13 Março 2023

A FIFA recebeu uma petição com mais de um milhão de assinaturas – e camisolas de futebol personalizadas – exigindo que providencie a devida compensação aos trabalhadores migrantes que sofreram abusos de direitos humanos enquanto trabalhavam na preparação do Campeonato do Mundo de Futebol 2022, no Qatar.

As cartas serão entregues à FIFA ainda antes da conferência anual da organização, que se realiza esta quinta-feira, 16 de março, no Ruanda, onde será pressionada por alguns dos seus próprios membros para reparar os abusos aos trabalhadores migrantes. As assinaturas da petição foram recolhidas pela organização Avaaz e pela Amnistia Internacional em 190 países.

“Esta reunião é mais uma oportunidade para a FIFA proceder a reparações e estabelecer um plano e um calendário para recompensar direta e rapidamente os trabalhadores e as suas famílias, que suportaram abusos de direitos humanos que o Mundial fosse uma realidade”, disse Steve Cockburn, responsável de Justiça Económica e Social na Amnistia Internacional.

“Embora nada possa substituir a perda de um ente querido, não há dúvida de que a FIFA tem os recursos para ajudar a reparar estas injustiças e fornecer um apoio capaz de mudar a vida dos trabalhadores e das suas famílias”

Steve Cockburn

“O Mundial acarretou um custo humano de famílias endividadas e mortes de trabalhadores. Embora nada possa substituir a perda de um ente querido, não há dúvida de que a FIFA tem os recursos para ajudar a reparar estas injustiças e fornecer um apoio capaz de mudar a vida dos trabalhadores e das suas famílias”.

As camisolas especialmente desenhadas para serem enviadas com as assinaturas da petição, foram oferecidas ao museu oficial da FIFA em Zurique, Suíça, e evocam as roupas de trabalho azuis e os coletes amarelos usados por muitos dos trabalhadores migrantes que sofreram abusos construindo estádios e infraestruturas e providenciando serviços.

“Ao apresentar as camisolas de futebol no museu da FIFA em Zurique, estamos a exigir que a organização reconheça o sacrifício de trabalhadores migrantes e que as suas demandas pendentes por compensação sejam atendidas”, afirmou Steve Cockburn.

Na véspera do torneio, em novembro de 2022, a FIFA prometeu estabelecer um fundo, mas não se comprometeu a usá-lo para providenciar apoio diretamente aos trabalhadores. Até à data, a FIFA não forneceu detalhes adicionais sobre como operará o fundo.

A carta agora endereçada a Gianni Infantino, presidente da FIFA, insta-o a usar o fundo para compensar diretamente trabalhadores abusados ou as suas famílias, e a trabalhar com o Qatar para garantir que o seu próprio esquema de compensação pode ser uma realidade.

A Federação de Futebol norueguesa, apoiada por várias outras federações nacionais, apresentou uma discussão na reunião anual, propondo que a FIFA assegure a “implementação plena dos seus compromissos de direitos humanos, incluindo reparação” e apelando à organização para “avaliar se cumpriu a sua responsabilidade de reparação relacionada com o Campeonato do Mundo de 2022, nomeadamente uma investigação às mortes e lesões relacionadas com o Mundial”.

“Chegou a hora de a FIFA assumir adequadamente as suas responsabilidades, ao invés de meramente passar a responsabilidade para o Qatar. É mais do que tempo de os líderes do futebol fazerem uma promessa clara aos trabalhadores maltratados”, concluiu Steve Cockburn.

 

A compensação dos trabalhadores por parte da FIFA não pode atrasar

No seu congresso anual, em Kigali, a FIFA concordou em analisar os mecanismos de reparação existentes para os abusos sofridos por milhares de trabalhadores que ajudaram a realizar o Campeonato do Mundo de 2022, procurando perceber se são suficientes. No seguimento desta promessa, Steve Cockburn, responsável de Justiça Económica e Social na Amnistia Internacional, sublinhou:

“Embora a FIFA tenha reconhecido a necessidade de resolver a questão da reparação para os trabalhadores que sofreram estas violações de direitos humanos, é bastante claro que milhares de trabalhadores ainda não conseguiram obter a devida compensação pelos abusos relacionados com a preparação do Mundial de Futebol. A FIFA não deve descurar a suas reivindicações de reparação, procrastinando com um longo processo em que se reexaminam factos que estão já bem determinados. Os trabalhadores já esperaram demasiado tempo por justiça.”

“A FIFA não deve descurar a suas reivindicações de reparação, procrastinando com um longo processo em que se reexaminam factos que estão já bem determinados. Os trabalhadores já esperaram demasiado tempo por justiça”

Steve Cockburn

“Qualquer processo de análise deve focar-se na forma como a FIFA garantirá que os trabalhadores e famílias sejam compensados pelos abusos sofridos (entre os quais, as taxas de recrutamento ilegais que foram pagas pelos trabalhadores, os salários roubados e as vidas perdidas). Qualquer esforço menor que este seria uma lavagem absoluta das suas responsabilidades para com as pessoas que mais sofreram enquanto a organização ganhava milhões.”

“Saudamos os esforços das associações nacionais de futebol que defendem os direitos dos trabalhadores e lembram a FIFA dos seus próprios compromissos com os direitos humanos. Instamos que o continuem a fazer até que a justiça seja alcançada. Juntos, continuaremos a trabalhar para garantir que os trabalhadores e as suas famílias recebam a compensação que merecem.”

 

Contexto

Após a FIFA ter atribuído o Campeonato do Mundo ao Qatar, em 2010, centenas de milhares de trabalhadores migrantes pagaram taxas de recrutamento ilegais, tiveram os seus salários retidos ou perderam mesmo as suas vidas para viabilizar o torneio. Nos últimos anos, o Qatar introduziu uma série de reformas laborais dirigidas a melhorar as condições dos trabalhadores, mas a falta de implementação significa que os abusos persistem a uma escala significativa. Em 2018, o Qatar introduziu um fundo de compensação para os trabalhadores que conseguiram obter uma sentença judicial para mostrar que lhes eram devidos salários por pagar.

A ausência de investigações sobre as causas dos óbitos dos trabalhadores significa que o verdadeiro impacto do calor extremo e das penosas condições de trabalho no Qatar nunca será verdadeiramente conhecido, mas investigação indica que, desde 2010, pelo menos muitas centenas de trabalhadores – através de projetos do Mundial e outros – faleceram provavelmente por causas relacionadas com o trabalho.

Desde maio de 2022, uma coligação de organizações desenvolveu campanhas para garantir compensação e reparação para trabalhadores abusados. O apelo foi apoiado por mais de uma dezena de federações e quatro patrocinadores dos Mundiais da FIFA, e uma sondagem de opinião em 15 países mostrou que 84% do público que queria assistir ao Campeonato do Mundo de 2022 apoiava a proposta.

Em dezembro de 2022, Gianni Infantino anunciou que a FIFA arrecadou mais de 6500 mil milhões de Euros com o “ciclo do Campeonato do Mundo de 2022”, cerca de 938 milhões de euros mais do que era esperado.

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