15 Abril 2024

Um ano após a eclosão do conflito entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF) no Sudão, a resposta da comunidade internacional continua a ser lamentavelmente inadequada, enquanto o número de mortos entre os civis aumenta no país, afirmaram esta segunda-feira a Amnistia Internacional, o Sudan Democracy First Group e o NGO International Film Festival.

“Durante um ano, o povo do Sudão foi negligenciado e ignorado enquanto suportava o peso dos violentos confrontos entre as SAF e as RSF. Até agora, os esforços diplomáticos não conseguiram pôr fim às violações, proteger os civis, fornecer ajuda humanitária suficiente ou responsabilizar os autores de crimes de guerra”, afirmou Tigere Chagutah, Diretor Regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral.

“A comunidade internacional não exerceu pressão suficiente sobre as partes beligerantes para que deixassem de violar os direitos humanos das pessoas apanhadas nesta guerra. A União Africana, em particular, não demonstrou o nível de liderança necessário nem tomou medidas concretas que correspondam à escala e à gravidade do conflito”.

“Durante a sua cimeira anual de fevereiro, a primeira desde o início do conflito, a Assembleia de Chefes de Estado e de Governo da União Africana não incluiu a situação no Sudão como ponto autónomo da ordem de trabalhos”

Tigere Chagutah

“Foi preciso quase um ano para que o Conselho de Segurança das Nações Unidas adotasse uma resolução sobre o Sudão que apelava à cessação imediata das hostilidades e ao acesso humanitário sem entraves. No entanto, apesar da resolução, os combates continuam em todo o país, sem que existam medidas para proteger os civis de danos”.

Em outubro de 2023, o Conselho de Direitos Humanos da ONU estabeleceu uma Missão de Inquérito sobre o Sudão, com o mandato de investigar e estabelecer os factos e as causas profundas das violações e abusos dos direitos humanos cometidos no conflito.

“Apesar do seu potencial papel fundamental na promoção da responsabilização pelas atrocidades cometidas no Sudão, a Missão de Averiguação não pode atualmente cumprir o seu mandato de forma significativa, uma vez que ainda não dispõe de pessoal suficiente ou de financiamento adequado devido ao congelamento das contratações da ONU. O mundo não se pode dar ao luxo de continuar a olhar para o outro lado. Os Estados-Membros devem garantir os recursos necessários e o apoio político total à Missão de Inquérito das Nações Unidas sobre o Sudão e manter os direitos humanos no Sudão no topo da agenda do Conselho dos Direitos Humanos da ONU e de outros organismos da ONU”, afirmou Omayma Gutabi, Directora Executiva do Sudan Democracy First Group.

 

Uma crise humanitária catastrófica

Apesar das múltiplas declarações de cessar-fogo, os combates intensificaram-se em todo o país. Mais de 14 700 pessoas foram mortas, nomeadamente em ataques deliberados e indiscriminados contra civis. Cerca de 10,7 milhões de pessoas foram deslocadas pelo conflito, que constitui a maior crise de deslocação interna do mundo. Pelo menos 14 milhões de crianças – metade das crianças do país – necessitam de assistência humanitária.

O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas alertou para o facto de a resposta humanitária internacional ao Sudão continuar a ser lamentavelmente subfinanciada, apesar de as organizações humanitárias terem alertado para a fome. No final de fevereiro, o apelo das Nações Unidas tinha apenas 5% de financiamento, o que compromete seriamente a prestação de ajuda e serviços de emergência cruciais.

“Os parceiros regionais e internacionais do Sudão têm de pressionar as partes beligerantes para que protejam os civis e permitam um acesso humanitário sem entraves. Apelamos também a uma intensificação imediata da ajuda humanitária para as pessoas que procuraram refúgio nos países vizinhos do Sudão, bem como para as pessoas deslocadas internamente, especialmente as mulheres e as raparigas que são vulneráveis à violência sexual”, afirmou Omayma Gutabi.

Os museus, centros culturais e instalações de investigação do Sudão também foram saqueados e destruídos. No dia 15 de abril de 2024, a Amnistia Internacional, o Sudan Democracy First Group e o NGO International Film Festival vão organizar uma exposição de arte em Nairobi que reunirá artistas sudaneses em solidariedade com os civis sudaneses mais afectados pelo conflito.

“Os artistas são convocadores de esperança, uma fonte de força e guardiões de sítios culturais. Com o conflito em curso, a história antiga do Sudão pode ser destruída, agora que os guardiões fugiram para se protegerem. Encontramo-nos agora na encruzilhada de tentar salvar vidas e preservar um legado cultural que está a desaparecer rapidamente. É crucial que estes artistas sudaneses se voltem a reunir ao fim de um ano, para construir solidariedade, angariar fundos para organizações locais e refletir sobre o futuro do Sudão”, afirmou Taye Balogun, fundador do NGO International Film Festival.

 

Fim à impunidade

Desde 2003, a Amnistia Internacional e outras organizações têm documentado repetidamente provas de crimes de guerra, crimes contra a humanidade e outras violações graves do direito internacional humanitário cometidas pelas forças governamentais sudanesas, incluindo a morte ilegal de civis; a destruição ilegal de propriedade civil; a violação de mulheres e raparigas; a deslocação forçada de civis; e a utilização de armas químicas.

“A impunidade generalizada no Sudão encorajou as partes beligerantes e as milícias a elas aliadas a continuarem a atacar civis em violação do direito internacional. Estes perpetradores acreditam que estão imunes às consequências, e o facto de a comunidade internacional não ter agido só os encorajou ainda mais”, afirmou Tigere Chagutah.

“Apelamos às partes em conflito no Sudão para que cooperem plenamente com a Missão de Averiguação criada pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU; os países vizinhos do Sudão devem também apoiar e facilitar o trabalho desta missão crucial.”

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