9 Dezembro 2024

 

A Amnistia Internacional encontrou bases suficientes para concluir que Israel cometeu e continua a cometer genocídio contra os palestinianos na Faixa de Gaza ocupada. Aqui ficam oito perguntas e respostas sobre genocídio e o relatório da Amnistia Internacional, “É como se fossemos sub-humanos”: O genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza (também disponível no final deste texto).

 

 

  1. Qual é a definição de genocídio?

A Convenção sobre o Genocídio estabelece que o genocídio é “qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal”:

— Matar membros do grupo;

— Causar lesões corporais ou mentais graves a membros do grupo;

— infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial;

— Impor medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;

— Transferir à força crianças do grupo para outro grupo.

Para determinar que determinada conduta equivale a genocídio, um ou mais destes cinco atos têm de ser cometidos “com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal”.

A intenção genocida pode ser avaliada com base em provas diretas ou, na sua ausência, inferida a partir de provas indiretas ou circunstanciais, incluindo: o contexto geral em que os atos proibidos foram cometidos; a existência de padrões de conduta; a escala e a natureza alegadamente sistemática dos atos proibidos; e a escala, natureza, extensão e grau de baixas e danos contra o grupo protegido.

 

Familiares dos falecidos choram junto aos seus corpos envoltos em mortalhas, depois de as vítimas de um ataque israelita à casa de Faram terem sido levadas para o Hospital Al Awda, em Jabalia, Gaza, a 20 de setembro de 2024. (Fotografia de Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images)
Familiares dos falecidos choram junto aos seus corpos envoltos em mortalhas, depois de as vítimas de um ataque israelita à casa de Faram terem sido levadas para o Hospital Al Awda, em Jabalia, Gaza, a 20 de setembro de 2024. Fotografia de Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images

 

  1. Quais são as conclusões da Amnistia e quais são os principais argumentos que as sustentam?

A Amnistia Internacional conclui, com base nas provas recolhidas, que Israel cometeu e está a cometer genocídio contra os palestinianos em Gaza após 7 de outubro de 2023, através das suas políticas, ações e omissões. A documentação da organização constatou que Israel cometeu atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio com a intenção específica de destruir os palestinianos em Gaza, que constituem uma parte substancial da população palestiniana, que constitui um grupo protegido pela Convenção sobre o Genocídio.

O relatório da Amnistia Internacional centrou-se em três dos cinco atos proibidos pela Convenção sobre o Genocídio:

— Matar membros do grupo;

— Causar-lhes danos mentais e corporais graves;

— infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar a sua destruição física, total ou parcial.

 

O relatório salienta a forma como Israel impôs condições de vida calculadas para destruir os palestinianos em Gaza através de três padrões de acontecimentos: os danos e a destruição em larga escala de infraestruturas críticas e de outros objetos indispensáveis à sobrevivência da população civil; vagas repetidas de deslocações forçadas em massa em condições inseguras e desumanas e a obstrução ou restrições à entrada e entrega de bens essenciais, incluindo ajuda humanitária, e de serviços essenciais em Gaza — tudo isto ocorreu em simultâneo, durante meses sem descanso, agravando os efeitos nocivos uns dos outros. Através de uma análise de 15 ataques aéreos e de uma revisão de análises efetuadas por outras organizações, que se centraram, entre outros aspetos, na utilização por Israel de armas pesadas em zonas urbanas densamente povoadas, o relatório salienta também a forma como os bombardeamentos israelitas em Gaza causaram intencionalmente um número muito elevado de mortos e feridos entre a população civil.

 

  1. Como é que a Amnistia demonstra que existe uma “intenção” de destruir o grupo?

O relatório da Amnistia Internacional analisa a totalidade das provas disponíveis de uma forma holística para avaliar se Israel cometeu atos proibidos com a intenção de destruir os palestinianos em Gaza enquanto tal. A análise do relatório segue a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre genocídio, que por sua vez se baseia na jurisprudência dos tribunais penais internacionais. De acordo com a jurisprudência, a intenção genocida pode ser avaliada com base em provas diretas ou, na sua ausência, inferida a partir de provas indiretas ou circunstanciais. Para estabelecer a intenção específica de Israel de destruir fisicamente os palestinianos em Gaza, a Amnistia Internacional considerou

— O padrão geral da conduta de Israel em Gaza;

— As declarações desumanas e genocidas do governo e dos oficiais militares israelitas;

— O contexto do sistema de apartheid de Israel, o seu desumano bloqueio a Gaza e a ocupação militar ilegal do território palestiniano, que dura há 57 anos (que inclui a Cisjordânia, Jerusalém Oriental, e Gaza).

 

A Amnistia Internacional analisou o padrão geral da conduta do Estado de Israel em Gaza, nomeadamente os repetidos ataques diretos a civis e a objetos civis e os ataques deliberadamente indiscriminados, a escala e a rapidez dos danos e da destruição de casas, abrigos, instalações de saúde, infraestruturas de água e saneamento, terrenos agrícolas e bens culturais palestinianos, o número de vítimas civis, o uso repetido de armas explosivas com efeito de área alargada em zonas residenciais densamente povoadas, o uso repetido de ordens de “evacuação” abrangentes e muitas vezes enganadoras; a tortura e a detenção em regime de incomunicabilidade de palestinianos de Gaza e a recusa contínua de permitir a entrada de ajuda humanitária adequada em Gaza. A Amnistia Internacional considerou todos estes fatores no contexto mais vasto do sistema de apartheid de Israel, da ocupação ilegal do território palestiniano e do bloqueio ilegal imposto a Gaza, que tem oprimido os palestinianos e causado imenso sofrimento humano.

A Amnistia Internacional analisou 102 declarações emitidas por funcionários governamentais e militares israelitas entre 7 de outubro de 2023 e 30 de junho de 2024 que desumanizavam os palestinianos, apelavam ou justificavam atos genocidas ou outros crimes contra eles. Entre estas, identificámos 22 declarações feitas por altos funcionários responsáveis pela gestão da ofensiva que pareciam apelar ou justificar atos genocidas, fornecendo provas diretas da intenção genocida.

O relatório aplica o critério da “única inferência razoável” empregue pelo TIJ para inferir a intenção de um padrão de conduta. Apesar do objetivo militar declarado de Israel de derrotar o Hamas e libertar os reféns, o direito internacional indica que um Estado pode agir com intenção genocida e, ao mesmo tempo, perseguir outros objetivos. Mesmo que Israel tivesse objetivos militares, a totalidade das provas indica que a única inferência razoável que pode ser retirada do padrão de conduta de Israel em Gaza é que também procurava destruir os palestinianos em Gaza como tal, o que significa que a sua ofensiva militar e os atos e omissões relacionados em Gaza foram conduzidos com intenção genocida.

 

  1. Como é que a Amnistia realizou esta investigação?

A determinação e o extenso relatório da Amnistia Internacional baseiam-se na nossa documentação sobre o padrão de conduta de Israel em Gaza, através de investigação no terreno e à distância. A organização entrevistou 212 pessoas, incluindo vítimas e testemunhas palestinianas de ataques aéreos, deslocações, detenções, tortura, destruição de quintas, casas e terrenos agrícolas e infraestruturas civis, e indivíduos que enfrentaram o impacto das restrições impostas por Israel à ajuda humanitária. Para compreender as preocupações relacionadas com o acesso à ajuda humanitária e as condições de vida em Gaza, a Amnistia Internacional também falou com membros das autoridades locais em Gaza, com profissionais de saúde palestinianos que trabalham em instalações médicas em Gaza e com indivíduos envolvidos na resposta humanitária.

A Amnistia Internacional também analisou uma vasta gama de provas visuais e digitais, incluindo imagens de satélite, vídeos e fotografias, e reviu uma enorme variedade de declarações, conjuntos de dados e relatórios de grupos israelitas e palestinianos de defesa dos direitos humanos, agências da ONU e organizações humanitárias que operam em Gaza. A organização também reviu e analisou declarações de altos responsáveis governamentais e militares israelitas e de organismos oficiais israelitas.

Apesar dos repetidos esforços para contactar os ministérios e departamentos governamentais israelitas ao longo de vários meses durante a realização da investigação, até à data da publicação a Amnistia Internacional não tinha recebido qualquer resposta das autoridades israelitas.

 

“Eye of heaven”, uma ilustração da artista palestiniana baseada em Gaza, Maisara Baroud, que retrata a experiência dos palestinianos com o genocídio de Israel na Faixa de Gaza ocupada a partir de 7 de outubro de 2023. ©️ Maisara Baroud
“Eye of heaven”, uma ilustração da artista palestiniana baseada em Gaza, Maisara Baroud, que retrata a experiência dos palestinianos com o genocídio de Israel na Faixa de Gaza ocupada a partir de 7 de outubro de 2023. ©️ Maisara Baroud

 

  1. Por que razão estão a publicar este relatório agora e o que pretendem alcançar com ele?

O ataque brutal e implacável de Israel a Gaza já dura há mais de um ano. Em termos de vítimas e destruição, tem sido sem precedentes em termos de escala, velocidade e severidade.

 

  1. Israel não tem o direito de se defender? A conduta de Israel em Gaza não pode ser explicada como tendo por objetivo destruir a ameaça representada pelo Hamas, em vez de destruir os palestinianos em Gaza?

De acordo com o direito internacional, não pode haver justificação para crimes internacionais, incluindo o genocídio. Israel tem a obrigação, ao abrigo do direito internacional, de proteger todas as pessoas sujeitas à sua jurisdição ou sob o seu controlo efetivo, incluindo em território ocupado — quer sejam palestinianos ou israelitas. No entanto, as medidas tomadas em nome da segurança devem respeitar o direito internacional e devem ser proporcionais à ameaça que representam.

Ao longo dos anos, Israel tem recorrido repetidamente à segurança para justificar as suas graves violações dos direitos humanos e os crimes de guerra contra os palestinianos. Impôs um bloqueio ilegal à Faixa de Gaza, punindo coletivamente a sua população civil, e impôs restrições severas e prolongadas à liberdade de circulação dos palestinianos na Cisjordânia, entre outras violações. Ameaças à sua segurança nunca podem justificar a prática de genocídio em Gaza ou a imposição de um sistema de apartheid aos palestinianos.

Israel afirma que as suas ações em Gaza são legais e podem ser justificadas pelo seu objetivo militar de erradicar o Hamas. Mas, independentemente de Israel ver a destruição dos palestinianos como um instrumento para destruir o Hamas ou como um subproduto aceitável deste objetivo, esta visão dos palestinianos como descartáveis e não dignos de consideração é, por si só, uma prova de intenção genocida. De facto, considerar os alvos como sub-humanos, como não merecedores de proteção, é uma caraterística consistente do genocídio.

Os crimes de guerra cometidos pelo Hamas e por outros grupos armados no sul de Israel em 7 de outubro, incluindo assassínios em massa deliberados e tomada de reféns, nunca poderão justificar o genocídio de Israel contra os palestinianos em Gaza.

 

  1. O que disse a Amnistia Internacional sobre os crimes de guerra cometidos pelo Hamas e outros grupos palestinianos em 7 de outubro de 2023?

A Amnistia Internacional condenou inequivocamente as violações e os crimes de atrocidade perpetrados pelo Hamas e por outros grupos armados em Israel em 7 e 8 de outubro de 2023. Num comunicado de imprensa publicado poucos dias após os ataques, a organização sublinhou a forma como o Hamas e outros grupos armados palestinianos violaram de forma flagrante o direito internacional e demonstraram um arrepiante desrespeito pela vida humana ao cometerem crimes cruéis e brutais, incluindo assassinatos deliberados, tomada de reféns e lançamento indiscriminado de ataques com foguetes contra Israel. A organização apelou a que o Hamas e outros grupos armados palestinianos sejam responsabilizados por estes crimes ao abrigo do direito internacional. A organização verificou imagens de vídeo arrepiantes que mostram homens armados a disparar contra civis e a arrastar pessoas como reféns. A Amnistia Internacional tem apelado sistematicamente para que todos os civis feitos reféns sejam libertados imediatamente, sem condições e sem ferimentos. Apelou também a que todos os outros prisioneiros fossem tratados com humanidade e visitados por monitores internacionais.

A investigação mais alargada da organização sobre os ataques de 7 de outubro de 2023 e as suas consequências está em curso. Através desta investigação, examinaremos a escala e o alcance totais dos crimes cometidos pelo Hamas e por outros grupos armados palestinianos no sul de Israel.

 

Os palestinianos recebem rações alimentares num ponto de doação num campo para deslocados internos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 2 de fevereiro de 2024, enquanto os combates continuam entre Israel e o grupo palestiniano Hamas. Foto de SAID KHATIB/AFP via Getty Images.
Os palestinianos recebem rações alimentares num ponto de doação num campo para deslocados internos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, a 2 de fevereiro de 2024, enquanto os combates continuam entre Israel e o grupo palestiniano Hamas. Foto de SAID KHATIB/AFP via Getty Images.

 

  1. O que é que a comunidade internacional deve fazer agora?

As nossas conclusões devem servir de alerta para a comunidade internacional: isto é genocídio e tem de acabar já. Estamos a publicar este relatório para ajudar a pôr termo ao genocídio em curso, impedir novos atos de genocídio contra os palestinianos e reiterar a urgência de um cessar-fogo.

Os Estados que continuam a transferir armas para Israel devem saber que estão a violar a sua obrigação de prevenir o genocídio e correm o risco de se tornarem cúmplices do genocídio.

A Amnistia apela a Israel para que ponha imediatamente termo ao seu genocídio em Gaza e para que se empenhe e coopere plenamente com o processo perante o TIJ. Em particular, apelamos a Israel para que cumpra imediata e integralmente todas as medidas provisórias ordenadas pelo TIJ desde 26 de janeiro de 2024, nomeadamente tomando medidas urgentes para melhorar drasticamente a situação humanitária em Gaza, concedendo acesso imediato e desimpedido a Gaza a órgãos de investigação internacionais independentes e tomando medidas eficazes para garantir que todas as provas relacionadas com o genocídio e outros crimes de direito internacional sejam preservadas.

Entretanto, os Estados têm de ir além das meras expressões de pesar ou consternação e tomar medidas enérgicas para pressionar Israel a pôr termo a todos os atos de genocídio em Gaza e a aplicar todas as medidas provisórias ordenadas pelo TIJ desde 26 de janeiro de 2024.

Os Estados devem suspender imediatamente todas as transferências de armas para Israel e cessar a prestação de formação e de outra assistência militar e de segurança. Os Estados devem atuar para garantir a justiça e a responsabilização por quaisquer alegados crimes ao abrigo do direito internacional, incluindo crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio, exercendo a jurisdição penal universal ou outras formas de jurisdição penal extraterritorial.

Os Estados devem igualmente responder às atrocidades infligidas aos palestinianos, pressionando Israel a pôr termo à sua ocupação ilegal de Gaza e do resto do Território Palestiniano Ocupado, em conformidade com o parecer consultivo do TIJ de julho de 2024. Israel deve levantar o seu bloqueio ilegal de Gaza, que tem vindo a infligir lentamente condições de vida prejudiciais aos palestinianos durante 16 anos antes de 7 de outubro de 2023. Esta mudança sistémica é imperativa para pôr termo aos crimes cometidos por Israel ao abrigo do direito internacional no Território Palestiniano Ocupado e impedir a prática de novos atos de genocídio.

 

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