30 Agosto 2021

As autoridades do Paquistão devem cumprir com a reforma há muito prometida e acabar com os desaparecimentos forçados sancionados pelo Estado. Apenas assim será possível colocar o país, finalmente, em linha com o direito e os padrões internacionais de direitos humanos, disse a Amnistia Internacional, no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados da ONU.

Uma proposta de alteração ao Código Penal do Paquistão para proibir os desaparecimentos forçados – quando o Estado nega deter um indivíduo ou recusa providenciar informação sobre o seu destino ou paradeiro – permaneceu pendente por mais de dois anos e meio. Desde o início da chamada “Guerra ao Terror”, em 2001, os desaparecimentos forçados têm sido frequentemente usados como instrumento pelos serviços secretos do Paquistão para atacar defensores dos direitos humanos, ativistas políticos, estudantes e jornalistas. De acordo com grupos de vítimas e famílias, o destino de centenas de vítimas é ainda desconhecido.

“Há muito que os desaparecimentos forçados são uma mancha no registo de direitos humanos do Paquistão, causando uma angústia incalculável a centenas de famílias.”

Dinushika Dissanayake, diretora-adjunta para o Sul da Ásia da Amnistia Internacional

O mais recente projeto de alteração, e que atualmente se encontra em revisão parlamentar, contém falhas fundamentais e fica aquém de cumprir os requisitos mínimos do Direito Internacional, que proíbem os desaparecimentos forçados.

“Há muito que os desaparecimentos forçados são uma mancha no registo de direitos humanos do Paquistão, causando uma angústia incalculável a centenas de famílias. Apesar deste facto ser amplamente reconhecido pelo atual governo, a sua continuação transmite sinais contraditórios a quem desesperadamente procura saber a sorte e o paradeiro dos seus entes queridos. É também motivo de preocupação que ainda ninguém tenha sido responsabilizado, apesar de todas estas pressões”, disse Dinushika Dissanayake, diretora-adjunta para o Sul da Ásia da Amnistia Internacional.

“Quando foi anunciada, em janeiro de 2019, a proposta de reforma oferecia esperança de que pudesse existir vontade política para finalmente proibir os desaparecimentos forçados. Dois anos e meio depois, temos uma proposta diluída que fica longe do que foi prometido.”

O atual projeto de alteração fica aquém dos padrões estabelecidos pelo Direito Internacional num conjunto de áreas, particularmente no que concerne à identificação de quem pode ser o perpetrador no âmbito da lei. Apenas proíbe os desaparecimentos forçados cometidos contra um nacional paquistanês ou no Paquistão, negligenciando casos em que paquistaneses poderão ser responsáveis por um desaparecimento forçado no estrangeiro, potenciais vítimas estrangeiras, e casos em que o alegado infrator está presente em qualquer território sob a jurisdição do Paquistão, como previsto pelo Direito Internacional. O projeto-lei também só se aplica a casos em que tenha ocorrido uma “privação de liberdade ilegítima ou ilegal”, não reconhecendo que os desaparecimentos forçados podem ser cometidos mesmo após uma detenção ou prisão legítima. De forma semelhante, o projeto também não reconhece que o conhecimento, a aquiescência ou apoio do Estado a um desaparecimento não são necessariamente requeridos para que o ato seja criminoso.

Do mesmo modo, o projeto de alteração não define claramente o seu mandato e não especifica sob que estrutura jurídica as famílias das vítimas poderão apresentar uma queixa, como será determinada reparação e que efeito retroativo a alteração terá, se o tiver.

O projeto de alteração foi apresentado no parlamento pelo Ministério dos Direitos Humanos a 7 de junho. Atualmente, encontra-se com a Comissão Permanente do Interior na Assembleia Nacional que, três meses depois, ainda não deu qualquer opinião. Poucas semanas após a reforma ter sido apresentada, a 26 de junho, o ativista político Seengar Noonari foi raptado pelas autoridades.

A Amnistia Internacional apela às autoridades paquistanesas para que adiram imediatamente à Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados, sem fazer qualquer reserva ao seu texto, e revelem o paradeiro e o destino daqueles que ainda estão desaparecidos.

“Os desaparecimentos forçados deixaram um legado indelével e doloroso no Paquistão. Para avançar, as autoridades necessitam não apenas de acelerar estas reformas, mas também de ser completamente transparentes sobre o destino de todos aqueles sequestrados por agentes estatais e outros grupos, e de começar a responsabilizar os perpetradores”, disse Dinushika Dissanayake.

 

Contexto

O Paquistão fez alguns progressos, ainda que limitados, no sentido de proscrever os desaparecimentos forçados. Os recentes veredictos pelo Tribunal Superior de Islamabad criaram precedentes para reparações para famílias de vítimas de desaparecimentos forçados e multas para as forças de segurança. Contudo, não é claro se estas foram implementadas.

Seengar Noonari foi devolvido à sua família cinco semanas após ter sido vítima de desaparecimento forçado.

Mais informações sobre desaparecimentos forçados disponíveis aqui e, sobre a atual situação no Paquistão, disponível aqui. 

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