26 Fevereiro 2024

por Pedro A. Neto, diretor executivo da Amnistia Internacional - Portugal para o Jornal Expresso

 

Neste dia 24 de fevereiro, assinalam-se dois anos da invasão em larga escala à Ucrânia pela Rússia. Se quisermos lembrar, completam-se também dez anos da ocupação da Crimeia. As atrocidades cometidas são muitas e permanecem impunes. A agressão à Ucrânia não tem qualquer fundamento legal, assim como a repressão russa aos dissidentes políticos ou discordantes desta guerra é inaceitável e cruel.

Em território ucraniano, o exército russo tem atacado alvos civis – hospitais, escolas, zonas residenciais – sem que se possa comprovar qualquer relação com objetivos militares. Não esquecemos a perda de vidas e as dificuldades dos que continuam sem acesso à escola e à saúde. Não esquecemos os idosos isolados na sua fragilidade, os cortes de energia e os campos minados que levarão a agricultura contra a fome tardar-se tantos anos. Não esquecemos quem foi morto em Chernihiv, enquanto aguardava na fila para o pão. Não esquecemos o terror do ataque ao teatro de Mariupol, apesar do aviso de que ali se abrigavam crianças. Não esquecemos os corpos dos civis espalhados nas estradas de Bucha. Não esquecemos a transferência forçada de crianças, depois de separadas das suas famílias. E também não esquecemos a propaganda que chegou aos manuais escolares e que tenta justificar a crueldade abjeta da guerra e a ganância infinita dos que a causam.

Também em território russo, – e bielorusso – a guerra tem feito sofrer quem ousa discordar dela. Foram milhares os manifestantes, jornalistas e defensores de direitos humanos detidos, multados e presos por se manifestarem contra esta guerra. Mas não nos surpreendamos: nunca ninguém é preso por defender direitos humanos ou por ser opositor político. As acusações são sempre outras: terrorismo, apoio a atividades terroristas e outras invocações de criatividade pobre.

Nunca ninguém é preso por defender direitos humanos ou por ser opositor político. As acusações são sempre outras: terrorismo, apoio a atividades terroristas e outras invocações de criatividade pobre

Desde 2013, só na Rússia, 3.738 pessoas foram condenadas por crimes relacionados com “terrorismo”. No final de 2023, a “Lista de Terroristas e Extremistas” da Agência Federal de Supervisão Financeira da Rússia incluía 13.647 pessoas. Para suprimir a dissidência, o abuso na utilização de leis antiterrorismo tem sido enorme.

É por isso que me curvo perante tamanha coragem das pessoas que, mesmo assim, saem à rua para gestos como colocar uma flor junto a uma pedra vinda dos Gulag, em homenagem a Alexey Navalny, talvez o maior opositor de Vladimir Putin que pagou o preço mais alto da vida pelas suas ideias.

A hora é urgente e é de paz que só se alcançará pelo primado da lei. No dia 14 de fevereiro, em Haia, foi firmado um tratado histórico de cooperação jurídica entre Estados para matérias de crimes de direito internacional (como os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra). O Tratado dará força à Convenção de Ljubljana-Haia sobre Cooperação Internacional na investigação destes crimes. É preciso que mais países adiram e ratifiquem este Tratado, dando força à ideia de que a caneta é mais poderosa do que a espada. Carlos Magno bem o referiu, no seu tempo, e esta convicção tem de permanecer verdade. Só uma Justiça Internacional eficaz e uma diplomacia efetiva conseguirão impedir a prevalência da impunidade. Só com a força da caneta do edifício jurídico dos direitos humanos é que continuaremos a ser civilização.

Só uma Justiça Internacional eficaz e uma diplomacia efetiva conseguirão impedir a prevalência da impunidade

 

*Este artigo foi escrito para o jornal Expresso e publicado no seu site.

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