23 Maio 2019

O 70.º aniversário das Convenções de Genebra deve ser motivo de reflexão. É que a vida de milhões de pessoas continua a estar em perigo devido às recorrentes violações das leis da guerra.

O alerta da Amnistia Internacional surge na antecâmara de um debate promovido pelo Conselho de Segurança da ONU, esta quinta-feira, sobre a proteção de civis em conflitos armados – um tema que está na sua agenda há 20 anos.

“O quadro é, incrivelmente, sombrio”, afirma a diretora do Gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional, Tirana Hassan, lembrando que as Convenções de Genebra foram adotadas para evitar atrocidades semelhantes às que foram cometidas durante a Segunda Guerra Mundial.

“Os civis são alvejados, recorrentemente, onde vivem, trabalham, estudam, rezam e procuram cuidados médicos”

Tirana Hassan, diretora do Gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional

“As grandes potências militares orgulham-se, de forma cínica, da ‘precisão’ da guerra e dos ataques ‘cirúrgicos’ que distinguem combatentes e civis. Mas a realidade no terreno é que os civis são alvejados, recorrentemente, onde vivem, trabalham, estudam, rezam e procuram cuidados médicos. As partes dos conflitos armados matam, mutilam e deslocam à força milhões de civis, enquanto os líderes mundiais se esquivam das responsabilidades e voltam as costas aos crimes de guerra e ao imenso sofrimento”, prossegue a mesma responsável.

“A Rússia, a China e os Estados Unidos da América [EUA] continuam a abusar do seu poder de veto, bloqueando os projetos de resolução que visam prevenir ou impedir as atrocidades. Sempre que isso acontece, estão a colocar em grave risco as pessoas inocentes que vivem nessas zonas”, sustenta Tirana Hassan.

Nos últimos anos, a Amnistia Internacional documentou o flagrante desrespeito pela proteção dos civis e pelo direito internacional humanitário, em conflitos armados onde quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são partes – EUA, França, Reino Unido e Rússia. A China tem protegido alguns aliados, como o Myanmar, em crimes de guerra, crimes contra a humanidade e, possivelmente, genocídio.

Falhanço evidente

Os números falam por si. A coligação liderada pelos EUA deixou mais de 1600 civis mortos, em Raqqa. As forças da Rússia e da Síria, de forma arbitrária, provocaram um rasto de destruição em Aleppo, Idlib e outras áreas do país, forçando milhões de pessoas a fugir das suas casas.

No Iémen, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos unem esforços com o apoio de armamento ocidental, tendo matado e ferido milhares de civis. Além disso, estão a obrigar o país a passar por uma das piores crises humanitárias conhecidas.

A Somália continua a motivar preocupações. Todas as partes do conflito violaram tanto os direitos humanos internacionais como o direito humanitário. Os EUA, que têm levado a cabo uma guerra secreta com ataques aéreos nos últimos dois anos, nunca admitiram uma única baixa civil até à denúncia da Amnistia Internacional.

Israel tem visado civis e alvos civis durante operações militares em Gaza, desde 2008. Mais recentemente, entre março de 2018 e março de 2019, foram mortas 195 pessoas, entre crianças, médicos e jornalistas. Grupos armados palestinianos também organizaram ataques indiscriminados a bairros civis israelitas, provocando várias baixas.

No Sudão do Sul, a violência sexual relacionada com conflitos e a violência baseada no género ocorrem em níveis chocantes. Testemunhas e vítimas de uma brutal ofensiva liderada pelo governo, entre abril e julho de 2018, descreveram como civis, incluindo mulheres, crianças, idosos e pessoas com deficiências, foram mortos a tiro, queimados vivos, enforcados e atropelados por veículos blindados.

“O debate desta semana no Conselho de Segurança deve resultar em mais do que posições e promessas vazias. São necessárias ações concretas”

Tirana Hassan, diretora do Gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional

A Missão de Assistência da ONU no Afeganistão (UNAMA na sigla inglesa) registou um número recorde de vítimas civis, no ano passado. Os dados oficiais apontam 10.993 mortos e feridos.

A ofensiva em Trípoli, na Líbia, também está sob o nosso olhar. Na semana passada, ataques indiscriminados colocaram em risco a vida de civis, incluindo refugiados ​​e migrantes em situação vulnerável.

Outros casos com os quais nos deparamos é o abuso e a exploração de mulheres e crianças civis por parte de membros das forças de manutenção da paz da ONU.

Número preocupante de deslocados

A Agência de Refugiados da ONU denunciou o número recorde de 68,5 milhões de pessoas deslocadas, em todo o mundo, no ano passado, por conflitos armados e outras formas de violência.

“Setenta anos depois das Convenções de Genebra, ter quase 70 milhões de seres humanos deslocados por guerras e outros tipos de violência reflete o fracasso catastrófico dos líderes mundiais em protegê-los”, denuncia Tirana Hassan.

“O debate desta semana no Conselho de Segurança deve resultar em mais do que posições e promessas vazias. São necessárias ações concretas para mudar as coisas, proteger efetivamente os civis, acabar com os crimes de guerra e acabar com a impunidade”, conclui a diretora do Gabinete de Resposta a Crises da Amnistia Internacional.

Artigos Relacionados