15 Março 2022

 

  • Bloqueio aos meios de comunicação independentes, fuga de mais de 150 jornalistas do país 
  • Facebook e Twitter banidos 
  • Nova legislação criminaliza reportagens independentes sobre a guerra com penas até 15 anos de prisão; o termo “guerra” e os apelos à “paz” estão efetivamente proibidos  
  • Mais de 13.800 pessoas arbitrariamente detidas em manifestações contra a guerra desde o dia 24 de fevereiro 

 

As autoridades russas têm praticado uma repressão sem precedentes, por todo o país, sobre o jornalismo independente, as manifestações antiguerra e as vozes dissidentes, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, declarou a Amnistia Internacional.

Ao bloquear os meios de comunicação social críticos mais populares, encerrar as estações de rádio independentes e forçar dezenas de jornalistas a suspenderem o seu trabalho ou a abandonarem o país, as autoridades privaram, quase por completo, o acesso da população russa a informação objetiva, imparcial e fidedigna. Roskomnadzor, serviço regulador dos media da Rússia, também bloqueou o acesso às redes sociais Facebook e Twitter.

“Durante duas décadas, as autoridades russas travaram uma guerra oculta contra as vozes dissidentes, prendendo jornalistas, reprimindo as redações independentes e forçando os proprietários de meios de comunicação a impor a autocensura. No entanto, após a entrada dos tanques russos na Ucrânia, as autoridades mudaram para uma estratégia totalmente destrutiva, que transformou o panorama mediático da Rússia num autêntico deserto de informação”, referiu Marie Struthers, diretora da Amnistia Internacional para a Europa Oriental e Ásia Central na Amnistia Internacional.

“Após a entrada dos tanques russos na Ucrânia, as autoridades mudaram para uma estratégia totalmente destrutiva, que transformou o panorama mediático da Rússia num autêntico deserto de informação”

Marie Struthers

 

Repressão sobre os media independentes e redes sociais 

Desde o início da invasão, o Roskomnadzor estabeleceu uma verdadeira censura à guerra para silenciar a dissidência. A 24 de fevereiro, o regulador ordenou a todos os meios de comunicação social para recorrerem apenas a fontes de informação oficiais, sancionadas pelo Estado, sob pena de punições severas por difundirem “notícias falsas”. O uso das palavras ‘guerra, ‘invasão’ e ‘ataque’ foi proibido para descrever as ações militares da Rússia na Ucrânia.

O uso das palavras ‘guerra, ‘invasão’ e ‘ataque’ foi proibido para descrever as ações militares da Rússia na Ucrânia

A 28 de fevereiro, o Roskomnadzor bloqueou a Nastoyashchee Vremya (Tempo Atual), uma filial da Rádio Europa Livre/Rádio Liberdade, por difundir informação “duvidosa” sobre a invasão. A 1 de março, quase todos os meios de comunicação social ucranianos ficaram inacessíveis para a população na Rússia que os seguia via online.

Nos dias que se seguiram, o Kremlin censurou severamente inúmeros meios de comunicação independentes, como a emissora TV Rain, a rádio Eco de Moscovo, sedeada na Letónia, o site Meduza, os meios de comunicação social russos críticos MediazonaRepublic e Sobesednik, o portal de ativismo de base Activatica e os serviços em russo da BBC, Voz da América e Deutsche Welle.

O bloqueio dos sites noticiosos e a ameaça de processos criminais incentivaram a fuga de vários jornalistas da Rússia. De acordo com o Agentstvo, um site de jornalismo de investigação agora inacessível na Rússia, pelo menos 150 jornalistas fugiram do país desde o início da guerra.

A TV Rain optou por interromper a emissão, pelo receio de possíveis consequências. O Znak.com, canal noticioso regional relevante, suspendeu as suas operações, mencionando também apreensões quanto à censura. A estação de rádio Eco de Moscovo foi retirada do ar. Pouco depois, os seus proprietários, alinhados com o Estado, decidiram liquidar a empresa. Até mesmo o Novaya Gazeta, um marco do jornalismo independente liderado pelo Prémio Nobel Dmitry Muratov, anunciou, a 4 de março, que iria remover os artigos sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia.

A 1 de março, o serviço Roskomnadzor começou a abrandar o tráfego no Twitter e Facebook, antes de acusar ambas as empresas de disseminarem informação “imprecisa” sobre o conflito na Ucrânia. A 4 março, as duas redes sociais foram bloqueadas no país.

“A imprensa livre na Rússia não morreu, apesar dos esforços contínuos das autoridades. Os corajosos jornalistas continuam o seu trabalho crucial, não em redações, mas enquanto repórteres exilados por todo o mundo. Podemos não ver os seus relatos na televisão ou ouvi-los na rádio, mas as suas declarações continuam a ser transmitidas em direto no YouTube. As suas palavras não estão nas páginas de jornais, mas são divulgadas ao mundo através de canais no Telegram. As informações de todos estes correspondentes devem ser partilhadas e valorizadas”, referiu Marie Struthers.

“Os corajosos jornalistas continuam o seu trabalho crucial, não em redações, mas enquanto repórteres exilados por todo o mundo. Podemos não ver os seus relatos na televisão ou ouvi-los na rádio, mas as suas declarações continuam a ser transmitidas em direto no YouTube”

Marie Struthers

Leis sobre “agentes estrangeiros” e “organizações indesejáveis” 

As autoridades russas também recorreram a legislação repressiva para oprimir os media e vozes dissidentes. A 5 de março, dois meios de comunicação de jornalismo de investigação, o Vazhnye Istorii (Histórias Importantes) e o Projeto de Denúncia do Crime Organizado e da Corrupção (OCCRP), foram designados como “organizações indesejáveis”. As suas operações foram criminalizadas e ficaram impedidos de trabalhar na Rússia.

A 9 de março, foi introduzida, na Duma Estatal, uma nova lei, para criar um “registo unificado” de todos os funcionários e membros atuais ou antigos de ONG, associações públicas e entidades mediáticas classificadas como “agentes estrangeiros” e pessoas individualmente rotuladas como tal.

 

Repressão de protestos antiguerra

Apesar da introdução de severas restrições e da violenta resposta policial em manifestações pacíficas, o movimento antiguerra continua a inundar as ruas com manifestações no país, embora as autoridades as dispersem imediata e brutalmente.

Segundo a OVD-Info, uma ONG de vigilância policial, cerca de 13.800 manifestantes pacíficos foram detidos arbitrariamente na Rússia desde 24 de fevereiro. Este número inclui mais de 5.000 manifestantes pacíficos que foram detidos, a 6 de março, em 70 cidades. Privadas da sua liberdade na Rússia, estas pessoas são regularmente sujeitas a espancamentos, humilhação e outras formas de maus-tratos. Muitas relataram ter-lhes sido negado o acesso a advogados, tendo permanecido ainda privadas de comida, água ou roupa de cama.

Num caso particular, a 6 de março, na esquadra de polícia de Brateyevo (Moscovo), uma manifestante gravou um polícia a dizer-lhe: “Acabou. Putin está do nosso lado. Vocês são os inimigos da Rússia. Vocês são os inimigos do povo.” Depois, referiu-lhe “vamos matar-vos a todos aqui e ainda ganhamos outra recompensa por isso” enquanto a arrastava pelo cabelo e lhe batia na cara com uma garrafa de água.

“Vamos matar-vos a todos aqui e ainda ganhamos outra recompensa por isso”

Relato de um polícia a uma manifestante russa

“As pessoas corajosas que se opõem à guerra na Rússia enfrentam grandes riscos para a sua segurança pessoal. Quando saem à rua, o que já é um crime aos olhos das autoridades, e exigem o fim da guerra, a sua mensagem representa um contraste tão gritante com a propaganda do Estado que as coloca incontestavelmente na mira das forças de segurança. Ainda assim, estas pessoas devem ser celebradas por se atreverem a levantar as suas vozes contra a injustiça da invasão”, sublinhou Marie Struthers.

 

Criminalização de “notícias falsas” 

A 4 de Março, o parlamento russo introduziu legislação que aprofunda a criminalização da partilha de “informação falsa” sobre as atividades das Forças Armadas Russas, ou que “desacredite” as tropas russas. Quem seja acusado por cometer estes “crimes” poderá enfrentar multas elevadas ou uma sentença de prisão até 15 anos. Nos três dias seguintes, mais de 140 pessoas foram detidas sob esta nova lei que proíbe efetivamente a palavra “guerra” e qualquer apelo à “paz”.

“Em tempos sombrios como estes, só a solidariedade e a boa vontade podem desafiar a ofensiva de violência Estatal e de ilegalidade generalizada”

Marie Struthers

“Em tempos sombrios como estes, só a solidariedade e a boa vontade podem desafiar a ofensiva de violência Estatal e de ilegalidade generalizada. Apelamos às autoridades russas para cessarem o seu ataque persistente contra organizações e jornalistas da sociedade civil. E pedimos à comunidade internacional para providenciar todo o apoio possível aos repórteres russos, aos defensores de direitos humanos e aos ativistas que continuam a comunicar a verdade e a erguer-se contra a injustiça, apesar de sofrerem terrivelmente pela sua causa”, concluiu Marie Struthers.

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