3 Julho 2009

A Amnistia Internacional apelidou a situação do Delta do Níger de “tragédia de direitos humanos”, afirmando que a população do Delta do Níger tem assistido ao abuso dos seus direitos humanos por parte de companhias petrolíferas que o seu governo não pode ou não quer responsabilizar.
O Delta do Níger constitui um perfeito exemplo da falta de responsabilização de um governo perante o seu povo, e da quase total falta de responsabilização das companhias multinacionais relativamente ao impacto das suas operações e acções sobre os direitos humanos”, defendeu Audrey Gaughran, responsável da área de Negócios e Direitos Humanos da Amnistia Internacional e co-autora de um importante novo relatório, Petroleum, Pollution and Poverty in the Niger Delta, lançado hoje numa conferência de imprensa em Abuja, capital da Nigéria.

 O relatório analisa derrames de petróleo, queima de gás, despejo de resíduos e outros impactos ambientais da indústria petrolífera. A maioria das provas reunidas pela Amnistia Internacional relativamente à poluição e aos danos ambientais, incluídas no novo relatório, estão relacionadas com operações da Shell, a principal petrolífera a operar em terra no Delta do Níger.

 As pessoas que vivem no Delta do Níger têm que beber, cozinhar e tomar banho com água poluída. Comem peixe contaminado com petróleo e outras toxinas – se tiverem a sorte de ainda encontrar peixe. A terra que cultivam está a ser destruída. Após os derrames de petróleo, o ar que respiram cheira a petróleo, gás e outros poluentes. As pessoas queixam-se de problemas respiratórios e lesões de pele – e, no entanto, nem o governo nem as petrolíferas monitorizam o impacto humano da poluição petrolífera”, afirma Audrey Gaughran.

 Os impactos da poluição nos direitos humanos no Delta do Níger são seriamente sub-relatados. A maioria das pessoas no Delta do Níger depende do ambiente para a sua alimentação e subsistência, particularmente através da agricultura e da pesca.

 O Governo nigeriano está ciente dos riscos que a poluição petrolífera representa para os direitos humanos, mas falhou em tomar medidas que assegurem que esses direitos não sejam lesados. Apesar da poluição generalizada das terras, rios e ribeiras do Delta do Níger – e das muitas queixas das pessoas que habitam na região – quase não encontrámos dados governamentais sobre o impacto de qualquer aspecto da poluição petrolífera nos direitos humanos relativamente ao Delta do Níger”.

 A Amnistia Internacional declarou que a regulação governamental da indústria petrolífera tem sido totalmente inadequada.

 O Governo nigeriano está a falhar na sua obrigação de respeitar e proteger os direitos das pessoas do Delta do Níger a alimentação, água, saúde e subsistência”, afirmou Audrey Gaughran. “Algumas companhias petrolíferas, por seu lado, aproveitaram-se desta falha do governo e demonstraram uma chocante indiferença relativamente ao impacto humano das suas actividades”.

 Porém, tem havido alguns sinais recentes de melhoria. A recém estabelecida Agência National de Detecção e Resposta de Derrames de Petróleo (NOSDRA – National Oil Spill Detection and Response Agency) aparenta ter uma abordagem mais robusta.

 É bem recebida a abordagem mais proactiva que a NOSDRA parece querer empreender – mas necessita de mais recursos”, defende Audrey Gaughran.

 O Governo deve abordar o impacto humano da poluição industrial. Têm o dever de proteger os seus cidadãos de abusos dos direitos humanos ou de danos provocados pelo negócio – e estão a falhar nesse dever”.

 A organização também acusou o Governo nigeriano de colocar a responsabilidade substancial da resolução das violações dos direitos humanos às mãos dos muitos actores responsáveis pelos próprios abusos – as companhias petrolíferas. Como resultado, a resolução é frequentemente ineficaz.

 No entanto, neste relatório, a Amnistia Internacional não atribui a culpa apenas ao Governo nigeriano.

 O falhanço do governo em proteger os direitos humanos dos seus cidadãos não isenta as companhias de responsabilização pelas suas acções”, afirma Audrey Gaughran. “As companhias petrolíferas como a Shell não podem ignorar as consequências das suas acções apenas porque o governo falhou em responsabilizá-las. O padrão internacional não é “aquilo de que uma companhia se conseguir safar” – há padrões internacionais para a operação de indústrias petrolíferas, e em relação aos impactos social e ambiental, de que as companhias no Delta do Níger estão bem cientes”.

 Apesar das declarações públicas de que se trata de uma empresa social e ambientalmente responsável, a Shell continua a lesar, de forma directa, os direitos humanos através da sua falha em prevenir e mitigar, adequadamente, a poluição e os danos ambientais no Delta do Níger”, afirmou Audrey Gaughran.

 A Shell e outras companhias também não realizam qualquer tipo de monitorização adequada – ou revelam informação sobre – do impacto humano das operações petrolíferas. É frequente as comunidades do Delta do Níger não terem acesso a qualquer tipo de informação básica acerca do impacto da indústria petrolífera sobre as suas vidas – mesmo quando são a comunidade “anfitriã”. Esta falta de informação alimenta receios e insegurança no seio das comunidades, contribui para conflitos e, fundamentalmente, mina os direitos humanos.

 A Amnistia Internacional afirmou que é frequente os processos de limpeza no Delta do Níger não cumprirem aquilo que é entendido como boas práticas, chegando algumas companhias a permitir que sejam pessoas não qualificadas a limpar os derrames de petróleo, resultando na contínua contaminação dos terrenos e da água.

 Praticamente todas as comunidades visitadas pela Amnistia Internacional relataram que as ribeiras, as lagoas ou os rios haviam sido contaminados por derrames de petróleo ou outras formas de poluição petrolífera – frequentemente, mais do que uma vez, alimentando a ira das comunidades.

 Comunidades e grupos armados do Delta do Níger também contribuíram para o problema da poluição através da vandalização de infra-estruturas petrolíferas e do roubo de petróleo. Mas a escala deste problema não é clara.

 O Governo nigeriano quer, desesperadamente, ver um fim para o conflito do Delta do Níger”, defendeu Audrey Gaughran. “Mas a pobreza e os conflitos que continuam a marcar o Delta do Níger não serão resolvidos até que as causas subjacentes – incluindo décadas de danos ambientais – e a impunidade pelos abusos do ambiente e dos direitos humanos terminem, e até que o Governo nigeriano reúna suficiente vontade política e meios para lidar com as actividades das companhias petrolíferas que causam danos generalizados aos direitos humanos”.

Assista aqui a dois vídeos sobre esta situação no Niger do Delta.

 Nota:

 A 1 de Julho de 2009, Peter Voser irá assumir funções como o novo Chefe do Executivo da Royal Dutch Shell. Enquanto Chefe do Executivo, Voser herda o legado de falhas e más práticas da Shell no Delta do Níger. Este legado é – em parte significativa – o resultado da falha da Shell em prevenir, efectivamente, e abordar os danos ambientais e poluição causados pelas suas operações. A Amnistia Internacional enviou a Peter Voser uma cópia do seu relatório, e apelou para fizesse das operações de limpeza da Shell no Delta do Níger uma prioridade. Como um primeiro passo – a Amnistia Internacional juntou-se a colegas do Delta do Níger para pedir a Peter Vosel que clarifique o impacto da Shell nos direitos humanos, revelando informações críticas e tornando público o compromisso com a avaliação do impacto das operações da Shell a ao nível social e a nível de direitos humanos.

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