5 Dezembro 2024

 

  • O relatório da Amnistia Internacional demonstra que Israel levou a cabo atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, com a intenção específica de destruir os palestinianos em Gaza
  • Estes atos incluem assassinatos, causar lesões corporais ou mentais graves e infligir deliberadamente aos palestinianos em Gaza condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física
  • Relatório completo disponível em inglês, no final; sumários executivos também disponíveis em inglês, francês e espanhol.

 

A investigação da Amnistia Internacional encontrou bases suficientes para concluir que Israel cometeu e continua a cometer genocídio contra os palestinianos na Faixa de Gaza ocupada, afirmou a organização num novo relatório de referência publicado esta quinta-feira.

O relatório, “É como se fossemos sub-humanos”: O genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza (disponível em inglês), documenta como, durante a sua ofensiva militar lançada na sequência dos ataques mortais liderados pelo Hamas no sul de Israel em 7 de outubro de 2023, Israel desencadeou o inferno e a destruição contra os palestinianos em Gaza de forma descarada, contínua e com total impunidade.

 

“Eye of heaven”, uma ilustração da artista palestiniana baseada em Gaza, Maisara Baroud, que retrata a experiência dos palestinianos com o genocídio de Israel na Faixa de Gaza ocupada a partir de 7 de outubro de 2023. ©️ Maisara Baroud
“Eye of heaven”, uma ilustração da artista palestiniana baseada em Gaza, Maisara Baroud, que retrata a experiência dos palestinianos com o genocídio de Israel na Faixa de Gaza ocupada a partir de 7 de outubro de 2023. ©️ Maisara Baroud

 

“O relatório da Amnistia Internacional demonstra que Israel levou a cabo atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio, com a intenção específica de destruir os palestinianos em Gaza. Estes atos incluem assassinatos, causar lesões corporais ou mentais graves e infligir deliberadamente aos palestinianos em Gaza condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física. Mês após mês, Israel tem tratado os palestinianos em Gaza como um grupo sub-humano indigno dos direitos humanos e da dignidade, demonstrando a sua intenção de os destruir fisicamente”, afirmou Agnès Callamard, secretária-geral da Amnistia Internacional.

“As nossas conclusões condenatórias devem servir de alerta para a comunidade internacional: isto é genocídio. Tem de acabar já”.

“As nossas conclusões condenatórias devem servir de alerta para a comunidade internacional: isto é genocídio. Tem de acabar já”

Agnès Callamard

“Os Estados que, neste momento, continuam a transferir armas para Israel devem saber que estão a violar a sua obrigação de prevenir o genocídio e correm o risco de se tornarem cúmplices do genocídio. Todos os Estados com influência sobre Israel, em especial os principais fornecedores de armas, como os EUA e a Alemanha, mas também mais Estados-Membros da UE, o Reino Unido e outros, devem agir agora para pôr termo imediato às atrocidades cometidas por Israel contra os palestinianos em Gaza”.

Nos últimos dois meses, a crise tornou-se particularmente aguda na província de Gaza Norte, onde uma população sitiada enfrenta a fome, a deslocação e a aniquilação, no meio de bombardeamentos implacáveis e de restrições sufocantes à ajuda humanitária que pode salvar vidas.

“A nossa investigação revela que, durante meses, Israel persistiu em cometer atos genocidas, plenamente consciente dos danos irreparáveis que estava a infligir aos palestinianos em Gaza. Continuou a fazê-lo, desafiando os inúmeros avisos sobre a situação humanitária catastrófica e as decisões juridicamente vinculativas do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) que ordenavam a Israel que tomasse medidas imediatas para permitir a prestação de assistência humanitária aos civis em Gaza”, afirmou Agnès Callamard.

“Israel tem argumentado repetidamente que as suas ações em Gaza são legais e podem ser justificadas pelo seu objetivo militar de erradicar o Hamas. Mas a intenção genocida pode coexistir com objetivos militares e não tem de ser a única intenção de Israel”.

“Israel tem argumentado repetidamente que as suas ações em Gaza são legais e podem ser justificadas pelo seu objetivo militar de erradicar o Hamas. Mas a intenção genocida pode coexistir com objetivos militares e não tem de ser a única intenção de Israel”

Agnès Callamard

A Amnistia Internacional examinou os atos de Israel em Gaza de perto e na sua totalidade, tendo em conta a sua recorrência e ocorrência simultânea, e tanto o seu impacto imediato como as suas consequências cumulativas e mutuamente reforçadoras. A organização considerou a escala e a gravidade das vítimas e da destruição ao longo do tempo. Analisou também as declarações públicas dos funcionários, tendo constatado que os atos proibidos foram muitas vezes anunciados ou solicitados, em primeiro lugar, por funcionários de alto nível responsáveis pelos esforços de guerra.

“Tendo em conta o contexto pré-existente de desapropriação, apartheid e ocupação militar ilegal em que estes atos foram cometidos, só pudemos chegar a uma conclusão razoável: A intenção de Israel é a destruição física dos palestinianos em Gaza, quer em paralelo, quer como meio para atingir o seu objetivo militar de destruir o Hamas”, afirmou Agnès Callamard.

“Os crimes de atrocidade cometidos em 7 de outubro de 2023 pelo Hamas e outros grupos armados contra israelitas e vítimas de outras nacionalidades, incluindo assassinatos em massa deliberados e tomada de reféns, nunca podem justificar o genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza”.

“Os crimes de atrocidade cometidos em 7 de outubro de 2023 pelo Hamas e outros grupos armados contra israelitas e vítimas de outras nacionalidades, incluindo assassinatos em massa deliberados e tomada de reféns, nunca podem justificar o genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza”

Agnès Callamard

A jurisprudência internacional reconhece que o perpetrador não precisa de ser bem sucedido nas suas tentativas de destruir o grupo protegido, no todo ou em parte, para que o genocídio tenha sido cometido. A prática de atos proibidos com a intenção de destruir o grupo, enquanto tal, é suficiente.

O relatório da Amnistia Internacional examina em pormenor as violações cometidas por Israel em Gaza durante nove meses, entre 7 de outubro de 2023 e o início de julho de 2024. A organização entrevistou 212 pessoas, incluindo vítimas e testemunhas palestinianas, autoridades locais em Gaza, profissionais de saúde, realizou trabalho de campo e analisou uma vasta gama de provas visuais e digitais, incluindo imagens de satélite. Analisou também as declarações de altos responsáveis governamentais e militares israelitas, bem como de organismos oficiais israelitas. Em várias ocasiões, a organização partilhou as suas conclusões com as autoridades israelitas, mas não recebeu qualquer resposta concreta à data da publicação.

 

Os palestinianos deslocados tomam a estrada costeira de Rashid para regressar à Cidade de Gaza à passagem por Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, a 14 de abril de 2024, no decurso do conflito em curso no território palestiniano entre Israel e o grupo militante Hamas. Foto de -/AFP via Getty Images
Os palestinianos deslocados tomam a estrada costeira de Rashid para regressar à Cidade de Gaza à passagem por Nuseirat, no centro da Faixa de Gaza, a 14 de abril de 2024, no decurso do conflito em curso no território palestiniano entre Israel e o grupo militante Hamas. Foto de -/AFP via Getty Images

 

Escala e magnitude sem precedentes

As ações de Israel na sequência dos ataques mortais do Hamas em 7 de outubro de 2023 colocaram a população de Gaza à beira do colapso. A sua brutal ofensiva militar matou mais de 42 000 palestinianos, incluindo mais de 13 300 crianças, e feriu mais de 97 000, até 7 de outubro de 2024, muitos dos quais em ataques diretos ou deliberadamente indiscriminados, muitas vezes eliminando famílias inteiras com várias gerações. Causou uma destruição sem precedentes, que, segundo os especialistas, ocorreu a um nível e a uma velocidade nunca vistos em qualquer outro conflito no século XXI, arrasando cidades inteiras e destruindo infraestruturas críticas, terras agrícolas e locais culturais e religiosos. Deste modo, tornou inabitáveis grandes extensões da Faixa de Gaza.

Mohammed, que fugiu com a sua família da cidade de Gaza para Rafah em março de 2024 e foi novamente deslocado em maio de 2024, descreveu a sua luta pela sobrevivência em condições horríveis:

“Aqui, em Deir al-Balah, é como um apocalipse… Temos de proteger os nossos filhos dos insetos, do calor, e não há água potável, nem casas de banho, enquanto os bombardeamentos não param. Sentimo-nos como se fôssemos sub-humanos aqui”.

Israel impôs condições de vida em Gaza que criaram uma mistura mortal de subnutrição, fome e doenças, e expôs os palestinianos a uma morte lenta e calculada. Israel também submeteu centenas de palestinianos de Gaza a detenção em regime de incomunicabilidade, tortura e outros maus-tratos.

Vistos isoladamente, alguns dos atos investigados pela Amnistia Internacional constituem violações graves do direito internacional humanitário ou do direito internacional dos direitos humanos. Mas se olharmos para o quadro mais amplo da campanha militar de Israel e para o impacto cumulativo das suas políticas e atos, a intenção genocida é a única conclusão razoável.

 

Intenção de destruição

 

Este vídeo captado pela AFPTV mostra uma vista aérea de uma escavadora a limpar os escombros de edifícios destruídos em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, a 22 de abril de 2024, durante o conflito em curso no território palestiniano entre Israel e o grupo militante Hamas. Israel retirou as suas forças terrestres de Khan Yunis a 7 de abril, depois de ter realizado o que chamou de “operação precisa e limitada” no Complexo Médico Nasser, um dos maiores hospitais do território palestiniano.. Fotografia de -/AFPTV/AFP via Getty Images
Este vídeo captado pela AFPTV mostra uma vista aérea de uma escavadora a limpar os escombros de edifícios destruídos em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza, a 22 de abril de 2024, durante o conflito em curso no território palestiniano entre Israel e o grupo militante Hamas. Israel retirou as suas forças terrestres de Khan Yunis a 7 de abril, depois de ter realizado o que chamou de “operação precisa e limitada” no Complexo Médico Nasser, um dos maiores hospitais do território palestiniano. Foto de -/AFPTV/AFP via Getty Images

 

Para estabelecer a intenção específica de Israel de destruir fisicamente os palestinianos em Gaza, a Amnistia Internacional analisou o padrão geral da conduta de Israel em Gaza, passou em revista as declarações desumanas e genocidas de funcionários governamentais e militares israelitas, em especial ao mais alto nível, e considerou o contexto do sistema de apartheid de Israel, o seu bloqueio desumano de Gaza e a ocupação militar ilegal do território palestiniano, que dura há 57 anos.

Antes de chegar à sua conclusão, a Amnistia Internacional analisou as alegações de Israel de que as suas forças armadas visavam legalmente o Hamas e outros grupos armados em toda a Faixa de Gaza e que a destruição sem precedentes e a recusa de ajuda daí resultantes eram o resultado de uma conduta ilegal do Hamas e de outros grupos armados, como a localização de combatentes entre a população civil ou o desvio de ajuda. A organização concluiu que estas alegações não são credíveis. A presença de combatentes do Hamas perto ou dentro de uma área densamente povoada não isenta Israel das suas obrigações de tomar todas as precauções possíveis para poupar os civis e evitar ataques indiscriminados ou desproporcionados. A investigação da Amnistia Internacional concluiu que Israel não o fez repetidamente, cometendo múltiplos crimes ao abrigo do direito internacional para os quais não pode haver justificação com base nas ações do Hamas. A Amnistia Internacional também não encontrou provas de que o desvio de ajuda pudesse explicar as restrições extremas e deliberadas de Israel à ajuda humanitária que salva vidas.

Na sua análise, a organização também considerou argumentos alternativos, tais como o de que Israel estava a agir de forma imprudente ou que simplesmente queria destruir o Hamas e não se importava se precisava de destruir palestinianos no processo, demonstrando um desrespeito insensível pelas suas vidas e não uma intenção genocida.

No entanto, independentemente de Israel ver a destruição de palestinianos como um instrumento para destruir o Hamas ou como um subproduto aceitável deste objetivo, esta visão dos palestinianos como descartáveis e não dignos de consideração é, por si só, uma prova de intenção genocida.

Uma vista da Grande Mesquita de Omar, também conhecida como Grande Mesquita de Gaza, na Cidade de Gaza, destruída a 27 de janeiro de 2024. Este templo, com características arquitetónicas de ambos nos períodos mameluco e otomano, é a terceira maior mesquita de Gaza. O minarete da mesquita também foi destruído após os ataques. As forças israelitas retiraram de algumas partes da Cidade de Gaza após terem lançado uma invasão terrestre na Faixa de Gaza. Estradas, asfalto, edifícios e muitos locais históricos transformaram-se em escombros na cidade devido aos ataques israelitas. (Fotografia de Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images)
Uma vista da Grande Mesquita de Omar, também conhecida como Grande Mesquita de Gaza, na Cidade de Gaza, destruída a 27 de janeiro de 2024. Este templo, com características arquitetónicas de ambos nos períodos mameluco e otomano, é a terceira maior mesquita de Gaza. O minarete da mesquita também foi destruído após os ataques. As forças israelitas retiraram de algumas partes da Cidade de Gaza após terem lançado uma invasão terrestre na Faixa de Gaza. Estradas, asfalto, edifícios e muitos locais históricos transformaram-se em escombros na cidade devido aos ataques israelitas. Foto de Ali Jadallah/Anadolu via Getty Images

Muitos dos atos ilegais documentados pela Amnistia Internacional foram precedidos por funcionários que incitaram à sua execução. A organização analisou 102 declarações que foram emitidas por funcionários governamentais e militares israelitas e outros entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024 e que desumanizavam os palestinianos, apelavam ou justificavam atos genocidas ou outros crimes contra eles.

Destas, a Amnistia Internacional identificou 22 declarações feitas por oficiais superiores responsáveis pela gestão da ofensiva que pareciam apelar a, ou justificar, atos genocidas, fornecendo provas diretas da intenção genocida. Esta linguagem foi frequentemente reproduzida, inclusivamente por soldados israelitas no terreno, como comprovam os conteúdos audiovisuais verificados pela Amnistia Internacional que mostram soldados a apelar ao “apagamento” de Gaza ou a torná-la inabitável, e a celebrar a destruição de casas, mesquitas, escolas e universidades palestinianas.

 

Matar e causar lesões corporais ou mentais graves

 

Familiares dos falecidos choram junto aos seus corpos envoltos em mortalhas, depois de as vítimas de um ataque israelita à casa de Faram terem sido levadas para o Hospital Al Awda, em Jabalia, Gaza, a 20 de setembro de 2024. (Fotografia de Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images)
Familiares dos falecidos choram junto aos seus corpos envoltos em mortalhas, depois de as vítimas de um ataque israelita à casa de Faram terem sido levadas para o Hospital Al Awda, em Jabalia, Gaza, a 20 de setembro de 2024. Fotografia de Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images

 

A Amnistia Internacional documentou os atos genocidas de matar e causar lesões corporais e mentais graves aos palestinianos em Gaza, analisando os resultados das investigações que realizou sobre 15 ataques aéreos entre 7 de outubro de 2023 e 20 de abril de 2024 que mataram pelo menos 334 civis, incluindo 141 crianças, e feriram centenas de outros. A Amnistia Internacional não encontrou provas de que qualquer um destes ataques tenha sido dirigido a um objetivo militar.

Num caso ilustrativo, em 20 de abril de 2024, um ataque aéreo israelita destruiu a casa da família Abdelal no bairro de Al-Jneinah, no leste de Rafah, matando três gerações de palestinianos, incluindo 16 crianças, enquanto dormiam.

Embora estes ataques representem apenas uma fração dos ataques aéreos de Israel, são indicativos de um padrão mais amplo de repetidos ataques diretos contra civis e objetos civis ou de ataques deliberadamente indiscriminados. Os ataques foram também conduzidos de forma a causar um número muito elevado de mortos e feridos entre a população civil.

 

Infligir condições de vida calculadas para provocar a destruição física

 

Homens verificam os estragos na casa da família palestiniana Nofal, morta durante o bombardeamento israelita, a 10 de janeiro de 2024, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Foto da AFP
Homens verificam os estragos na casa da família palestiniana Nofal, morta durante bombardeamento israelita, a 10 de janeiro de 2024, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. Foto da AFP

 

O relatório documenta a forma como Israel infligiu deliberadamente condições de vida aos palestinianos em Gaza destinadas a conduzir, a prazo, à sua destruição. Estas condições foram impostas através de três padrões simultâneos que repetidamente agravaram o efeito dos impactos devastadores uns dos outros: danos e destruição de infraestruturas de suporte de vida e outros objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil; o uso repetido de ordens de “evacuação” em massa, abrangentes, arbitrárias e confusas, para deslocar à força quase toda a população de Gaza; e a negação e obstrução da prestação de serviços essenciais, assistência humanitária e outros suprimentos que salvam vidas em Gaza e dentro dela.

Após 7 de outubro de 2023, Israel impôs um cerco total a Gaza, cortando a eletricidade, a água e o combustível. Durante os nove meses analisados para a elaboração do presente relatório, Israel manteve um bloqueio sufocante e ilegal, controlou rigorosamente o acesso às fontes de energia, não facilitou um acesso humanitário significativo no interior de Gaza e obstruiu a importação e a entrega de bens essenciais e de ajuda humanitária, em especial nas zonas a norte de Wadi Gaza. Deste modo, exacerbaram uma crise humanitária já existente. Esta situação, combinada com os extensos danos causados às habitações, hospitais, instalações de abastecimento de água e saneamento e terrenos agrícolas de Gaza, bem como com as deslocações forçadas em massa, provocou níveis catastróficos de fome e levou à propagação de doenças a um ritmo alarmante. O impacto foi especialmente severo nas crianças pequenas e nas mulheres grávidas ou a amamentar, com consequências previstas a longo prazo para a sua saúde.

Israel teve repetidamente a oportunidade de melhorar a situação humanitária em Gaza, mas, durante mais de um ano, recusou-se repetidamente a tomar medidas que estavam manifestamente ao seu alcance para o fazer, como a abertura de pontos de acesso suficientes a Gaza ou o levantamento de restrições rigorosas à entrada na Faixa de Gaza, ou a sua obstrução à entrega de ajuda dentro de Gaza, enquanto a situação se agravava progressivamente.

Através das suas repetidas ordens de “evacuação”, Israel deslocou cerca de 1,9 milhões de palestinianos – 90% da população de Gaza – para bolsas de terra cada vez mais reduzidas e inseguras, em condições desumanas, algumas das quais até 10 vezes. Estas múltiplas vagas de deslocações forçadas deixaram muitos sem emprego e profundamente traumatizados, especialmente porque cerca de 70% dos residentes de Gaza são refugiados ou descendentes de refugiados cujas cidades e aldeias foram etnicamente limpas por Israel durante a Nakba de 1948.

Apesar de as condições se terem tornado rapidamente impróprias para a vida humana, as autoridades israelitas recusaram-se a considerar medidas que teriam protegido os civis deslocados e assegurado a satisfação das suas necessidades básicas, o que demonstra que as suas ações foram deliberadas.

 

Os palestinianos recebem rações alimentares num ponto de doação num campo para deslocados internos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 2 de fevereiro de 2024, enquanto os combates continuam entre Israel e o grupo palestiniano Hamas. Foto de SAID KHATIB/AFP via Getty Images.
Os palestinianos recebem rações alimentares num ponto de doação num campo para deslocados internos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 2 de fevereiro de 2024, enquanto os combates continuam entre Israel e o grupo palestiniano Hamas. Foto de SAID KHATIB/AFP via Getty Images

 

Recusaram-se a permitir que os deslocados regressassem às suas casas no norte de Gaza ou se deslocassem temporariamente para outras partes do Território Palestiniano Ocupado ou de Israel, continuando a negar a muitos palestinianos o direito de regressar, ao abrigo do direito internacional, às zonas de onde foram deslocados em 1948. Fizeram-no sabendo que não havia nenhum lugar seguro para onde os palestinianos de Gaza pudessem fugir.

 

Responsabilização pelo genocídio

“O fracasso sísmico e vergonhoso da comunidade internacional, durante mais de um ano, em pressionar Israel a pôr fim às suas atrocidades em Gaza, primeiro atrasando os apelos a um cessar-fogo e depois prosseguindo as transferências de armas, é e continuará a ser uma mancha na nossa consciência coletiva”, afirmou Agnès Callamard.

“Os governos têm de deixar de fingir que são impotentes para pôr fim a este genocídio, que foi possibilitado por décadas de impunidade das violações do direito internacional por parte de Israel. Os Estados precisam de ir além das meras expressões de pesar ou consternação e tomar medidas internacionais fortes e sustentadas, por mais desconfortável que uma conclusão de genocídio possa ser para alguns dos aliados de Israel”.

“Os mandados de captura do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o antigo ministro da Defesa Yoav Gallant por crimes de guerra e crimes contra a humanidade, emitidos no mês passado, oferecem uma esperança real de justiça há muito esperada para as vítimas. Os Estados devem demonstrar o seu respeito pela decisão do tribunal e pelos princípios universais do direito internacional, prendendo e entregando os procurados pelo TPI”.

“Apelamos ao Gabinete do Procurador do Tribunal Penal Internacional para que considere urgentemente a possibilidade de acrescentar o genocídio à lista de crimes que está a investigar e para que todos os Estados utilizem todas as vias legais para levar os autores à justiça. Não se deve permitir que ninguém cometa genocídio e permaneça impune”.

“Não se deve permitir que ninguém cometa genocídio e permaneça impune”

Agnès Callamard

A Amnistia Internacional apela também à libertação incondicional de todos os reféns civis e à responsabilização do Hamas e de outros grupos armados palestinianos responsáveis pelos crimes cometidos a 7 de outubro.

A organização apela ainda ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para que imponha sanções específicas contra os responsáveis israelitas e do Hamas mais implicados em crimes à luz do direito internacional.

 

Contexto

Em 7 de outubro de 2023, o Hamas e outros grupos armados dispararam indiscriminadamente foguetes contra o sul de Israel e levaram a cabo deliberados assassínios em massa e tomadas de reféns, matando 1 200 pessoas, incluindo mais de 800 civis, e raptando 223 civis e capturando 27 soldados. Os crimes perpetrados pelo Hamas e por outros grupos armados durante este ataque serão objeto de um próximo relatório da Amnistia Internacional.

Desde outubro de 2023, a Amnistia Internacional tem conduzido investigações aprofundadas sobre as múltiplas violações e crimes ao abrigo do direito internacional cometidos pelas forças israelitas, incluindo ataques diretos a civis e objetos civis e ataques deliberadamente indiscriminados que mataram centenas de civis, bem como outros ataques ilegais e punição coletiva da população civil. A organização apelou ao Gabinete do Procurador do TPI para que acelere a sua investigação sobre a situação no Estado da Palestina e está a fazer campanha para um cessar-fogo imediato.

 

 

Agir Agora

Recursos

Fim ao genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza

Fim ao genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza
3731 PESSOAS JÁ AGIRAM
Assinar Petição

Artigos Relacionados

Bem-vind@ à Amnistia Internacional Portugal!

Junta-te a nós!