais derramamento de sangue. Uma mulher instou a Amnistia Internacional a “garantir que as vozes dos manifestantes Baluchi sejam ouvidas”, afirmando: “Há um ano que enfrentamos uma repressão violenta. A nossa situação é terrível e podem ocorrer mais incidentes terríveis em qualquer sexta-feira”.

A Amnistia Internacional reitera os apelos à comunidade internacional para que pressione as autoridades iranianas a permitirem o acesso sem entraves da Missão de Averiguação da ONU para investigar as violações dos direitos humanos relacionadas com a revolta.

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