4 Julho 2019

Os magistrados que tentam proteger a independência da justiça polaca estão a ser alvo de perseguições online e assédio no local de trabalho, revela a Amnistia Internacional através do relatório Poland: Free Courts, Free People (“Polónia: Tribunais Livres, Pessoas Livres”). O documento, divulgado esta quinta-feira, aponta que, desde o final de 2015, o governo do país implementou um conjunto de medidas que colocam em causa o princípio de separação de poderes. Entre estas está a competência exclusiva dada ao ministro da Justiça para nomear e demitir presidentes e vice-presidentes dos tribunais. Além disso, pode forçar a aposentação dos juízes do Tribunal Supremo. Outra realidade notada é a abertura de processos disciplinares a quem se pronuncia contra as “reformas”. 

“As autoridades polacas realizaram uma caça às bruxas, trabalhando nos bastidores para intimidar e difamar os juízes e procuradores que protestaram, corajosamente, contra o sequestro político da justiça. Esta perseguição deve parar imediatamente”, afirma Barbora Černušáková, investigadora regional da Amnistia Internacional. 

As autoridades polacas realizaram uma caça às bruxas, trabalhando nos bastidores para intimidar e difamar os juízes e os procuradores que protestaram, corajosamente, contra o sequestro político da justiça

A erosão da independência da justiça já teve consequências para os magistrados que tomaram posições públicas. A Amnistia Internacional falou com o antigo porta-voz do Conselho Nacional de Justiça, Waldemar Żurek, que, durante vários anos, sofreu ameaças e foi perseguido por ser crítico das alterações. Alvo de processos disciplinares injustificados, mensagens de ódio e de uma campanha de difamação em meios televisivos, viu ainda a família ser investigada. 

A perseguição online, através do Twitter, também tem sido feroz. Uma conta anónima destaca-se entre todas as outras não só pelos ataques que faz a juízes, sobretudo mulheres, mas também pela informação confidencial que partilha, aumentado as suspeitas de que se trata de alguém ligado ao governo. Por exemplo, no dia 3 de abril, quando a Comissão Europeia anunciou o terceiro procedimento contra as reformas judiciais na Polónia, o utilizador em questão partilhou uma fotografia da notificação que tinha sido enviada para o governo polaco.   

O risco de defender manifestantes 

A Amnistia Internacional também entrevistou juízes que sofreram abusos depois de proferirem decisões que confirmaram o direito de manifestantes protestarem de forma pacífica. Um dos casos analisados surgiu na sequência de uma acusação a uma mulher que terá dito “Estou muito f….. com a situação no meu país”. Sławomir Jęksa, um juiz do Tribunal Regional de Poznań, determinou que não foi cometido qualquer delito, uma vez que a declaração foi feita num protesto em que o limite para a liberdade de expressão é “naturalmente alargado”. A mesma pessoa terá ainda abordado as ameaças à independência judicial. Conclusão? O juiz foi alvo de um processo disciplinar porque a sua decisão foi “uma expressão de opiniões políticas”. 

Este tipo de casos é comum e quem busca apoio jurídico junto do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) acaba por enfrentar uma investigação. Ewa Maciejewska, juíza na cidade de Łodz, foi ouvida pela comissão disciplinar depois de ter solicitado esclarecimentos do TJUE sobre a legitimidade dos processos disciplinares, integrados na “reforma” implementada pela Polónia. 

Juízes contra-atacam 

Apesar de se multiplicarem os ataques, os juízes têm desencadeado uma onda de solidariedade entre a classe. Após uma advertência injustificada contra a juíza Alina Czubieniak que tinha ordenado a reapreciação de uma detenção, vários colegas de mais de 20 tribunais do país organizaram uma ação de apoio com cartazes em que se liaNão vamos ser intimidados”.  

Contudo, em certos casos, à solidariedade seguiu-se novo assédio. Em abril, o presidente do tribunal de Olsztyn nomeado após a reforma” – chamou a polícia para parar um piquete solidário de juízes e advogados. 

“O Tribunal Penal Internacional terá de investigar, imediatamente, a possibilidade de se tratar de um ataque direto contra civis”

O governo da Polónia tem de parar, imediatamente, qualquer processo disciplinar em andamento contra os juízes e procuradores, na sequência das suas decisões legítimas e dos protestos legais, e deixar de usar medidas disciplinares para exercer controlo sobre a justiça”, defende Barbora Černušáková. 

“O estado de direito e a proteção dos direitos humanos são os princípios fundadores da União Europeia. Outros Estadosmembros da UE devem continuar a pedir à Polónia para que coloque um ponto final à flagrante violação desses princípios e responsabilize o governo se continuar assim”, conclui a investigadora da Amnistia Internacional. 

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