11 Março 2019

O novo governo do estado da Palestina deve aproveitar a oportunidade para reverter a chocante deterioração dos direitos humanos que ocorreu sob a anterior administração, e assinalar a sua seriedade quanto a cumprir as suas obrigações internacionais, disse hoje a Amnistia Internacional. Espera-se que Mohammad Shtayyeh, o recém-designado primeiro-ministro, forme um governo nos próximos dias.

Desde Junho de 2014, quando o governo de consenso nacional liderado pelo ex primeiro-ministro Rami Hamdallah chegou ao poder, a Amnistia Internacional documentou crescentes violações dos direitos humanos por parte das forças de segurança palestinianas na Cisjordânia, apesar de o estado da Palestina ser signatário dos tratados internacionais de direitos humanos. Estas incluem uso excessivo da força, detenções arbitrárias, o uso de tortura e outras formas de maus-tratos, levando a mortes sob custódia, e uma repressão intensificada sobre a liberdade de expressão e a sociedade civil.

“Em anos recentes, ativistas palestinianos, defensores dos direitos humanos, organizações da sociedade civil e jornalistas enfrentaram um ataque arrepiante por parte das autoridades palestinianas na Cisjordânia e em Gaza. O novo governo palestiniano não deve repetir erros do passado. Ao invés de atacar as vozes críticas, este deve garantir a proteção do estado de direito e das liberdades”, disse Saleh Higazi, Director adjunto para o Médio Oriente e o Norte de África na Amnistia Internacional.

“O novo governo deve dar sinais de um compromisso sincero para com o respeito pelas suas obrigações internacionais de direitos humanos, dando passos imediatos para assegurar que todas as leis e políticas protegem os direitos e as liberdades do indivíduos sob a sua autoridade.”

No seu relatório anual sobre os direitos humanos na Palestina, a Amnistia Internacional destacou preocupações relativas a violações de direitos civis e políticos, particularmente cometidas por forças de segurança. Relatórios de organizações locais de direitos humanos, incluindo a instituição nacional palestiniana para os direitos humanos, a Comissão Independente de Direitos Humanos (CIDH) e o Centro Palestiniano para o Desenvolvimento da Liberdade dos Media, indicam prisões arbitrárias e detenção, tortura e outros maus-tratos, e as violações das liberdades de expressão e de assembleia por parte das autoridades palestinianas na Cisjordânia e em Gaza estão a tornar-se institucionalizadas.

Muitas destas violações derivam da crescente repressão da dissidência, no contexto das disputas políticas em curso entre as administrações na Cisjordânia e em Gaza desde 2007. A Amnistia Internacional documentou como órgãos de comunicação, ONGs, manifestantes e outros que se opõem às políticas do governo liderado pela Fatah na Cisjordânia foram tomados como alvos.

Em 2017, as autoridades palestinianas na Cisjordânia introduziram a Lei dos Crimes Eletrónicos, impondo apertados controlos sobre a liberdade de imprensa e permitindo a detenção arbitrária – e o encarceramento até 15 anos – de qualquer pessoas que critique as autoridades palestinianas online, incluindo jornalistas e autores de denúncias. À luz da legislação, qualquer pessoa que se considere ter perturbado a “ordem pública”, a “unidade nacional” ou a “paz social” enfrenta pesadas multas e até 15 anos de trabalhos forçados na prisão. A Amnistia Internacional documentou dúzias de casos de ativistas, defensores dos direitos humanos e jornalistas que foram acusados na Cisjordânia no âmbito desta lei.

Em Gaza, a administração de facto do Hamas continuou a repressão das liberdades de expressão de reunião pacífica utilizando força excessiva para dispersar protestos pacíficos, e prisões arbitrárias e detenção contra pessoas críticas da sua gestão. Os tribunais de Gaza continuam a proferir sentenças de morte em procedimentos que falham em cumprir os padrões internacionais.

Impunidade alimenta violações

A tortura e outros maus-tratos sob custódia continuam a ser cometidos com impunidade pela polícia palestiniana e outras forças de segurança na Cisjordânia, e pela polícia do Hamas e outras forças de segurança em Gaza. A CIDH calcula o número de vítimas em centenas.

As autoridades palestinianas na Cisjordânia usaram crescentemente uma lei de 1954 que permite a detenção por tempo indeterminado de indivíduos, por ordem de um governador regional, sem acusação ou julgamento. Só em 2018, a CIDH documentou 201 casos de detenções deste tipo.

Nos raros casos nos quais as autoridades palestinianas deram passos para responsabilizar por violações dos direitos humanos perpetradores no seio das forças policiais e de segurança, estas recorreram a medidas disciplinares em detrimento de acusações criminais, mesmo em casos nos quais que há suspeitos acusados de utilização abusiva ou arbitrária de força.

“A quase total ausência de responsabilização sob os anteriores governos alimentou um clima de impunidade que encorajou o atual e continuado uso de força excessiva e outros abusos por parte da polícia palestiniana e de outras forças de segurança”, disse Saleh Higazi.

“Os palestinianos, cujos direitos foram já rotineiramente esmagados pela ocupação de Israel, não devem ser brutalizados e reprimidos pelo seu próprio governo. O novo governo deve assumir medidas efetivas para melhorar os direitos humanos para todo o seu povo.”

Contexto

A 29 de Janeiro, o presidente palestiniano Mahmoud Abbas aceitou a demissão do governo de consenso nacional liderado pelo primeiro-ministro Rami Hamdallah, que estava no poder desde Junho de 2014.

O governo de consenso nacional tinha uma autoridade mínima na Faixa de Gaza, que é efetivamente gerida pela administração do Hamas.

A formação do novo governo segue-se a uma decisão do Supremo Tribunal Constitucional, a 12 de Dezembro de 2018, de dissolver o Concelho Legislativo da Palestina, que é dominado pelo Hamas, e realizar eleições legislativas seis meses depois.

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