15 Junho 2023

A Amnistia Internacional revelou esta quinta-feira que o Qatar e a FIFA continuam por implementar um mecanismo de indemnização eficaz para abusos sofridos pelos migrantes que trabalharam no Mundial 2022 de futebol.

De acordo com uma investigação da organização, fiscais e guardas de segurança contratados pela Teyseer Security Services, uma empresa sediada no Qatar, que trabalharam Mundial 2022 de futebol, sofreram “uma série de danos e abusos relacionados com o trabalho”.

Uma investigação da Amnistia Internacional revelou que ocorreram graves abusos laborais durante o Campeonato do Mundo e que não foram devidamente resolvidos, apesar de a organização ter publicado um relatório de 70 páginas em abril de 2022, que alertava para abusos laborais sistemáticos e estruturais no setor da segurança privada no Qatar.

“Os organizadores do Campeonato do Mundo estavam bem cientes dos problemas, mas não puseram em prática medidas adequadas para proteger os trabalhadores e evitar abusos laborais previsíveis nas instalações do Campeonato do Mundo, mesmo depois de os trabalhadores terem levantado estas questões diretamente”, afirmou Steve Cockburn, Diretor de Justiça Económica e Social da Amnistia Internacional.

Em março de 2023, a FIFA anunciou que o seu subcomité de direitos humanos conduziria uma avaliação do legado de direitos humanos do torneio, inclusive abordando a questão das indemnizações para abusos laborais.

“A FIFA tem uma responsabilidade clara de garantir que os direitos humanos sejam respeitados em toda gestão de logística envolvida na preparação e durante a competição”

Steve Cockburn

“A FIFA tem uma responsabilidade clara de garantir que os direitos humanos sejam respeitados em toda gestão de logística envolvida na preparação e durante a competição. Embora seis meses se tenham passado desde o Mundial, a FIFA ainda não investigou efetivamente o problema ou ofereceu soluções. Os trabalhadores já esperaram muito por justiça”, acrescentou Steve Cockburn.

Para a sua investigação, a Amnistia Internacional falou com 22 homens do Nepal, Quénia e Gana, que se encontravam entre os milhares de trabalhadores migrantes contratados a curto prazo pela Teyseer. A organização analisou contratos de trabalho, correspondência relativa a ofertas de emprego e materiais audiovisuais, incluindo registos de voz de comunicações entre trabalhadores e agentes de recrutamento, e analisou informações relativas a outros trabalhadores que foram anteriormente entrevistados pelo grupo de direitos humanos, que corroboram as alegações de que muitos outros sofreram abusos semelhantes.

Os migrantes relataram também que protestaram em várias ocasiões enquanto estavam no Qatar, sendo que alguns recorreram à linha direta para queixas, mas denunciando que “nenhuma ação foi tomada”.

“Um trabalhador disse que um gerente ameaçou demiti-lo e a outros em retaliação pela reclamação e advertiu-os a não relatar problemas novamente. Dias antes dos seus contratos expirarem, no início de janeiro, centenas de agentes de segurança fizeram um protesto exigindo as suas dívidas, incluindo horas extra não pagas e um bónus que disseram ter sido prometido na conclusão de suas funções. Após esse protesto, os trabalhadores disseram que representantes da Teyseer e do governo prometeram que seriam indemnizados, uma promessa que não foi honrada”, realçou Steve Cockburn.

 

Recrutamento ilegal e falsas promessas

Os migrantes chegaram ao Qatar em meados de outubro de 2022 e foram contratados para trabalhar durante três meses. Todos eles afirmaram ter incorrido em custos relacionados com o recrutamento para garantir os seus postos de trabalho, tendo 16 deles afirmado que pagaram mais de 200 dólares, incluindo quatro que pagaram mais de 600 dólares, o que equivale a mais de um terço do total dos seus rendimentos previstos.

Para alguns, estes custos incluíram até 300 dólares em honorários de agências de recrutamento, bem como avaliações médicas antes de viajarem para o Qatar, testes da COVID-19 e verificação do registo criminal. Cinco dos trabalhadores do Gana e do Quénia disseram ter incorrido entre 85 e cerca de 250 dólares cada um em despesas de viagem e de subsistência para participarem num programa de formação de duas semanas nos seus países de origem, durante o qual não foram pagos.

Alguns agentes de recrutamento disseram aos trabalhadores que a Teyseer lhes pagaria os custos incorridos, e as cartas de oferta de emprego analisadas pela Amnistia Internacional confirmaram que a empresa suportaria todos os custos relacionados com o recrutamento. A grande maioria, no entanto, diz que não foi reembolsada, apesar de os representantes da Teyseer terem pedido a alguns trabalhadores, pouco depois da sua chegada ao Qatar, que escrevessem à direção indicando os montantes que tinham pagado em taxas de recrutamento.

Marcus, do Gana, 33 anos, que trabalha para sustentar os irmãos e pagou cerca de 400 dólares em custos de recrutamento, disse: “Tive de pedir um empréstimo para pagar as despesas da viagem para trabalhar no Qatar durante o Campeonato do Mundo. Ainda estou a pagá-lo, o que ganhei não foi suficiente”.

 

Excesso de horas de trabalho e ausência de dias de descanso

Mais de um terço dos homens entrevistados, especialmente os que trabalhavam como fiscais, afirmaram que tinham de trabalhar 12 horas por dia e que chegavam a trabalhar 38 dias consecutivos sem um dia de folga ou uma remuneração adequada que refletisse este trabalho suplementar, o que constitui uma violação da legislação do Qatar. As suas funções exigem frequentemente que fiquem de pé durante muitas horas sem se sentarem e que lidem com grandes multidões após os jogos sem formação e apoio adequados.

Kiran, 26 anos, do Nepal, que trabalhou como fiscal no metro de Souk Waqif, disse: “Era um trabalho difícil, porque só havia uma estação de metro na zona e demasiada gente. Tinha de estar de pé durante dez a 12 horas por dia… apoiando as costas nas barricadas. Por vezes, sentíamo-nos assustados porque havia muito movimento e as pessoas empurravam”.

 

Sem recurso à justiça

Apesar das afirmações dos homens de que a Teyseer e a FIFA foram informadas dos abusos, parece que nenhuma das organizações tomou medidas efetivas para resolver adequadamente estas questões e garantir um recurso atempado aos trabalhadores.

O Qatar introduziu mecanismos de reclamação, mas os trabalhadores têm de estar no país para aceder aos tribunais do trabalho e ao sistema de indemnização. Sem poderem apresentar queixa à distância e sem outra alternativa que não seja abandonar o país, os trabalhadores migrantes viram ser-lhes negada justiça.

A Teyseer negou as alegações dos trabalhadores, afirmando que seguiu um “processo de recrutamento ético” e detalhando longamente as várias medidas que disse ter tomado para proteger os direitos dos trabalhadores nas obras do Campeonato do Mundo.

A FIFA afirmou que foram efectuadas as devidas diligências em relação à Teyseer, mas reconheceu a existência de “perceções e pontos de vista diferentes” sobre a experiência dos trabalhadores da Teyseer, não se comprometendo a intervir para resolver o problema.

Tanto a FIFA como a Teyseer confirmaram que as questões tinham sido levantadas através da linha direta e afirmaram que tinham sido resolvidas.

As respostas completas da Teyseer e da FIFA podem ser consultadas aqui.

Artigos Relacionados